Cinco meses após uma equipa de cientistas da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter apresentado um relatório, em conjunto com investigadores chineses, que apontava mais para a hipótese de transmissão natural do novo coronavírus, através de um intermediário de outra espécie animal, do que a de uma fuga acidental em laboratório, o processo entrou num impasse e a descoberta da sua verdadeira origem corre o risco de nunca vir a acontecer.
“A janela de oportunidade para levar a cabo a investigação crucial está a fechar-se rapidamente: qualquer atraso vai tornar impossível a realização de alguns estudos biológicos”, alerta a equipa de peritos a quem a OMS confiou essa responsabilidade, num artigo publicado esta quarta-feira, 25, na Nature.
A investigação que deu origem ao polémico relatório decorreu em janeiro passado e, desde então, “o processo parou”, sublinham os cientistas, lembrando que à primeira fase era suposto seguir-se uma segunda, na qual a possibilidade de o vírus ter saído de um laboratório em Wuhan, por exemplo, poderia ser mais explorada. “No nosso relatório, ela é incluída como hipótese para a origem do SARS-CoV-2”, alegam os peritos em sua defesa, depois das críticas que receberam, sobretudo dos Estados Unidos da América, de que não tinham dado o devido valor a essa linha de investigação. “Está explícito no relatório que é uma possibilidade”, insistem no artigo publicado ontem.
De facto, o grupo de especialistas não descartou essa hipótese (embora não tenha encontrado indícios nesse sentido, alega que não era o seu foco na primeira fase de investigação), mas acabou por considerar “mais plausível” o chamado transbordo viral, em que os vírus passam dos animais para os humanos – o mesmo processo por detrás de outros vírus como o Ébola, o da SIDA, o da raiva ou o da peste bubónica. Outras conclusões indicaram que “o mercado de peixe e marisco de Wuhan teve um papel significativo na fase inicial da pandemia” e que “há ligações credíveis ao mercado de animais selvagens que merecem ser mais investigadas”.
Agora, a equipa liderada pelo virologista holandês Marion Koopmans diz que a investigação às origens do vírus da Covid-10 se encontra “numa conjuntura crítica”, até porque alguns exames, como por exemplo aos anticorpos gerados por quem contraiu o vírus antes de dezembro de 2019, vão gerar “retornos cada vez mais diminuídos”. A essa limitação juntam-se outras, como o facto de muitas das quintas fornecedoras de animais selvagens aos mercados terem encerrado e muitos desses animais terem sido abatidos, por causa da pandemia, “tornando qualquer evidência de um transbordo viral cada vez mais difícil de encontrar”.
“Apelamos por isso à comunidade científica e aos líderes políticos para unirem esforços no sentido de acelerar a segunda fase da investigação, enquanto ainda há tempo”, escrevem os peritos da OMS.
Relatório secreto inconclusivo
Logo depois de o relatório da OMS ter sido conhecido, Joe Biden instruiu os serviços secretos norte-americanos de realizarem eles próprios uma investigação à origem da pandemia. As conclusões foram entregues esta terça-feira, 24, ao presidente dos EUA, e não desfazem as dúvidas. Segundo noticia a imprensa, as agências de espionagem não conseguiram provar qualquer das teorias, sendo por isso inconclusivo o trabalho realizado nos últimos três meses. Os detalhes do relatório permanecem confidenciais, mas é possível que nos próximos dias seja divulgada mais alguma informação, adiantou ontem o porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki.