O sexo continua a ser um dos grandes tabus. E quando se fala da sexualidade dos mais jovens, o tema aquece ainda mais. Muitas vezes, os pais não sabem como “pegar” no assunto, até onde devem ir na informação que disponibilizam, nos limites da intimidade de uns e outros que convém não ultrapassar.
Consciente de que nem sempre é fácil para os pais navegar por águas tão agitadas, Mário Cordeiro escreveu Venha Conhecer o Lobo Mau (D. Quixote), um livro que convida o leitor a fazer duas viagens. A primeira, que nos leva para o campo “dos afetos, do amor, das paixões e transformações do corpo, da vivência de momentos únicos e exaltantes”, como o próprio refere.
A segunda viagem leva o leitor para “panoramas mais ameaçadores mas infelizmente não menos verdadeiros. Abusos, assédios, agressões, exploração dos e das jovens2. Momentos para os quais devemos estar todos igualmente atentos, situações que os pais podem debater com os filhos, com um adequado grau de informação e uma linguagem apropriada à maturidade ou idade da criança ou jovem.
Talvez se surpreenda com alguns dados apresentados no livro, como um estudo realizado em França há dois anos que mostrava que 80% dos jovens (entre os 14 e os 15 anos) afirmava que estava ou já tinha estado apaixonado, e que no que toca a «experiências sexuais», estas eram referidas por 23% dos rapazes e 13,5% das raparigas. «Uma das conclusões que os autores extraíram é que, ao contrário do que muita gente pensa, os adolescentes continuam a querer descobrir o amor antes do sexo», escreve Mário Cordeiro.
Neste livro, para além de linhas-guias para pais, Mário Cordeiro responde a perguntas concretas feitas por adolescentes. O que posso considerar um afrodisíaco? Andar de bicicleta pode provocar infertilidade? O que posso fazer para disfarçar um chupão no pescoço? Devo ser circuncisado? O que é a menarca? A partir de que idade podemos usar tampões? O que é o ponto G? É verdade que o tamanho do pénis está relacionado com o tamanho do nariz?
À VISÃO Júnior, o médico respondeu a 6 questões que ouvimos frequentemente a pais de adolescentes e crianças. Todos estes temas são tratados no livro.
O que fazer ou dizer a um/a filho/a adolescente que nos anuncia que é homossexual?
Dar-lhe todo o apoio, porque é tão normal ser-se homossexual ou bissexual, como heterossexual. Atenção, não confundamos “normal” com “comum”, porque, obviamente, a heterossexualidade é largamente dominante. Isto, todavia, não exclui que outras formas de orientação sexual ou identidade sexual sejam “anormais”. Isto deve ficar bem claro na mente dos pais, uma vez chegado o momento que descreve.
Depois, dizer que terá todo o apoio dos pais, dado que poderão surgir situações em que o ou a jovem poderá ser vítima de escárnio, gozo, desprezo e até bullying, e que eles, pais, estarão sempre a seu lado e que não o ou a deixarão sofrer. Finalmente, para lá de expressarem que querem conhecer, se já for o caso, o namorado ou namorada, quando o ou a jovem quiser e não por imposição, numa conversa mais tarde vincar bem, quando surgir o tema, que o desejo de parentalidade nada tem a ver com a orientação sexual nem com o género. Um homem homossexual não passa a ser uma mulher, nem deixa de ter menos vontade de ter filhos do que um heterossexual.
Creio que se estas linhas gerais passarem, já será muito bom, para lá de uma expressão de amor intensa, porque os filhos podem pensar que desiludiram os pais (a sociedade só agora se começa a desprender dos tiques homofóbicos, e mesmo assim…) ou, como muitos pais ainda verbalizam “não lhe vai poder dar netinhos”. Não se dão netinhos ou irmãos. Têm-se filhos, resultado de uma decisão íntima conjugal e não de um “referendo à opinião pública”!
Os meus filhos têm telemóvel (e internet!) e eu sei que não vou conseguir impedi-los de ver pornografia, caso tenham essa curiosidade. Não sei o que fazer.
É uma situação complicada. Os pais não podem andar a espiolhar o que os filhos veem, mas, por outro lado, têm a responsabilidade de os orientar minimamente, sobretudo, em assuntos e temas em que eles, sendo jovens, podem não perceber todo o alcance.
