Na sequência dos problemas de segurança associados, muitas vezes, às aplicações de encontros, o Tinder apostou na integração de uma funcionalidade que permite verificar possíveis antecedentes criminais dos utilizadores com quem é estabelecido contacto. A medida tem em vista precaver os utilizadores da app e reduzir o contacto com indivíduos possivelmente violentos.
A ferramenta de verificação ficou disponível esta semana nos EUA e está integrada no Centro de Segurança da app, acessível a todos os seus utilizadores. O seu desenvolvimento resultou de uma parceria entre a empresa detentora da app, Match Group, e a Garbo, uma organização sem fins lucrativos que permite verificar os antecedentes criminais de indivíduos com mais de 18 anos nos EUA com foco na consciencialização e prevenção da violência com base no género.
A colaboração entre as duas empresas foi anunciada no ano passado na sequência de um investimento do Match Group na Garbo no sentido de promover o desenvolvimento do seu serviço para que mais tarde este pudesse ser integrado no Tinder.
Os utilizadores da app que queiram recorrer à nova funcionalidade serão redirecionados para a plataforma da Garbo onde serão convidados a preencher tanto informações pessoais como alguns detalhes da pessoa que motivou o uso da ferramenta, nomeadamente nome e número de telefone, dois dados geralmente conhecidos mesmo depois de uma interação mais básica na app.
Com as informações fornecidas, o sistema da Garbo faz uma rápida análise a vários registos públicos de prisões, condenações e localização de criminosos sexuais nos diferentes estados dos EUA, onde tais informações estejam acessíveis. A plataforma apresenta, depois, os vários resultados que excluem certos crimes não violentos, como posse de droga ou multas de trânsito, e indicando ainda a confiança que tem nos resultados apresentados: baixa, média ou alta. Quanto mais informações forem dadas sobre o indivíduo alvo da pesquisa, mais exatos serão os resultados finais.
O Tinder anunciou que inicialmente irá oferecer duas utilizações grátis da ferramenta de verificação, sendo que, a partir daí, recorrer à nova funcionalidade da app irá implicar um pagamento de cerca de 2 euros e 30 por pesquisa mais uma taxa de processamento, que pessoas que não utilizem o Tinder também poderão pagar. A Garbo oferece ainda uma opção de pagar mais para doar pesquisas gratuitas a pessoas que não possam efetuar a compra.
Porquê esta nova ferramenta?
A Garbo cuja missão é a de “prevenir proativamente os danos da era digital por meio da tecnologia, ferramentas e educação”, de acordo com o seu próprio site, foi criada por Kathryn Kosmides, uma sobrevivente da violência de género.
O principal objetivo de Kosmids, assim como do grupo de quis incluir os serviços da sua plataforma na app, era o de diminuir os riscos de segurança associados aos namoros online. De facto, o Match Group, também dono de outras plataformas como a OkCupid e Hinge, já tem um histórico de problemas de segurança associados às suas apps.
Em 2019, uma investigação levada a cabo pela ProPublica revelou um conjunto vasto de falhas, nomeadamente no que toca a reprimir criminosos sexuais, nos seus serviços de namoro online, como é o Tinder. Os dados apresentados revelavam que várias mulheres que já haviam relatado terem sido vítimas de violação ou assédio sexual neste tipo de apps, raramente receberam resposta aos seus apelos.
Muitas das vítimas viram os culpados reaparecerem noutras apps semelhantes anos ou, às vezes, até meses mais tarde. Segundo um relatório desenvolvido pela Agência Nacional de Crime do Reino Unido, citado na própria investigação, os abusos que decorrem do uso deste tipo de sistemas foram aumentando no curso de cinco anos. Os números indicavam uma subida de 33 para 184 casos reportados, não havendo garantias de que, contando com casos não reportados, o número não será maior.
Depois de fazer uma análise a cerca de 150 casos de assédio sexual que decorreram do uso de apps de namoro online, a ProPublica concluiu que a maioria dos acusados pelas vítimas não estavam registados no sistema judicial como criminosos sexuais no momento em que foi cometido o crime, acrescentando que mesmo recorrendo a verificações de antecedentes criminais, as vítimas provavelmente não teriam sido capazes de encontrar indicadores de violência que pudessem ter prevenido o sucedido.
Garbo, uma ferramenta perfeita?
Uma das principais questões levantadas sobre o funcionamento da plataforma Garbo surgiu, exatamente, neste sentido. Em declarações à CNN Business a socióloga Nicole Bedera, cujo trabalho foca a violência sexual, confirmou que este tipo de violência é “raramente denunciada” e as condenações “incrivelmente raras, mesmo quando denunciadas”. “Perdes muitas pessoas realmente perigosas ao recorrer a registros criminais e verificações de antecedentes (criminais) como um proxy (aplicativo de servidor que atua como intermediário entre o cliente que solicita um recurso e o servidor que o fornece) de segurança. Isso pode criar uma falsa sensação de segurança quando ela não deveria estar lá”, explica a socióloga.
Em acréscimo a esta problemática, e segundo a professora associada de criminologia, direito e sociedade da Universidade da Califórnia, Naomi F. Sugie que responde ao The Wall Street Journal, é também importante ter em conta que a definição de certos crimes, incluindo os sexuais, variam, muitas vezes de estado para estado, o que acaba por colocar sobre o utilizador a responsabilidade de perceber exatamente ao que se refere cada acusação.
