Depois de uma escavação feita em Qiaotou, no sul da China, num monte de topo plano, um grupo de arqueólogos descobriu dezenas de recipientes de cerâmica de tamanhos e formas variáveis, alguns dos quais tinham sido pintados e decorados, juntamente com dois esqueletos humanos.
Suspeitando que os recipientes pudessem ter sido utilizados para beber álcool, a equipa selecionou 20 destes vasos e analisou os resíduos deixados no seu interior, de forma a perceber se continham microfósseis de amido, fungos ou uma matéria vegetal chamada phytoliths – componentes utilizados em bebidas fermentadas. Além disso, para terem a certeza de que tudo o que encontraram não era apenas contaminação de milénios de sujidade, compararam-nos também com amostras de solo colhidas à volta do local.
Após a análise, além de não terem sido encontrados componentes do solo, concluiu-se que estes recipientes já tinham contido uma bebida fermentada idêntica à cerveja no seu interior, uma vez que foram encontrados resíduos microbotânicos como fitólitos e grãos de amido, e resíduos microbianos como bolor e levedura.
“Através de uma análise de resíduos de vasos de Qiaotou, os nossos resultados revelaram que os recipientes de cerâmica foram utilizados para conter uma espécie de cerveja – uma bebida fermentada feita de arroz asiático (Oryza sp.), a partir do grão da planta tropical chamada “lágrimas de Job” (Coix lacryma-jobi), e tubérculos não identificados”, explica Jiajing Wang, autor principal do estudo publicado na revista online científica PLOS ONE,
No entanto, “esta cerveja não era como a que temos hoje [porque era] ligeiramente fermentada e doce, e apresentava uma cor mais turva”, salienta Wang.
Esta descoberta de há 9 mil anos, que é a prova mais antiga da utilização de bolor como agente de fermentação, é o segundo exemplo conhecido de fabrico de cerveja alguma vez encontrado. O primeiro foi em 2018, quando um grupo de arqueólogos também descobriu um líquido fermentado, idêntico ao da cerveja, em Israel, numa sepultura com 13 mil anos anos, pertencente a um grupo designado Natufian.
“Não sabemos como as pessoas fizeram o bolor há 9 mil anos, uma vez que a fermentação pode acontecer naturalmente”, refere Wang, acrescentando que “se as pessoas tiverem restos de arroz e grãos estragados e já com bolor, podem notar que os grãos se tornam mais doces e alcoólicos com o tempo.”. Na sua perspetiva, “embora as pessoas possam não ter conhecido a bioquímica associada aos grãos que continham bolor, provavelmente observaram o processo de fermentação e aproveitaram-no através de tentativas”.
Outra das conclusões do estudo é que esta “cerveja”, provavelmente, não terá sido utilizada como uma bebida do dia-a-dia, em contexto de convívio, como nós a bebemos hoje. Tendo em conta que, na altura, a plantação de arroz ainda estava nos seus primórdios, o processo de confeção devia ser complexo e, muito provavelmente, a bebida só seria consumida em ocasiões especiais. Neste caso, os investigadores sugerem que, tendo em conta os indícios recolhidos nos esqueletos, parece ter feito parte de um ritual associado aos mortos.