“Devo ser circuncisado?” “O que é a menarca?” “ O que é o ponto G?” Estas e outras perguntas são o prato do dia na cabeça dos adolescentes. Desengane-se quem pensa que “eles encontram tudo na net”, onde esclarecer dúvidas pode ser como encontrar uma agulha num palheiro. Foi a pensar nisso que o reputado pediatra e professor de Pediatria e de Saúde Pública Mário Cordeiro lançou Venha Conhecer o Lobo Mau (Dom Quixote), “um guia para uma sexualidade responsável e gratificante para os mais novos”, mas também dirigido aos pais. Com perguntas feitas por adolescentes, a obra apresenta respostas numa linguagem acessível, com informação factual e científica, sobre as transformações do corpo, a contraceção, a gravidez na adolescência, a violência no namoro, passando pelos afetos, a paixão e a beleza de uma parte tão rica e importante da condição humana.
Como surgiu esta ideia, a de falar de sexualidade aos jovens?
É uma síntese arriscada mas tentei fazer um livro com casos práticos e perguntas de adolescentes, recolhidas em Inglaterra e em Portugal. A ideia é que os pais possam perceber o que os filhos pensam e que estes se reconheçam naquilo que está no livro, pois não são os únicos com essas questões Tive ainda a preocupação de apresentar respostas cientificamente válidas.
Sendo pai de três filhos adolescentes, como tem abordado o tema com eles?
Tem de haver alguma reserva de intimidade entre pais e filhos. Nem tudo deve ser discutido na praça pública ou conversado em casa, porque há coisas que são privadas e não é suposto que os adultos estejam a debitar informação ou, pior, falarem da sua própria experiência. Outra coisa é estarem a ver uma série, um artigo de jornal ou revista e, se vier a propósito, tocar no assunto, seja a pedofilia, gravidez indesejada ou doenças sexualmente transmissíveis.
Há pais que se preocupam excessivamente com esta parte da vida dos filhos?
Outra das metas do livro é apresentar a parte bela da sexualidade. Quando um adolescente começa a despertar para a parte da sexualidade relacional, afetiva, estável e que envolve o desejo do outro, agitar papões e fantasmas e focar-se nos perigos e nos cuidados pode ser um bocado assustador.
Daí este título, que apela ao imaginário infantil?
É um pouco provocatório, para desafiar as pessoas a investigarem a fantasia do lobo mau e conhecer melhor esse papão. O lobo mau está dentro de nós. É o lado narcisista, omnipotente, que tenta esmagar os outros e é intolerante. Esse lado coexiste com o lado do amor. Tanto o cantor Pedro Abrunhosa como o psicanalista Coimbra de Matos diziam: “O meu verdadeiro Deus é o amor.”
A educação sexual nas escolas não tinha essa intenção?
Defendo as aulas de cidadania, mas creio que não devem existir as de educação sexual, uma vez que a sexualidade nos acompanha do nascimento à morte, deve fazer ser abordada nas várias disciplinas, da Matemática – estatísticas da natalidade em vários países, por exemplo – à História, em que se pode falar dos casamentos por conveniência ou dos bastardos do Rei. Temas como a excisão feminina ou a homossexualidade fazem sentido nas aulas de cidadania, porque se apela ao desenvolvimento do pensamento crítico.
A duas partes da sexualidade, as belas e as feias: o lobo também as tem, certo?
Usei a metáfora do Capuchinho Vermelho e do Lobo – há ainda a figura do lobisomem – para dizer que do terrível lobo surgiu o cão. Ao longo da evolução, os lobos passaram do grande inimigo para o melhor amigo do Homem. Quis dar essa informação de um modo que seja correta à luz da Ciência.
Como recolheu os dados para as perguntas dos adolescentes?
Começou em Inglaterra, quando estava a fazer um projeto conjunto com o meu tutor, o pediatra escocês Aidan Macfarlane, nos anos 1980. Na altura, estávamos nos primórdios da Internet, o governo britânico entendeu fazer um site com informação dirigida aos jovens e andámos pelas escolas a recolher perguntas que os adolescentes tinham para dar respostas rigorosas e curtas. Mais recentemente, fiz o mesmo em escolas portuguesas. Curiosamente, as perguntas que fazem agora não são muito diferentes. Lembro-me da miúda que perguntava o que era a sífilis: hoje ia ao google e procurava, podemos pensar. É tanta a informação sobre o assunto que a resposta se perde no meio dela.
