Ao longo dos últimos oito meses, desde julho de 2020, quando Cristina Ferreira saiu da SIC para regressar à TVI, poucas têm sido as vitórias da apresentadora de 43 anos, no que às audiências dizem respeito. E as expectativas estavam altas para a diretora de entretenimento da TVI, acionista e administradora da Media Capital. “Aquilo que fiz, durante a manhã, quero que aconteça ao longo do dia na TVI”, desejava Cristina Ferreira no verão passado.
A fórmula de sucesso que, há dois anos, levou Cristina Ferreira a dar à SIC os melhores resultados de audiências desde há 12 anos, não está a resultar na TVI. A 7 de janeiro de 2019, a estreia do Programa da Cristina na SIC atingiu o resultado histórico de 40,6% de share (quota de mercado do canal ou programa), com 671 mil telespectadores, correspondente a 6,9% de rating (percentagem de pessoas, tendo em conta o universo de 10 milhões da população portuguesa, que vê um programa). Irrepetível.
Agora, o mais recente Cristina ComVida, programa com emissão na TVI de segunda a sexta às 19 horas, um talk show que também tem como cenário uma casa e a apresentadora à conversa com “vizinhos” e convidados especiais, não tem sido um projeto vencedor. Aliás, a sua estreia a 29 de março foi uma derrota nas audiências ficando-se pelo segundo lugar, com 18,4% de share e 793 mil telespectadores. O público preferiu a novela brasileira na SIC, Êta Mundo Bom!, com 22,1% de share e um milhão e 14 mil telespectadores. Apesar de não ter conseguido derrotar a SIC, a primeira emissão de Cristina ComVida ficou à frente d’O Preço Certo, concurso apresentado por Fernando Mendes na RTP1, que em terceiro lugar registou 17,3% de share e foi visto por 734 mil pessoas.
Também a aposta de emitir Cristina ComVida ao longo de cinco horas na tarde de sábado, 3 de abril, no fim de semana da Páscoa, revelou-se uma má escolha. Os 656 600 telespectadores da TVI foram ultrapassados pelos 666 800 telespetadores que preferiram assistir à minissérie A Bíblia, com Diogo Morgado. A 5 de abril, uma semana após a estreia, o programa de Cristina Ferreira foi visto ainda por menos pessoas (574 mil telespectadores e 14,6% de share).
“É muito perigoso achar que um cenário [de uma casa] faz um programa. Apesar do Programa da Cristina na SIC ter tido um cenário megalómano, foi a inovação e a boa expectativa que a SIC criou em torno de Cristina – mantendo o programa em segredo e a apresentadora mais recatada – que fez com que na altura estivesse com uma boa imagem pública”, analisa Sandra Cerqueira, diretora da revista TV Mais. Já a mudança repentina para a TVI gerou reações contrárias nos seus seguidores (um milhão e meio no Instagram). “A sua imagem pública ficou destruída desde então, porque para o público Cristina Ferreira foi desonesta, deixou o contrato com a SIC a meio, deixou um compromisso e uma equipa a meio e nem se chegou a despedir do público”, recorda a jornalista.
Ljubomir não dá tréguas
Mesmo após a saída de Cristina Ferreira, a SIC manteve os bons resultados tanto de manhã, como à noite, especialmente nos serões de domingo. Casa Feliz, programa matinal apresentado por Diana Chaves e João Baião, substituto do Programa da Cristina, liderou na sua estreia (audiência média de 507 200 telespectadores e um share de 23,9%) e terminou o mês de março de 2021 em primeiro lugar, no universo dos canais generalistas, com 20,1% de share e 4,1% de audiência média, o que corresponde a 391 800 telespetadores – apesar de o programa não concorrer com nenhum formato apresentado por Cristina Ferreira.
A guerra de audiências anunciava-se aguerrida com a ida do chefe Ljubomir Stanisic da TVI para a SIC e a luta pela liderança nas noites de domingo prometia. O concurso All Together Now, na TVI, estreou a 7 de março, uma semana antes de Hell’s Kitchen, na SIC, e conquistou um milhão e 435 mil telespectadores, tendo sido o quarto programa mais visto do dia.