Além das muitas nuances do sistema judicial nos EUA, e segundo um estudo de 2005 apresentado por Rhonda Taylor, CEO da Intellisense Corp., uma firma de verificação de antecedentes com sede em Bothell, Washington, à NBC News, “os bancos de dados nacionais têm uma taxa de erro de 41%” e existe a probabilidade de os resultados incluírem os conhecidos como “falsos positivos”.
Sarah Lageson, professora associada na Rutgers School of Criminal Justice no campus de Newark da Rutgers University, acrescentou, em resposta ao The Wall Street Journal, uma outra preocupação associada ao novo sistema adotado pela Tinder: “A questão mais ampla é quão prejudicial é o sistema (de aplicação da lei e judicial) para certas comunidades e com que frequência vemos muito policiamento e cobrança excessiva, e se é um marcador preciso de se as pessoas estão seguras ou não”, disse Sarah Lageson, professora associada. na Rutgers Schoo
Wanda Bertram, porta-voz da Prison Policy Initiative, uma organização de pesquisa, frisou também, em resposta ao The Guardian, a problemática de um sistema possivelmente racista. Segundo Bertram, e porque nos EUA as leis não são aplicadas igualmente, as verificações de antecedentes criminais poderiam afetar grupos de pessoas já marginalizados que se vêm marcados por um rótulo legal que, muitas vezes, não explica o que terá de facto acontecido.
A verificação de antecedentes criminais procura ser uma segurança numa realidade que muitas vezes é motivo de insegurança, mas é difícil agradar a gregos e a troianos. Um sistema que é criado para proteger pode acabar por ser também um obstáculo à reintegração de ex-presidiários na sociedade tendo sido, inclusive, criticado por ter o potencial de ser uma forma de castigo para quem tem histórico criminal.
A resposta
Muitas das acusações são reconhecias pela plataforma. No seu site, a Garbo reforça que “a maioria dos indivíduos violentos nunca interage com o sistema de justiça criminal”. Kosmides reconheceu que o seu sistema de verificação, que conta com mais de mil milhões de registos de comportamento violento e prejudicial, “não é perfeito e não é um balcão único para a segurança”.
Numa tentativa de reduzir os obstáculos que a sua plataforma pode gerar para ex-presidiários, qualquer tipo de pena prisional ou condenação por crimes financeiros ocorrida há mais de sete anos ou homicídio e roubo ocorridos há mais de 14 não são incluídos nos resultados finais da pesquisa. Esses limites de tempo foram desenvolvidos por defensores da reforma da justiça criminal exatamente para que a reintrodução de pessoas com histórico de penas prisionais na sociedade não fosse impossibilitada.
Informações mais detalhadas como moradas também não irão surgir nos resultados, de modo a evitar possíveis perseguições ou outras formas de assédio.
No Tinder, o utilizador é redirecionado para o site da Garbo, de modo que a app não faz automaticamente a pesquisa por antecedentes criminais, dá antes a opção ao utilizador de o fazer através de uma ligação direta da app à plataforma de verificação. Questionada pela CNN Business do porquê de estes dados não serem fornecidos automaticamente pelo Tinder, Tracey Breeden, chefe de segurança e defesa social do Match Group disse que a empresa pode não ter as informações necessárias sobre os utilizadores para realizar as pesquisas.
Mas fará sentido transformar a procura por um parceiro numa pesquisa criminal? Lageson acha que não. “Acho que passar este peso para pessoas que estão só em busca de um futuro parceiro é demasiado. E vai só acabar por reforçar estereótipos e discriminações raciais e fazer com que as pessoas fiquem muito assutadas quando não precisam de estar”, explica.
Nesse sentido, a plataforma tem também procurado investir numa vertente mais educativa, incluindo na sua plataforma podcasts e quizzes que chamam a atenção para o tópico da violência no namoro, procurando ajudar a consciencializar o público para estas problemáticas.
Juntamente com a sua colaboração com o Tinder, a Garbo também quer remover a sua lista de espera, permitindo que qualquer pessoa, quer seja utilizadora do Tinder ou não, possa fazer pesquisas no seu site.
A colaboração surge numa altura em que a discussão dos problemas de segurança nas apps de namoro está especialmente em alta na sequência de um documentário lançado na Netflix este ano sobre um utilizador que enganava mulheres que conhecia no Tinder.
E Portugal?
Ainda não são conhecidas intenções de expandir esta funcionalidade a outros países, nomeadamente Portugal.
Segundo um estudo desenvolvido pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e publicado em 2020, em Portugal “58% dos jovens que namoram ou já namoraram reportam já ter sofrido pelo menos uma forma de violência por parte de atual ou ex-companheiro/a”.
Outros dados partilhados também em 2020 pelo Observatório da Violência no Namoro, mostra que, de 284 denúncias registadas ao longo de três anos, 27.5% das vezes a violência foi praticada online, embora não existam dados concretos que mostrem exatamente quais os níveis de violência sexual que ocorrem em consequência das interações em apps de namoro.
Permanece a questão: Estará esta ferramenta no futuro do Tinder português? Mas, acima de tudo, deverá estar?