Quase apostamos que ninguém na Sports Illustrated esperava que fosse a capa de Yumi Nu a desencadear uma polémica. Entre as mulheres escolhidas para protagonizar as quatro capas da edição de fatos de banho, nas bancas a partir de sexta-feira, talvez Maye Musk, mãe do empresário da Tesla e da SpaceX, fosse a candidata mais forte a gerar críticas.
Modelo e dietista de profissão, Maye tem 74 anos, e a decisão de a colocar numa capa desta edição especial da SI é inesperada numa sociedade que olha os maiores de 65, sobretudo as mulheres, como velhos. Além disso, Elon Musk, o filho, tem ultimamente granjeado muitos anticorpos nas redes sociais.
A socialite Kim Kardashian, de 41 anos, a cantora Ciara, de 36, e a modelo plus size Yumi Nu, de 25, seriam, à partida, mais consensuais. E todas diferentes e todas perfeitas para servir uma visão comum, segundo MJ Day, a editora-chefe desta edição especial da revista.
“Todas merecemos uma oportunidade para evoluir. Nesta edição, encorajamos os leitores a verem estas modelos como nós as vemos: multifacetadas, multitalentosas – e sensuais enquanto o fazem”, explicou. Sendo que o objetivo final das quatro capas é “celebrar estas mulheres, a sua evolução e as muitas dimensões de quem elas são”, não da forma como o mundo as rotula, mas como “elas se veem”.

Não era, afinal, a primeira vez que a revista escolhia uma modelo plus size para a sua edição de fatos de banho – já em 2016, a capa tinha ido para a então desconhecida Ashley Graham, muito sensual num biquíni tamanho grande. As capas, aliás, porque há seis anos a revista publicou mais outras duas capas, com a estreante Hailey Clauson e a atriz e lutadora de luta livre Ronda Rousey.
Em setembro do ano passado, Yumi Nu também já tinha feito parte de um grupo de modelos escolhidas para protagonizarem a capa dupla da edição americana da Vogue. É verdade que ela só aparecia quando os leitores desdobravam a capa, mas no miolo da revista apresentavam-na como “a preferida”.

Modelo desde os 12 anos, idade com que também começara a cantar, Yumi tinha optado pela música aos 15, por não sentir abertura para raparigas como ela no mundo da moda. “Penso que na altura eu era um tamanho 10, e as únicas pessoas que trabalhavam eram ou um tamanho 2 ou um tamanho 14. Virei-me, então, para a música”, recordou agora, aos 25 anos, em entrevista à SI.
“Mas depois a indústria deixou-me mais espaço para fazer parte dela. E, uma vez que surgiram as tendências de inclusão, tornou-se mais fácil para mim ganhar a vida e ter uma carreira na moda. Foi do tipo: ‘Ó, há tantas possibilidades, e não há limites para o que qualquer um pode fazer agora.’”
Inspirada por outras modelos plus size, como Hunter McGrady, Yumi Nu é a primeira a dar crédito a Ashley Graham por abrir portas a uma variedade de corpos. “A sua capa da SI mudou a vida de tantas pessoas”, acredita, “e penso que mudou a indústria porque tínhamos uma publicação lendária a colocar a sua primeira modelo com curvas na capa.”
Ainda assim, quando a Sports Illustrated a escolheu para protagonizar uma das quatro capas com que pretende celebrar “mulheres poderosas, numa gama inclusiva de origens e tipos de corpo”, a modelo e cantora de origem holandesa e japonesa ficou surpreendida.
“É espantoso. Estou nas nuvens. Isto não é nada para o qual me pudesse preparar. É inesperado”, confessou à revista. “Sinto que se está a criar espaço para mais diversidade nas capas de revistas. É um grande momento para as pessoas asiático-americanas nos media. Sei que tenho um grande papel a representar da diversidade corporal e racial, e adoro ser um modelo a seguir e um exemplo da comunidade asiática plus size.”
Na segunda-feira, 16, Yumi Nu ainda devia estar nas nuvens quando Jordan Peterson, um psicólogo clínico canadiano mais conhecido pelos seus best-sellers de auto-ajuda e pelas palestras que dá mundo fora, alavancadas pelo seu canal no YouTube (onde tem mais de 5 milhões de subscritores), retwitou um artigo da Sports Illustrated com Yumi Nu como protagonista, comentando:
“Desculpem. Não é bonita. E nenhuma tolerância autoritária vai mudar isso.”
Peterson tem 2,7 milhões de seguidores no Twitter. Foi fácil, por isso, este seu tweet tornar-se viral em poucas horas. Mas se Yumi caiu do céu aos trambolhões, foram milhares a ampararem-lhe a queda. Entre os quase 5 mil retweets, 10 mil tweets com comentário e 60,2 mil coraçõezinhos (and counting…), a maioria dos comentários critica o Professor emérito da Universidade de Toronto.

