Chamava-se Judith e era a irmã de William Shakespeare. Tal como ele, era audaz, inteligente, curiosa e conformava-se pouco com os limites do pequeno mundo em que nascera. Mas os pais não a mandaram à escola e a menina teve de estudar às escondidas, sempre receosa pelo castigo, no pouco tempo que lhe deixavam as tarefas domésticas nas quais, pelo contrário, se devia mostrar exímia. Mal chegou à puberdade, arranjaram-lhe o noivo que convinha à família, mas, em desespero, Judith fugiu de casa e juntou-se a uma trupe de atores, das muitas que atravessavam então as estradas de Inglaterra, para recreação de nobres e plebeus. Abandonada pelo amante, que a engravidara, suicidou-se e foi sepultada sem sacramentos nem família, à beira de um caminho qualquer. Não chegara a fazer 20 anos.
Chocante? Sim, mesmo que Judith Shakespeare não tenha passado de uma personagem de ficção criada pela escritora inglesa Virginia Woolf com o propósito de, através do choque, alertar a comunidade para os obstáculos colocados à criatividade feminina (no livro de 1929, Um Quarto que seja Seu), a verosimilhança da história faz-nos pensar em quantas, como Judith, deixámos cair pelo caminho. Umas vezes, de forma tão trágica como esta, outras, num apagamento lento, silencioso e igualmente letal. Aconteceu no mundo da literatura, mas também nos das outras artes, nas ciências, na política ou na vida empresarial.