E se, para curar a depressão, as perturbações do espetro da ansiedade, a dependência de substâncias, os distúrbios alimentares, as ideações suicidas ou os sintomas da síndrome de stresse pós-traumático (PTSD), bastasse ter uma experiência psicadélica?
No fundo, é como partir numa viagem para melhorar a saúde mental, à boleia de psicadélicos e munido do GPS da psicoterapia. O destino pode revelar-se espantosamente promissor, já que a ciência tem mostrado, cada vez mais, que a resposta pode mesmo passar por uma “boa trip”.
Descartadas no passado e relegadas para segundo plano enquanto opções terapêuticas credíveis e viáveis, as drogas psicadélicas voltaram à luz da ribalta – em ambientes controlados e sem os efeitos secundários habituais.
Mas atenção: a terapia assistida por psicadélicos não exclui de forma alguma o papel do psicólogo ou do psiquiatra. Até porque, para a experiência ser verdadeiramente transformadora, é necessário processar tudo o que se viveu, de modo a promover a mudança. É o chamado período de “integração”.
Nos últimos anos, os estudos e ensaios clínicos com resultados positivos multiplicaram-se e o investimento de hospitais e centros de investigação em todo o mundo não tardou a aparecer.
Em abril de 2019, a Faculdade de Medicina do Imperial College, em Londres, criou o primeiro centro de investigação em psicadélicos, seguida, em setembro do mesmo ano, pela universidade norte-americana Johns Hopkins, a qual tem investigado sobretudo a psilocibina, uma substância com efeito psicadélico contida nos cogumelos mágicos.
Em novembro de 2020, a Johns Hopkins publicou, na revista científica JAMA Psychiatry, um estudo que mostra que a utilização de psilocibina, administrada com psicoterapia de apoio, produz reduções rápidas e significativas nos sintomas depressivos de 24 adultos, metade dos quais alcançou mesmo a remissão dos sintomas, nas quatro semanas seguintes.
Em fevereiro de 2022, investigadores do mesmo instituto publicaram outro estudo no Journal of Psychopharmacology, com participantes que sofriam de depressão moderada a grave e aos quais foram dadas duas doses de psilocibina com psicoterapia de suporte. A pesquisa conclui que os efeitos antidepressivos do tratamento podem durar, pelo menos, 12 meses após a intervenção aguda em alguns pacientes.
Experiências portuguesas
Também por cá a magia dos cogumelos parece ter suscitado a curiosidade dos investigadores e um estudo internacional, promovido pela empresa britânica Compass Pathways, está também a ser testado em doentes portugueses com depressão resistente. Realizada na Fundação Champalimaud, e dirigida pelo psiquiatra Albino Maia, a pesquisa deu aos dois doentes portugueses elegíveis uma cápsula de psilocibina.
Os resultados finais ainda estão por publicar, mas os dados preliminares a nível internacional apontam para que, num terço dos pacientes, haja sucesso no combate à depressão. “Este é um tratamento muito relacionado com as expectativas que as pessoas têm dele”, afirma Albino Maia.
Esta luta faz-se também recorrendo à ketamina, uma substância com propriedades psicadélicas. Além de ser antidepressiva, “tem efeitos que induzem uma variedade de experiências muito interessantes, que podem ser profundamente terapêuticas quando integradas com suporte psicológico”, explica o psiquiatra João Ribeiro, que implementou a terapia inovadora no Hospital Beatriz Ângelo.
Tal como outros psicadélicos, esta substância torna o cérebro e a mente mais plásticos, facilitando mudanças de pensamento e comportamentais, “abrindo assim uma oportunidade de intervenção”.
Para a experiência ser transformadora, é necessário processar tudo o que se viveu, de modo a promover a mudança. É o chamado período de “integração”, com o apoio de um psicólogo ou psiquiatra
No Beatriz Ângelo, a ketamina é administrada ao longo de oito semanas, em sessões de duas horas, nas quais os pacientes “têm acompanhamento médico e são utilizados suportes sensoriais como vendas para os olhos ou música”, alternadas com sessões de psicoterapia, para que o processo possa ser aproveitado “de forma positiva e terapêutica”.
João Ribeiro começou a usar o método em janeiro de 2021 e, nos últimos meses, já foram feitas no hospital de Loures quase 100 “viagens psicadélicas” em pacientes com depressões graves, resistentes aos ansiolíticos e antidepressivos tradicionais. “Isto não é nenhum tratamento milagroso”, avisa, no entanto, o psiquiatra, sublinhando que a eficácia ronda os 50%. “Temos visto transformações incríveis, logo a partir da primeira toma, mas não diria que é a regra. Algumas pessoas respondem só no final.”
