Dois artigos científicos, delineados na sequência de uma investigação de cinco anos, nas margens do Tejo, na Base Aérea do Montijo, chegam à conclusão inequívoca de que o ruído produzido pelos barcos neste rio, ao largo de Lisboa, afeta os peixes a vários níveis.
Debaixo de água, o som pode ser muito importante para se obter informação sobre o ambiente e também para comunicar. Isso é especialmente relevante na época da reprodução.
O peixe em estudo foi o Xarroco, um excelente modelo, por ser uma espécie que faz posturas em ninhos e que, por isso mesmo, se torna mais fácil de monitorizar. Também não é difícil, especialmente no local calmo onde se instalaram os investigadores e os seus artefactos, recriar-se o ambiente de reprodução. Acrescente-se que os xarrocos “cantam” para atrair as fêmeas para os ninhos preparados nas rochas. Depois de elas deixarem aí os ovos, os machos passam a ser os responsáveis por cuidar deles. Os ovos e as larvas desenvolvem-se agarradas ao teto dos ninhos.
A mesma equipa de cientistas do MARE, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, também analisou o comportamento das corvinas face ao ruído, mas como elas são mais móveis, tendem a deslocar-se para locais mais silenciosos para lançarem os ovos. No entanto, ficou provado, através da análise dos seus coros de reprodução que esses diminuíam em presença do ruído de motores dos barcos e que por isso o comportamento dessa espécie também é afetado.
No caso do Xarroco, o estudo implicou a criação de dois set ups, com ninhos e sons, recorrendo a altifalantes para criarem playbacks. Como explica Clara Amorim, investigadora principal do projeto FishNoise, “um recriava ruído ambiente, outro ruído dos motores de barco”. Observou-se que os machos reprodutores ocupavam os ninhos de forma diferente.
“Encontrámos mais postura no ninho de ruído ambiente. Além disso, o desenvolvimento dos ovos também era maior. Quando os sons eram de motores de barco, detetámos respostas fisiológicas ao stress, quer em adultos quer em crias.” Para chegar a essa conclusão, a equipa de investigadores mediu os níveis da hormona Cortisol (aumentada em casos de stress oxidativo) e outros bio marcadores de metabolismo.
Os resultados não podiam ser mais claros: “Verificámos que os machos expostos a ruído têm menos 25% de probabilidade de ter ovos. Além disso, os machos que conseguem ter ovos têm uma menor quantidade de ovos vivos (cerca de 30% menos)”.
“Pensamos que os xarrocos terão uma resposta ao stress do tipo congelar. Se assim for, justifica-se a perda de ovos vivos nos ninhos em que o ruído era dos motores – os machos expostos a esse som diminuem a sua atividade de proteção e arejamento dos ovos. Isto é o que pensamos, pois a monitorização direta, através de câmaras, é impossível nas águas turvas do Tejo”, conclui Clara Amorim.
Estes resultados apontam para a necessidade de monitorização e gestão deste tipo de poluição em meio aquático. Tal como já se faz em alguns casos, com cetáceos, seria conveniente alargar certas modificações de rota tendo em conta as épocas de reprodução de algumas espécies.