A nossa felicidade depende muito da forma como nos relacionamos, de como somos capazes de amar e de receber o afeto dos outros. Perceber como podemos encontrar as pessoas certas e saber lidar com as tóxicas pode ser complexo e por isso, no livro “Encontre a sua pessoa vitamina”, a psiquiatra Marian Rojas Estapé analisa o amor, a infância e os afetos do ponto de vista científico, psicológico e humano.
A autora promete oferecer “ferramentas simples e eficazes para afastar pessoas tóxicas, que nos fazem sentir mal, nos magoam e causam sofrimento”.
Saber gerir as pessoas tóxicas

Não é uma questão simples. O convívio frequente com uma pessoa nociva gera muito desgaste e pode ser a causa de doenças físicas e/ou psicológicas, se não se fizer uma boa gestão. Não existe uma solução única e, portanto, em cada caso concreto, atendendo às circunstâncias e ao tipo de relação existente, devem‑se priorizar ou reforçar umas ou outras das soluções que proponho.
Ferramentas úteis
1. O valor da discrição
Algumas destas pessoas, devido às suas características e personalidade, podem usar o que sabem sobre si para o prejudicar, de uma forma ou de outra e a qualquer momento.
Cuidado com o que diz e com o que publica nas redes sociais, pois há quem observe tudo atentamente para recolher informações sobre a sua vida.
2. Evitar o contacto
Afaste‑se de pessoas que o incomodam. Mantenha a distância e faça um trabalho interior para se fortalecer e assim conseguir gerir a situação da melhor forma possível.
No caso de ter de lidar com elas, por serem do seu círculo próximo – familiar ou profissional –, tente mentalizar‑se antecipadamente, para sofrer menos. Se tiver feito esse trabalho prévio, a interação com
elas será menos prejudicial. Não se trata de uma reação egoísta, nem de um sinal de fraqueza ou de cobardia. Não é, sequer, uma questão de se proteger. Estes casos requerem distância.
3. Ignorar as opiniões
Já dissemos que grande parte desse efeito tóxico assenta nas opiniões constantes ou malévolas que essas pessoas emitem em relação à nossa vida, deixando‑nos desgastados. Se as conseguir ignorar, sentir‑se‑á
mais livre face às suas palavras e comportamentos.
Relativize o que lhe dizem e a forma como o dizem. Aprenda a usar o «impermeável psicológico» 1 , sobre o qual os comentários e olhares acabarão por resvalar. Recorde a si mesmo de quem vêm esses comentários que magoam, e que já sabe que precisa de tomar precauções em relação a essa pessoa.
4. Não dar aos outros tanto poder sobre a minha saúde
Já conhece os efeitos que estas pessoas produzem na sua mente e corpo. Quer que essa pessoa a perturbe? Tem consciência de que, se o permitir, haverá uma série de consequências fisiológicas muito negativas no seu corpo, tal como uma intoxicação de cortisol ou uma inflamação?
Se conhecer o potencial impacto, terá uma maior consciência das consequências e conseguirá enfrentar melhor a situação, munindo‑se de uma força interior para o conseguir.
5. Aprenda a adaptar-se
Há pessoas que, por motivos que nos escapam, acabam por estar no nosso caminho. Não é possível evitá‑las sempre. Se é esse o caso e não pode afastar‑se, faça um exercício de adaptação, começando por analisar se o indivíduo é um «tóxico universal» ou «individual».
Investigue as raízes dos problemas que essa pessoa lhe cria. Tente compreender por que razão o perturba dessa forma. O que lhe acontece quando a vê? Sente‑se inseguro? Nota que ela o julga? Há sentimentos de raiva, temor ou fúria? Procure ser o seu próprio terapeuta e vá avançando no diagnóstico.
6. Compreender o comportamento
Mais uma vez, compreender proporciona um certo alívio. Se tentar perceber o que há por detrás do comportamento dessa pessoa, os seus problemas e dificuldades, perceberá melhor a forma de ela agir consigo e o seu cortisol aumentará menos. O que se passa com a pessoa que tem de enfrentar? Qual é a sua história? É tímida ou insegura? Tem problemas de autoestima? Ninguém a ensinou a amar? É agressiva? O leitor acaba por ser a sua forma de escape? Tem inveja de si? Só reage dessa forma consigo? De facto, quando compreendemos uma pessoa tóxica sentimos alívio e, portanto, há que parar para a analisar, seja a sua mãe, o seu chefe, o ex‑cônjuge ou o seu filho. Que fase da vida está a atravessar?
Para se sentir bem, é preciso que conheça a história dela e isso, por vezes, implica ouvir, entender, aprofundar, perguntar… o que é precisamente o que não temos vontade de fazer com esse tipo de pessoas.
7. Usar o coração
Como é difícil usar o coração com a pessoa que nos magoa! Não digo que a deixe perturbá‑lo ou que se aproveite de si. Refiro‑me a que não a julgue com tanta dureza. A frieza e a raiva são como um veneno que
se apodera de nós.