Mais do que dizer «tu andaste a ver isto ou aquilo, que eu sei», é ter uma conversa geral, a propósito de uma notícia, de uma série, de um filme ou livro, sobre o que é a pornografia, o consentimento informado e, sobretudo, do que está por detrás da indústria pornográfica: a objetificação da mulher, o domínio de uns sobre os outros e, principalmente, que relações sexuais é uma coisa, mas não é sinónimo de relações completas, porque falta ali o essencial: afeto e amor. Creio que a conversa deverá ser à roda disto, mais do que de casos específicos.
O/a meu/minha filho/a começou a namorar. Devo ter uma conversa com ele/a sobre sexo e contraceção ou passo-lhe um livro sobre o tema para a mão?
É natural que os filhos que começam a namorar já tenham algumas noções de contraceção, até porque já consta de alguns curricula das escolas. A questão é pensar que, no auge da adolescência e nos píncaros da paixão, estas coisas só acontecem aos outros. Convém relembrar que, como diz o ditado, “quem anda à chuva, molha-se” (sobretudo sem guarda-chuva!) e debater com os jovens o que um bebé “extemporâneo” provocaria no percurso de vida que eles próprios delinearam.
Será mais por aí do que por grandes sermões teóricos. Colocar um livro “à disposição” (daí ter escrito o Lobo Mau), não é mal pensado, mas sem se ser impositivo. Mais uma vez, os exemplos do quotidiano, das notícias ou das séries televisivas e filmes, podem ajudar a espoletar o debate.
Se o/a meu/minha filho/a me pedir para o/a namorado/a vir cá dormir a casa, o que lhe digo? A partir de que idade isso é “aceitável”?
Dependerá de cada família, mas pessoalmente acho que não deve ser uma banalidade, e não na adolescência. Primeiro, há que manter uma barreira natural e saudável entre pais e filhos, e a intimidade sexual é um campo onde isso tem de ser muito exercitado.
Depois, porque qualquer situação que provoque mal-estar ou voyeurismo é má. Finalmente, porque um pouco de transgressão, de “aproveitar as minioportunidades”, como antigamente “o banco de trás do carro” ou outra coisa qualquer dão algum sal e prazer às relações, dão mais vertigem, o que é essencial, e conferem o grau de intimidade e cumplicidade a dois que são necessárias a um bom relacionamento sexual e afetivo, de tipo conjugal.
Sei que muitos jovens partilham fotos íntimas com os/as namorados/as e até amigos/as. Isso preocupa-me, pois receio o ciberbullying.
Sim. Como tudo na internet, o que lá se coloca fica para sempre. Não é propriamente o caso de “what happens in Vegas, stays in Vegas!” Aqui fica para todos, é partilhado, e tantas vezes, quando termina a relação, há atos vingativos com consequências trágicas.
Não se devem colocar fotografias ou vídeos desses na internet ou enviar por Whatsapp ou o que seja. Aliás, há que inverter esta ideia de que as coisas e os momentos têm de ser sufragados por likes. Não. Os momentos são para serem vividos por si próprios, e o que é bom é o que fica na memória, com um grau elevado de cumplicidade entre duas pessoas. Os “segredos” a dois são fundamentais, e não esta partilha para sete mil milhões de almas.
Devo falar aos meus filhos sobre abuso sexual? Gostava que estivesse de sobreaviso, mas não sei como abordar o assunto nem a partir de que idade esta conversa fará sentido.
Este tipo de temas, sensíveis e por vezes difíceis, devem ser abordados desde sempre, sem mais informação do que a necessária, com uma linguagem e conceitos compreensíveis pela criança/adolescente e, sobretudo, a propósito de situações do quotidiano, da literatura, dos filmes e séries, etc. Se se fala nos noticiários da TV sobre o Papa a pedir desculpa pela vergonha dos abusos sexuais, há que explicar à criança que está a assistir o que aquilo significa, mas sem pormenores mórbidos ou incompreensíveis.
Existindo abusos, violações, assédio e tanta coisa mais, há que manter sempre a esperança de relações afetuosas, amorosas, quase puras, e plenas de paixão. Se separarmos o conceito de felicidade relacional dos casos pontuais (mas gravíssimos) de abusos, creio que a s crianças entenderão que não estão destinadas obrigatoriamente a serem abusadas, e que, pelo contrário, se terão de defender para alcançarem relações de plenitude, de amor e de respeito. Respeito é uma palavra que deves ser usada aqui e em todas as situações relacionais.