Numa gélida quinta-feira de abril, às cinco da manhã, a cidade que nunca dorme parecia estar quase a fechar os olhos. As ruas de Manhattan, em Nova Iorque, estavam praticamente desertas, exceto a entrada do Winter Garden Theatre, um teatro da Broadway, onde se via uma fila de cinco pessoas, conta o jornal britânico The Guardian. Entre elas, estava um homem de 46 anos, sentado numa cadeira dobrável, dentro de uma pequena tenda, amarela no topo e transparente à volta. Podia não parecer, mas Robert Samuel estava a trabalhar.
A sua tarefa consiste em esperar em filas por outras pessoas, seja para conseguir um dos primeiros telemóveis iPhone do modelo mais recentemente lançado, seja simplesmente para comprar “cronuts” – uma conjugação de croissant e donut num só bolo, que é um sucesso em Nova Iorque. Naquela madrugada, Samuel aguardava por dois bilhetes para o musical “The Music Man”, com o ator Hugh Jackman.
A ideia para este negócio nasceu após o nova-iorquino ter sido despedido da empresa de telecomunicações onde trabalhava. Com o objetivo de fazer algum dinheiro rapidamente, o ex-vendedor de telemóveis publicou um anúncio online a vender um serviço de espera na fila para o lançamento do novo iPhone. A paciência de Samuel durante 19 horas valeu-lhe quase 310 euros.
Desempregado, viu aqui uma oportunidade e decidiu agarrá-la. Assim, passados alguns meses, em dezembro de 2012, fundou a empresa “Same Ole Line Dudes” (SOLD) LINK. As filas de espera são o seu trabalho a tempo inteiro há já nove anos. Atualmente, cobra cerca de 570 euros por 24 horas de espera.
O que de facto fez crescer o negócio de Robert Samuel foi o famoso musical “Hamilton”, de Lin-Manuel Miranda, que esgota bilheteiras e bate recordes nas premiações desde a sua estreia, em fevereiro de 2015.
Quando Miranda anunciou que se ia retirar do espetáculo, foi a loucura. “Há aqueles puristas de teatro que têm de ver o elenco original, custe o que custar”, disse o empreendedor. Então, pela espera de quatro a cinco dias para conseguir dois bilhetes nos melhores lugares para essas sessões, Samuel cobrava cerca de 4.740 euros – o que, na verdade, era a opção mais económica para os interessados, tendo em conta que os bilhetes estavam a ser revendidos online a preços superiores a 14 mil euros.
Curiosamente, a peculiar profissão permitiu ao nova-iorquino redescobrir a paixão pelo teatro. Ora, numa fase inicial dos espetáculos de “Hamilton”, Samuel comprava dois bilhetes – o máximo permitido -, que depois entregava aos clientes. No entanto, o teatro rapidamente passou a exigir que o comprador dos bilhetes fosse uma das pessoas que ia assistir ao musical. Logo, o empreendedor, e os colaboradores da SOLD, passaram a ir ao teatro com os clientes. Até hoje, Robert Samuel já viu o musical “Hamilton” dez vezes e raramente perde as peças de teatro e os musicais mais concorridos.
Nem sempre é fácil, mas compensa
Esperar numa fila parece ser bastante simples e tranquilo. Contudo, tem os seus reveses. Para Robert Samuel, a pior parte do seu trabalho é o racismo de que ele e a sua equipa – constituída por várias pessoas negras e latinas – são vítimas. Houve já quem comentasse que pessoas como eles “não vão ver espetáculos”, ou que perguntasse se haveria alguém branco a fazer aquele tipo de trabalho.
Para além disso, por vezes, este trabalho confronta os profissionais com dilemas morais. Por exemplo, nas filas para a vacinação contra a Covid-19, o nova-iorquino guardava lugar a clientes que, frequentemente, não viviam na área onde as vacinas estavam a ser administradas, não devendo, na verdade, ser inoculados lá.
Mesmo assim, Samuel está contente com a sua profissão, que até já lhe deu a oportunidade de viajar para fora do seu país. Apesar de a maior parte do seu trabalho ser em Nova Iorque, em julho de 2018, o norte-americano foi contratado pelos artistas europeus David Brognon e Stéphanie Rollin para participar no Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Melle, em França. A exposição intitulava-se “Until Then” (em português, “Até Lá”), envolvia meramente Samuel, sentado numa igreja francesa do século XI, e pretendia explorar as atitudes face à eutanásia.
A espera do empreendedor durou desde o momento em que, na Bélgica – onde a lei proíbe estritamente a eutanásia -, um paciente anónimo pediu aos médicos que assistissem a sua morte, a fim de acabar com o seu sofrimento, até à altura em que o doente efetivamente faleceu por vontade própria. Nesse instante, Robert Samuel levantou-se e abandonou a igreja após 26 dias a aguardar.
“Os meus olhos incharam, e quando saí da igreja, apesar de não conhecer aquela pessoa, saber que eu estava à espera que ela acabasse com a sua vida, tocou-me de uma forma que eu nunca tinha esperado”, contou ao “The Guardian”.
Hoje, a experiência ainda emociona o norte-americano, cujos olhos lacrimejam ligeiramente. Porém, no dia-a-dia, ao esperar para comprar bilhetes para espetáculos, telemóveis e edições limitadas de peças de vestuário, Samuel vê o seu trabalho como um produto do fator “conveniência, que tomou conta da sociedade”.