Se vê que isso o alivia, tente entender. Isso representa um grande crescimento pessoal da sua parte. Se, por outro lado, percebe que a pessoa abusa, recorrendo ao seu coração, afaste‑se e proteja‑se. Não lhe convém estar perto de uma pessoa assim.
8. Perdoar
O perdão é um ato de amor. É ir ao passado e voltar são e salvo. Tão difícil, mas, ao mesmo tempo, tão importante! Não é uma tarefa simples e requer maturidade, tempo e humildade. É um caminho de purificação e libertação interior, lento e progressivo. Se uma pessoa não é capaz de perdoar, fica presa no passado e torna‑se ressentida e sem capacidade de amar.
Não conheço ninguém que seja feliz tendo alimentado um sentimento de ódio contra outra pessoa que lhe é relativamente próxima, pois o ódio é um veneno que intoxica o organismo. Por vezes, perdoar significa passar por uma fase de distanciamento em relação à pessoa que nos está a fazer mal. Não se trata de dizer «Vejo‑te e não sinto nada», isso é quase impossível, é utópico. Significa dizer algo como «Sei que tenho de me distanciar para colocar as coisas em perspetiva, para que quando vir ou pensar nessa pessoa não fique tão profundamente afetado».
O caso do Nicolás e da Sole
Sole separou-se há dois anos e tem dois filhos, de cinco e três anos. Nicolás, o ex-marido, maltratou-a psicologicamente durante muito tempo. Custou-lhe tomar a decisão, mas finalmente, com a ajuda dos seus pais e amigos, conseguiu separar-se. Desde então, a sua vida converteu-se num calvário. Sole depende financeiramente de Nicolás, que todos os meses lhe transfere o dinheiro numa data diferente. É controlador em relação aos filhos e julga e critica impiedosamente tudo o que Sole faz enquanto mãe.
— Sabia que separar-me iria ser traumático — confessa-me —, mas nunca pensei que sofreria desta maneira. Quando vejo que chegou uma mensagem dele fico logo com taquicardia. Há meses que ando a sofrer do estômago, tenho refluxo, diarreias constantes e um nó na garganta.
Após solicitar os exames necessários e de a encaminhar para um médico especialista de gastrenterologia de confiança, para confirmar que não era nada de grave, começámos a terapia psicológica. Nicolás é a sua pessoa tóxica. Fazemos o seu esquema de personalidade e observamos que tudo o que está relacionado com ele lhe provoca um enorme estado de tensão.
Sole reconhece que os seus pensamentos negativos têm vindo a ganhar a batalha.
— Quando estou a decidir alguma coisa, penso em como me criticará, se fizer isto ou aquilo com as crianças. Sinto-me constantemente julgada. Vivo a antecipar as suas críticas e comentários.
Neste caso, aprimeira coisa a fazer é detetar o problema. Entender o cortisol, osistema de alerta e a sua intensa somatização. Nicolás intoxica Sole, apesar da separação. Quais são os momentos de maior vulnerabilidade? Ela reconhece que este quadro se agrava nas noites em que dorme pior, nos meses em que tem menos dinheiro e nos fins de semana em que Nicolás fica com as crianças. Trabalhamos esses momentos de forma precisa, para que quando cheguem o seu efeito não seja tão devastador.
Estas pessoas provocam medo pela forma como julgam e como fazem os outros sentir‑se
Peço muitas vezes aos meus pacientes que escrevam mensagens positivas no seu bloco de notas. Digo a Sole que escreva: «Se estiver forte, tudo o que venha de Nicolás me afetará menos. Pelo contrário, se estiver fraca – quer porque me encontro numa situação mais desconfortável economicamente, porque a minha saúde está debilitada, porque os meus filhos têm sido desobedientes e rebeldes, ou apenas porque tenho tido mais trabalho do que o habitual –, qualquer ataque da sua parte me afetará a triplicar».
Avançamos para o passo seguinte: por que razão é tão afetada por ele? Porque ele a vê como uma pessoa frágil, ou porque ela adoraria ser mais forte do que ele? Será porque gostaria de não depender dele económica, psicológica e emocionalmente? Será por ele ter a capacidade de fazer com que as suas palavras enfraqueçam a autoestima dela?
Ocasionalmente, está subjacente uma dependência emocional em relação a essa pessoa, não porque a amemos, mas sim porque a nossa estabilidade social, familiar, pessoal, económica… depende de estar‑
mos bem com ela.
Sole vai progredindo aos poucos. Está a aprender a gerir os seus momentos maus de vulnerabilidade e stress. Está a trabalhar na sua assertividade e na sua capacidade de comunicar com o ex‑marido de uma forma firme e sem a sensação de ser enrolada por ele. Uma boa notícia é que a sua melhoria psicológica atenuou o transtorno digestivo.