Mas, à segunda semana de emissão do concurso de talentos apresentado por Cristina Ferreira e com uma centena de jurados – que obriga a um mega cenário na Altice Arena – o programa da TVI perdeu 150 mil telespectadores e não conseguiu segurar a liderança das audiências, com uma média de um milhão e 268 mil telespectadores. Na semana seguinte, 21 de março, não haveria de melhorar: Isto É Gozar Com Quem Trabalha, de Ricardo Araújo Pereira na SIC, garantiu uma média de um milhão e 399 mil telespetadores, com a entrevista ao deputado comunista João Oliveira a ser vista por um milhão e 433 mil telespetadores. O Domingo de Páscoa não deu tréguas a Cristina Ferreira, com a SIC com uma vantagem de 3,4 pontos percentuais face à TVI. Hell’s Kitchen bateu o recorde de audiências e foi o programa mais visto do dia (29,7% de share e 14,9% de audiência média o que corresponde a um milhão 413 mil e 600 telespectadores) e All Together Now ficou no quinto lugar do dia, com um milhão 150 mil telespectadores e 12,2% de rating e 23,2% de share. Só quando a RTP1 e a SIC fizeram um intervalo comercial em simultâneo, a TVI bateu as estações concorrentes durante alguns minutos, alcançando o pico de 14,1% de rating e 29% de share. Em termos médios, durante o mês de março, Hell’s Kitchen terminou a liderar com 26,3% de share e 13,1% de audiência média, o que corresponde a um milhão 242 mil e 200 telespetadores.
Imagem gasta
Para trás no currículo da apresentadora e diretora de entretenimento da estação com sede em Queluz de Baixo ficam outros formatos que se revelaram pouco abonatórios do sucesso e da liderança. É numa entrevista feita por Manuel Luís Goucha, a 21 de setembro de 2020, e que foi vista, em média, por 660 mil telespetadores (share 34,1%), que Cristina Ferreira explicou o que se seguiria, para encerrar “um ciclo”. Daí a dois dias estreava Dia de Cristina e alcançou 652 mil telespectadores e 32,4% de share, ultrapassando a Casa Feliz na SIC, mas não superando o recorde de 2019, aquando da sua estreia na SIC – teve menos 19 mil pessoas a ver. A 19 de novembro, logo após o Jornal das 8, Cristina Ferreira entrava na antena para apresentar a nova programação da TVI para 2021, numa emissão especial a que chamou O Futuro. Desse futuro afinal não faz parte Dia de Cristina, que durou três meses e dias antes do Natal teve um horário late night com Noite de Cristina e um “baby shower ao Menino Jesus”. Com 22,6% de share, foi o quarto programa mais visto do dia , em média, com um milhão e 114 mil telespectadores. À mesma hora, a SIC exibia o primeiro episódio de Esperança, a nova série de César Mourão para a Opto (plataforma de streaming da SIC), e liderou as audiências com 23,5% de share, visto por uma média de um milhão e 227 mil pessoas.
De acordo com uma análise da CAEM – Comissão de Análise de Estudos de Meios, que conta com a empresa de consultoria GFK Marketing Services, as audiências dos últimos 11 meses, entre abril de 2020 e março de 2021, revelam que o share (quota de mercado do canal ou programa) da TVI tem ficado sempre abaixo do da SIC: 13,8% contra 20,1% em abril do ano passado e, mais recentemente e com uma margem menor, 17,8% contra 19,5%.
Grandes casas como cenários de programas da manhã ou à tarde, convidados que fazem parte dos restantes programas da estação, longas maratonas de diretos, em emissões designadas “especiais” e pompa e circunstância no prime time na apresentação de cada novo projeto não estão a ser suficientes para Cristina Ferreira transformar em ouro tudo o que toca, qual personagem da mitologia grega.
Aparecer no pequeno ecrã nos sete dias da semana, como aconteceu entre 28 de março e 4 de abril, poucos proveitos está a dar ao percurso profissional de Cristina. “Na TVI os programas não são das pessoas, não têm uma cara, o que não fideliza o público e no day time isso é importante”, explica Sandra Cerqueira. “A Cristina diretora de entretenimento sabe que a Cristina apresentadora é o seu trunfo”, salienta a diretora da revista especializada em televisão. Pôr e tirar programas da grelha “demonstra pânico” e “estabilizar audiências demora tempo”. “A Cristina ainda se está a adaptar a uma nova realidade na sua vida, que é perder.”
“Muito boa apresentadora a fazer day time”, Sandra Cerqueira tem dúvidas sobre a sua capacidade, por falta de experiência no cargo, para agarrar outros horários. Estar com a sua imagem pública em baixo, a falta de experiência e o facto de ser muito reativa, contra um líder muito cerebral da SIC, Daniel Oliveira, não está a facilitar a sua mais difícil prova de fogo, com prazo limite até setembro, quando faz um ano de regresso à TVI.