Quais são as perguntas mais frequentes?
São coisas que os adolescentes vão ouvindo na chamada intriga escolar no recreio, a partir de séries que viram num canal televisivo, numa entrevista ou encontraram na letra de uma música. Há sempre uns que acham que sabem mais, desinformação à mistura, em torno de temas como as preocupações com o corpo, se se pode engravidar caso tenha relações quando tem a menstruação… e que vão ao encontro dos resultados de estudos académicos e das linhas telefónicas disponíveis no País. Estas perguntas persistem, seja pelo excesso de informação, vergonha de perguntar ou medo de ouvir algo como “então, você não sabe?”
Ainda há muitos mitos? Por exemplo, “É verdade que o tamanho do pénis está relacionado com o tamanho do nariz?”
Essa pergunta vem, se calhar, de alguma anedota, de receios pessoais ou, até, por algum aluno ter dito que tinha uma pilinha enorme e referiu o nariz, coisas assim.
A masturbação ainda é vista como um papão?
Nos miúdos mais religiosos, há a tendência a rotular essas práticas como libidinosas que, na prática, se analisarmos, tem a ver com líbido. O problema é a conotação negativa e os complexos de culpa associados.
Surpreendeu-se com as perguntas que encontrou?
Não. Encontrei questões muito pertinentes, que pedem respostas urgentes. Os jovens não as encontram porque se deparam com autênticos tratados ou com milhões de entradas na internet e ficam mais baralhados do que esclarecidos.
Das várias dezenas de perguntas, quais aquelas que mais gostou de responder?
Lembro-me de um jovem que tinha a fantasia de fazer amor com a namorada numa piscina iluminada e não sabia se podia usar preservativo. Esclareci que teria de ter cuidado porque o preservativo poderia ter tendência a sair na água e acrescentei que o cloro podia alterar o latex e resultar em coisas indesejáveis. O cenário que ele fantasiava era muito belo. Uma nota que pretendo sublinhar: os adolescentes são muito românticos, pensam primeiro nos afetos e depois na parte mais física e mesmo nessa, não é como às vezes os pintamos. Também querem descobrir a parte mágica e bonita do toque, do beijo, da festinha.
O que costuma dizer aos adolescentes quando abordam assuntos íntimos?
Que devem respeitar-se, sem lesar-se a si e ao outro. Ser empático e perceber o que o outro pode sentir. Acabar um namoro, por exemplo: é bom que não termine por SMS, que tenha a coragem de ter uma conversa e explicar-se. O que não queria acabar terá de perceber que a liberdade do parceiro é importante em vez de entrar num registo de controlo e a dizer mal do outro na internet ou nas redes sociais.
Duas perguntas mais comuns que queira referir como “entrada” para quem o vai ler?
Uma que é frequente em consultório: uma miúda com 15 anos que se acha cada vez mais gorda embora as pessoas lhe digam que não, mas vê que sim pelo tamanho das calças. Respondo que as alterações hormonais e o alargamento da bacia que se dá na puberdade e faz parte da preparação biológica para futuras gravidezes e partos – coisa que os rapazes não têm de se preocupar – pode gerar o sentimento de estar gorda. Posso citar ainda o caso de um rapaz com 14 anos que gosta muito de andar de bicicleta e a quem um amigo disse que ele podia ter problemas de infertilidade. Explico que o amigo tem razão num ponto: a prática intensa de ciclismo pode aumentar esse risco no masculino, mas é uma probabilidade, não uma certeza. Os estudos mostram que, quando ocorre, essa baixa de fertilidade é muito raramente perigosa na prática. O calor que se desenvolve quando se faz, por exemplo, ciclismo de montanha com exercício árduo, mais a pressão da estrutura metálica, podem contribuir para a baixa na contagem de espermatozoides. Acrescento que andar de bicicleta promove a saúde e quais os cuidados que ele pode ter e concluo: “Não te esqueças que o álcool, o tabaco e as drogas têm muito mais riscos para a fertilidade.” No fundo, “esclarece-te, relativa e faz aquilo que te faz bem”. Como na sexualidade, que é uma coisa muito bonita: é preciso ter consciência disso e do que pode estragar esses momentos tão bons.