No início deste ano, o Reino Unido emitiu uma diretiva na qual se prevê que, se não estiver disponível uma segunda dose igual à da primeira toma, pode ser inoculada uma vacina diferente contra o vírus SARS-CoV-2.
Alguns especialistas mostraram-se chocados com a decisão, baseada em conhecimento empírico e não em evidência científica, mas a verdade é que estão em curso várias investigações precisamente com o objetivo de avaliarem as eventuais vantagens de tomar duas doses de vacinas diferentes.
Em fevereiro, a Universidade de Oxford, em Inglaterra, deu início a um ensaio clínico no qual os voluntários são vacinados com a vacina da Pfizer/BioNTech e, também, com a da AstraZeneca.
A combinação de diferentes doses também poderá ser útil para contrariar a escassez de vacinas
A investigação, apelidada de Com-Cov, conta com 830 voluntários. Uma parte deles é inoculada primeiro com a vacina da Prizer/BioNtech (à base de mRNA) e, depois, com a da AstraZeneca (com genes inativados de adenovírus) – e vice-versa. Outro grupo será vacinado com duas doses iguais.
No próximo mês, serão analisadas as amostras de sangue dos participantes para verificar qual o impacto da combinação na criação de anticorpos contra a Covid-19, comparativamente com a administração de duas vacinas iguais.
Além da possibilidade de tomar duas doses diferentes poder aumentar a resposta imunitária, esta conjugação também poderá ser útil para contrariar a escassez destes fármacos, permitindo a administração das vacinas disponíveis em cada momento, sem ser necessário travar o processo de vacinação.
AstraZeneca une-se aos russos
A ideia de associar vacinas diferentes não é nova. Há décadas que os cientistas procuram combinações que sejam eficazes contra vírus como o influenza, o ébola ou o VIH.
Conseguiram-se alguns resultados positivos no que diz respeito ao ébola. As vacinas desenvolvidas contra a doença apresentam o risco de, à segunda toma, as pessoas já terem desenvolvido imunidade suficiente ao ponto de destruírem o vetor viral antes de ele desempenhar o seu papel no fortalecimento da resposta imunitária. Por isso, várias farmacêuticas decidiram experimentar utilizar diferentes vetores virais em cada uma das doses da vacina. Assim, ele seriam novos para o organismo em ambas as tomas.
Em 2017, o Instituto de Pesquisa Gamaleya, na Rússia, criou uma vacina contra o ébola que, na primeira dose, usava um adenovírus e, na segunda, o vírus da estomatite vesicular.
Investigadores russos e a Astrazeneca reuniram esforços no sentido de investigarem se as suas vacinas poderão funcionar bem em conjunto.
Este laboratório russo utilizou uma estratégia semelhante no desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus, a Sputnik V, que contém dois adenovírus diferentes em cada dose. Estes adenovírus inofensivos carregam o gene da proteína de superfície do SARS-CoV-2, a spike.
Nos ensaios clínicos, a Sputnik V revelou ter uma eficácia de 91,6% e já está a ser administrada em 57 países, incluindo a Rússia.
Recentemente, o instituto Gamaleya e a Astrazeneca reuniram esforços no sentido de investigarem se as suas vacinas poderão funcionar bem em conjunto. E já deram início a ensaios clínicos em que os voluntários tomam uma dose com o adenovírus ChAdOx1 (Astrazeneca) e outra com o Ad26 (Sputnik V).
Não são apenas as vacinas com adenovírus que podem ser combinadas, também a associação das de proteínas, RNA ou coronavírus inativados pode trazer vantagens. Enquanto as vacinas à base proteínas são especialmente eficazes a gerar anticorpos, por exemplo, as de vetores virais são melhores a treinar as células imunitárias. E, por isso, a conjugação de ambas poderá permitir beneficiar do melhor de dois mundos.
À medida que mais vacinas forem aprovadas – atualmente, existem 67 em ensaios clínicos – outras combinações poderão ser testadas.