Por estes dias, Andreas Noe está a descansar do segundo périplo pela costa portuguesa. Ainda que este ano não a tenha percorrido a pé, passou um mês e meio on the road, a apanhar beatas todos os dias, em 38 paragens, de norte a sul do País. Resultado: 420 mil restos de cigarro acumulados em bidons transparentes e transportados nas traseiras da sua inseparável van azul, de 1982. No resto do território, mais para o interior aonde Andreas não conseguiu chegar, houve diversas associações a recolherem beatas, num total nacional de 1,1 milhões de unidades.
No mundo virtual, Andreas é o The Trash Traveler, com quase 23 mil seguidores no Instagram, a sua rede de eleição. E é conhecido pelo alemão que não gosta de lixo, muito menos quando este é espalhado nas praias nacionais de que tanto gosta – vive cá desde 2018. Contra esse atentado ambiental, faz música, toca-as num velho ukulele, grava vídeos que sensibilizam para a causa e desloca-se a escolas, perorando de forma entusiástica sobre o assunto.
No verão passado, percorreu a costa de lés a lés, chamando a atenção para o plástico e a dificuldade que é desfazermo-nos dele. Daí resultou um documentário que tem sido projetado em todos os locais por onde pasEm 2021, preferiu ir até às cidades principais para que se tome consciência de que o lixo que acaba no mar e nas praias muitas vezes vem do que deitamos para o chão em zonas urbanas. “Irei estar nas terras perto da costa, para refletir sobre os nossos hábitos e a forma como eles têm impacto, mesmo que não vejamos isso a acontecer”, contou-nos, a poucos dias de se meter à estrada, com ponto de partida marcado para Viana do Castelo.
Pelo caminho, contou com a ajuda de 70 organizações e cruzou-se com mais de 600 pessoas que quiseram colaborar. Acabou dia 28 de setembro, em Tavira. Um mês depois, mostrou o impressionante resultado da recolha nos jardins de Belém, em Lisboa.
O caso das beatas é paradigmático – poucos saberão que contêm plástico na sua composição, não se desfazem facilmente e apresentam 700 toxinas. Quando alguém acaba um cigarro e o atira para o chão começa uma viagem, através de linhas de água, que termina invariavelmente no mar.
As organizações e afins que lhe aparecem no caminho, já as conhece. Aliás, Andreas contará com elas para o ano, outra vez, quando o novo projeto que já começou a ganhar forma na sua imaginação ambientalista se tornar real.
Por estes dias, repita-se, Andreas está a descansar o físico, mas a cabeça continua num turbilhão para descobrir o que fazer a tanta beata recolhida. Por isso, pediu ajuda ao parceiro David Figueira, da Biataki, para encontrarem juntos a forma ideal de dar uma nova vida a estes resíduos – a reciclagem de beatas não é muito eficiente.
Além do milhão recolhido nesta The Butt Hike [a caminhada das beatas], David tem a mesma quantidade acondicionada nas suas instalações. Daí que já pesquisara bastante acerca do que fazer com elas e a ideia de usar cogumelos nesse processo tornara-se consistente, especialmente depois de esbarrar numa sólida investigação belga sobre o tema.
Agora, a Biataki e o The Trash Traveler uniram-se à Nãm para uma experiência piloto de upcycling, com 100 mil beatas, que começará muito em breve, a que chamaram Beata Circular. Elas serão descontaminadas com recurso a técnicas de cultivo de cogumelos, com o propósito de produzir tijolos de micélio solidificado para construir uma tiny house, uma pequena casa baseada na bio-construção. Este programa, que será um “proof of concept”, como explica David Figueira, irá contar, num futuro, com mais convidados para unir vários projetos que atualmente desenvolvem um trabalho na área de sensibilização ambiental e economia circular.
“Vamos juntar as pontas de cigarro, sem as lavar, com palha e borra de café e cultivar os cogumelos nesta mistura – a ideia é que os fungos façam a decomposição da maioria das toxinas encontradas. Na fase final deste processo haverá uma solidificação da mistura, criando um tijolo”, resume David Figueira.
Com os resíduos que lhe resta – e ainda é uma imensidão – Andreas andará pelas escolas e universidades com uma pirâmide de bidons às costas, para que a realidade seja visível ao olho humano. Ao impacto visual imediato, será acrescentado todo o tipo de informação sobre o problema das beatas, para que os mais novos tomem finalmente consciência do que se passa assim que as pontas de cigarro caem no chão.