Um pôr do sol único. O acesso direto a uma praia de sonho. O melhor parque de campismo de Portugal. Os utilizadores da Galé, em Melides, não poupam em superlativos para caracterizar aquele que consideram ser o seu local de veraneio favorito. E ainda mais agora, que ele está em risco de desaparecer – o assunto toca-lhes diretamente no coração.
Toca-lhes tão diretamente que Tiago Silva, um dos muitos que mantém uma relação emocional com o Parque de Campismo da Galé, redigiu uma das petições que circulam por aí desde há uma semana e que já ultrapassou as oito mil assinaturas – número mágico para poder subir à discussão parlamentar.
O texto da petição é curto e grosso e dirige-se à Câmara Municipal de Grândola, ao Partido Comunista Português, à Junta de Freguesia de Melides, ao Ministro do Ambiente, ao Turismo de Portugal e à Assembleia da República. E o que se pede, muito sucintamente, é que “mantenham o parque em funcionamento nos termos e condições que conhecemos”.
“A petição serve apenas para que não seja atribuída à nova gerência uma licença que não seja para manter, preservar e dar continuidade ao bom funcionamento e serviço que este parque tem dado ao povo português”, esclarece-se no final do texto.
Uma residente com quem a VISÃO contactou, mas que preferiu manter-se no anonimato, conta que já foi dirigida uma carta à atual direção do parque para saber quais as suas intenções. “Tudo o que sabemos até agora é o que saiu na comunicação social, que o parque vai ser desmantelado. Mas como, quando e em que moldes, ainda ninguém nos respondeu”, conta. De uma forma lacónica, a direção deixou passar a ideia de que o parque é para manter.
Para já, todos os utilizadores eventuais estão impedidos de lá ir, com a justificação de que há obras de manutenção a decorrer. Os residentes, aqueles que têm equipamento montado o ano inteiro, são 1500, muitos deles reformados que escolheram este poiso para gozar o merecido período de descanso e, por enquanto, podem lá entrar.
Lotes por 3,5 milhões
A história da apropriação da zona de Melides pela americana Discovery Land Company já vem de longe, O projeto em causa, o Costa Terra, tinha sido adquirido por Pedro Queiroz Pereira ao investidor suíço Andreas Reinhart, em outubro de 2008, mas acabou por nunca sair do papel.
Quando o consórcio americano, especialista em resorts de luxo nos EUA, México, República Dominicana e Bahamas, entrou em campo, em 2019, depois de ter comprado os terrenos à família Queiroz Pereira, redesenhou a conceção da Costa Terra, um empreendimento que ocupa uma área de 200 hectares.
Na sua versão inicial, contemplava a construção de três hotéis, quatro aldeamentos turísticos, 204 moradias e um campo de golfe, num investimento de 510 milhões de euros. Ao que tudo indica, o projeto atual terá menos moradias e os lotes serão maiores – já estão a ser vendidos por 3,5 milhões de euros. O espaço aonde se situa o parque, com 32 hectares, foi comprada à Imobiliária das Ilhas Atlânticas por 25 milhões de euros.
Os valores de que se fala por aquelas bandas serão acessíveis a bolsas como as de Madonna, Rania da Jordânia, Nicolás Sarkozy, Carla Bruni, Carolina de Mónaco, Kristin Scott-Thomas e George Clooney (com interesses neste empreendimento), nomes que já se mostraram encantados com este pedaço de paraíso a cerca de hora e meia de Lisboa.
O medo está instalado
A petição de Tiago Silva foi uma das que Sofia Martins assinou. Este parque é o seu eleito para estacionar a autocaravana com que vai das Caldas da Rainha até ao areal que a encanta. “Aquela costa ainda não tem impacto visual nas suas arribas, mas temo que isso vá acabar em breve com este empreendimento de que se fala”, lamenta. Quando entra no parque, como na última semana de agosto, sente-se imediatamente em contacto com a natureza e o descanso advém daí, de ainda verificar que a região se mantém selvagem. “Espero que se crie um movimento muito forte para apelar à preservação. Estes ataques permanentes à nossa costa vão ter impacto nas nossas vidas”, avisa.
Não consta que Sofia Martins e Tiago Silva se conheçam, mas coincidiram no parque na última semana de agosto. Aliás, é para lá que o surfista vai todos os verões, há 20 anos, com um grupo de amigos que pode chegar às 70 pessoas. E nem quer imaginar que em 2022 não terá esse refúgio, pois os valores de que se fala não são para portugueses, mas para atrair turistas internacionais bastante endinheirados.
“Estão a roubar-nos algo que é nosso, feito à dimensão dos portugueses, pois o campismo tem todas as modalidades possíveis, desde tendas a abrigos ou a bungalows”, explica Tiago, indignado com a possibilidade de tudo isto ir à vida. Lá dentro também há o glamping Dream Sea, mais virado para amantes de surf.
Na carta que enviou ao presidente da câmara de Grândola, Tiago escreveu que “todo o processo de venda do parque de campismo da Galé tem gerado alguma tristeza e indignação pela forma como foi conduzido pela câmara municipal, esta gerida pelo único partido em Portugal, que em seu mais profundo ideal, combate veemente e milita contra a soberba do poder capital, que neste caso se aplica visto que todo o negócio é do interesse de um consórcio americano onde o capital impera e que têm em seu plano desmaterializar o parque de campismo para construção de um resort e campos de golfe”.
À Rádio M24, o presidente da Câmara, António Figueira Mendes, disse ter informações de que o consórcio americano vai manter a infraestrutura e promover aumentos salariais dos trabalhadores.
Tiago Silva faz parte de um grupo de trabalho criado recentemente para não deixar que o parque desapareça e com eles todas as histórias lá vividas ao longo de várias gerações. Mas o medo está instalado, até porque já se veem os pilares do Costa Terra nas imediações e os pinheiros começaram a ser cortados para dar lugar ao tal campo de golfe. Será demasiado tarde para arrepiar caminho?