Seguindo um protocolo semelhante e sempre na presença de um psiquiatra e de um psicoterapeuta, também a Unidade de Depressão Resistente do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa faz tratamentos de psicoterapia assistida por ketamina. “Estamos a receber pessoas que sofrem de depressão resistente, ou seja, que não melhoraram com antidepressivos nem com psicoterapia”, revela o psiquiatra Pedro Castro Rodrigues, responsável pela unidade clínica para a utilização de psicoterapia assistida por ketamina.
O objetivo deste tratamento, afirma o psiquiatra, “é criar uma modificação temporária na consciência, permitindo ao paciente explorar novas perspetivas sobre si próprio, sendo a psicoterapia fundamental, pois irá ajudá-lo a selecionar as perspetivas mais adaptativas e trazê-las para o seu dia a dia”.
Resultados de um ensaio clínico levado a cabo em sete hospitais universitários franceses, entre 2015 e 2019, e publicado no BMJ em fevereiro de 2022, mostraram ainda que a ketamina tem um efeito rápido, seguro e apresenta benefícios persistentes no tratamento agudo de pacientes com ideação suicida.
Outra novidade terapêutica, que também parece ser muito útil perante este tipo de pacientes é um spray nasal de esketamina, autoadministrado pelo doente sob supervisão direta de um profissional de saúde, em contexto de hospital de dia.
O spray, que ainda não foi aprovado pelo Infarmed, apesar de já ter sido aprovado pela Agência Europeia do Medicamento, vai atuar sobre neurotransmissores diferentes daqueles sobre os quais costumam atuar os antidepressivos clássicos, contribuindo para a recuperação da função sináptica em regiões cerebrais envolvidas na regulação do humor e do comportamento emocional.
“E tem uma resposta quase automática, muito importante em situações de emergência, quando há, por exemplo, intenção suicida”, revela a psiquiatra do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, Inês Bandeira e Cunha.
Lucy in the Sky with Diamonds
Também o mais famoso psicadélico, o LSD, começa a ser visto como algo que a ciência pode usar. Uma revisão sistemática de 11 ensaios clínicos, que trataram um total de 567 pacientes, concluiu que a droga tem um grande potencial clínico para reduzir a sintomatologia psiquiátrica, “sobretudo na perturbação do uso do álcool”.
Da mesma forma, o MDMA, banalmente conhecido como ecstasy, também tem mostrado resultados promissores, sobretudo no tratamento do stresse pós-traumático.
Há também relatos de casais, nos Estados Unidos da América, que usam a substância como forma de salvar a relação. Os utilizadores asseguram que as viagens psicadélicas a dois ajudam na partilha de emoções, medos e angústias.
Jayne Gumpel, uma assistente social clínica com mais de 25 anos de experiência como terapeuta de casais, revelou à revista GQ que, apesar de não recomendar (não o pode fazer legalmente) nem administrar LSD ou MDMA aos seus clientes, caso estes manifestem a intenção de usar as substâncias, ajuda-os a preparar a viagem e integra, posteriormente, a experiência e as descobertas feitas pelos casais.
Porém, legalmente, “as aprovações para uso de LSD, psilocibina ou MDMA ainda só são dadas exclusivamente no contexto dos ensaios clínicos”, alerta João Ribeiro.
Quem sabe se, neste maravilhoso mundo novo dos psicadélicos, não iremos finalmente confrontar-nos com nós mesmos de forma mais gentil.
Canábis para melhores orgasmos?
Estudos observacionais sugerem que o consumo de pequenas doses aumenta o prazer sexual das mulheres
Existe muito pouca investigação nesta área e é difícil afirmar com certezas que o consumo de canábis antes de uma relação sexual aumentará o desejo ou melhorará a vida sexual dos indivíduos. Porém, um estudo publicado em 2019, que inquiriu 373 mulheres sobre o uso desta droga, parece indicar que a dose certa pode tornar os orgasmos mais satisfatórios, aumentar o desejo sexual e diminuir a dor. Pelo menos, esta foi a opinião de 68,5% das inquiridas. A explicação passa pela capacidade que a canábis tem de aumentar a sensibilidade e de aliviar alguns dos sintomas que inibem o desejo, como a ansiedade, a insónia ou a dor.
Já no caso dos homens, o cenário parece ser diferente. De acordo com a Sociedade Internacional de Medicina Sexual, alguns homens relatam que o seu desempenho sexual melhora quando usam canábis, mas outros podem apresentar problemas como menos motivação para o sexo, disfunção erétil, dificuldade em atingir o orgasmo ou ejaculação precoce. O uso da droga também tem sido associado a reduções na contagem, na concentração, na motilidade e na viabilidade de espermatozoides. O fator determinante parece ser a dose. Peter Grinspoon, médico no Massachusetts General Hospital Chelsea HealthCare Center, revelou ao The New York Times que “em pequenas doses, a canábis ajuda a libido, mas em doses altas não é tão eficaz”, podendo até inibir o orgasmo, criando o efeito oposto ao pretendido