“Queixa-se da ‘tolerância autoritária’ porque a modelo não lhe agrada para se masturbar”, escreve um seguidor. “O cara tem 59 anos [faz 60 a 12 de junho], é pai, tem doutorado em psicologia clínica. E é um nerdola misógino ultra-religioso de direita. O cara me faz posts desse tipo para milhões de seguidores, e a galera acha que ele é um grande filósofo. ‘Tolerância autoritária’. Puta merda”, desabafa outro.
Peterson também teve alguns, poucos, defensores. Como Jenna Ellias, que pertencia à equipa jurídica de Donald Trump quando ele era Presidente dos Estados Unidos. “O escândalo está a perder o sentido: não tens de concordar com a narrativa do Regime se não estiver de facto de acordo com ela”, escreveu. “@jordanbpeterson, como qualquer outra pessoa, pode decidir por si próprio que não a acha bonita. Para de nos obrigar a concordar contigo em nome da ‘tolerância’.”
Sim, Jenna Ellis. Nos últimos tempos, o provocador guru de auto-ajuda que o The New York Times já considerou “o mais influente pensador do mundo ocidental” tornou-se um ícone da extrema-direita.
Quando dava aulas de Psicologia em Toronto (1999-2021), Peterson tornou-se muito conhecido após publicar uma série de vídeos no YouTube a criticar um projeto de lei canadiano que proibia a discriminação baseada na “identidade e expressão de género”. Segundo ele, esse projeto de lei iria tornar a utilização de certos pronomes de género num “discurso forçado”, e tudo por causa da mania do politicamente correto.
Doente ao longo de 2019 e 2020, Peterson publicou o seu terceiro livro, Para Além da Ordem: 12 Novas Regras para a Vida (ed. Lua de Papel), demitiu-se da universidade e dedicou-se aos podcasts. Antes disso, em novembro de 2018, passou por Portugal, onde deu uma conferência no campus de Carcavelos da Nova BSE. O livro 12 Regras para a Vida, Um Antídoto para o Caos (ed. Lua de Papel) foi o ponto de partida para a palestra em que lembrou a primeiras das suas doze máximas: “Levante a cabeça e endireite as costas”, que é como quem diz “ou somos verticais, ou somos esmagados”, porque as leis da natureza não perdoam.
Uma outra sua máxima foi lembrada agora que Jordan Peterson anunciou que ia sair do Twitter. “Ponha a sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo”, aconselha. Então, como se explica que um defensor da liberdade de expressão como ele revele aversão à crítica?
“A torrente interminável de insultos não é algo que possa ser experimentado noutro sítio qualquer. Gosto de seguir as pessoas que conheço mas penso que a estrutura de incentivo da plataforma a torna intrinsecamente e perigosamente insana”, tweetou oito escassas horas depois do seu retweet polémico.
“Por isso, disse à minha equipa para mudar a minha palavra-chave, para me manter afastado da tentação, e vou partir mais uma vez. Se eu tiver algo a dizer, escreverei um artigo ou farei um vídeo. Se a questão não for suficientemente importante para justificar isso, então talvez seja melhor simplesmente deixá-la ir.” Pela tolerância?