Ser o irmão mais velho pode acarretar por vezes um ganhar responsabilidades e um crescer mais depressa, que deixa de ser proporcional ao mimo recebido por ter sido o primeiro filho a nascer ou o primeiro neto de uma família. Mas, qual será o impacto nas crianças e jovens que tomam conta dos irmãos mais novos, sempre que os pais estão em teletrabalho e sem a disponibilidade total para acompanhar os mais pequenos? “É uma questão que não terá uma resposta só. Depende das idades, das fases de desenvolvimento, dos níveis escolares, das características das crianças (tanto dos irmãos mais velhos como dos mais novos), dos cuidados, tarefas e responsabilidades que são solicitadas, a quantidade de tempo solicitado, como esse tempo colide ou não com o tempo de tarefas escolares e lazer da criança mais velha, entre outras características e dinâmicas familiares”, explica Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica infanto-juvenil e de aconselhamento parental. “Poderá haver por isso impactos positivos ou negativos, que deverão ser antecipados, ou não sendo antecipados, ir estando atento para minimizar ou mesmo eliminar eventuais impactos negativos”, acrescenta. “Não há pais que fazem bem ou pais que fazem mal”, corrobora desde logo Maria Filomena Gaspar, investigadora e professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
‘Podes tomar conta do teu irmão?’
Com os telefonemas marcados à hora certa, pelo meio uma reunião no Zoom ou no Teams e as notificações nos grupos de trabalho do WhatsApp sempre a caírem, são muitas as solicitações profissionais que fazem com que nem sempre os adultos estejam disponíveis ao longo do dia para tratar dos benjamins da família. Maria Filomena Gaspar faz notar que durante os períodos de confinamento são os pais com filhos até aos quatro anos, porque ainda não são autónomos, que têm mais stress para gerir.
É certo que os pais têm de tomar decisões, as quais muitas vezes não são as ideais, mas tendo em conta o superior interesse das crianças, podem pensar: “Como posso proteger uma criança de dois ou três anos, quando estou numa reunião, mas tenho um irmão ou irmã mais velho por perto?”.
“Quando parentificar, ou seja dar tarefas de pais aos filhos, é um padrão recorrente na família terá um papel negativo, porque essa é a função dos pais”, salienta a investigadora da Universidade de Coimbra. “Pontualmente, os filhos mais velhos podem ter essas tarefas, mas se estiver claro que quem tem a obrigação de cuidar dos mais novos são os pais. O desenvolvimento do irmão mais velho não é posto em risco se não for um padrão de relação”, acrescenta.
Quando parentificar, ou seja dar tarefas de pais aos filhos, é um padrão recorrente na família terá um papel negativo, porque essa é a função dos pais
Maria Filomena Gaspar, investigadora e professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Jovens ainda são crianças
“Um irmão mais velho não é um adulto mais pequeno, é também uma criança. Mesmo um adolescente, com os seus interesses e motivações específicos da idade, não tem a perceção e a maturidade de um adulto”, define Marta Martins Leite. Para a psicóloga clínica é certo que os irmãos mais velhos podem ajudar no estudo, por exemplo, mas é preciso que tenham essa apetência e abdiquem dos seus interesses para dar atenção aos irmãos mais novos.
Quanto melhor for o equilíbrio emocional sobre a pandemia do irmão mais velho, mais bem preparado poderá estar para auxiliar os adultos nas tarefas familiares. Para que uma criança esteja, minimamente, bem resolvida em relação ao que se passa com a pandemia é necessário que os pais e seus cuidadores também o estejam. A ansiedade, a calma ou o nervosismo dos adultos são absorvidos quase de forma direta pelas crianças. “Com calma, paciência e tempo, os adultos devem parar para explicar o que se passa, tirar dúvidas, perguntar como encaram a pandemia, se têm medos e tentar desconstruir esses medos”, explica Marta Martins Leite.
“As soluções de recurso são para ser usadas pontualmente, na altura de fazer um telefonema ou participar numa reunião curta”, exemplifica a psicóloga clínica. É bem possível que se a situação se prolongar, um jovem de 15 ou 16 anos rapidamente se volta para o seu telemóvel e deixe o mais pequeno, entre os 6 e os 10 anos por exemplo, entregue também ao seu gadget. “Se por um lado, os pais não têm alternativas e ficam sem recursos, por outro, colocam os filhos mais velhos numa posição delicada de se transformarem em adultos. Algo que altera sempre a relação destes irmãos e ao tomar esse papel de adulto, vai moldar a sua personalidade, tal como tudo o que se passa na infância”, assegura Marta Martins Leite. Mais do que analisarmos se é um rapaz a proteger a irmã mais nova, ou uma irmã mais maternal a tratar de um irmão pequenino, a maior diferença prende-se consoante a relação que têm um com o outro. “O relacionamento entre irmãos é extremamente complexo, ao nível das emoções, da maturidade e da responsabilidade que possam ter ou não. As crianças nunca deveriam estar sozinhas. Mais do que ser prejudicial, correm riscos de acidentes domésticos por pequenas distrações que um adulto não teria.”
Aos primogénitos não lhes pode ser pedido que assumam as responsabilidades, que deem o exemplo, que sejam o modelo e que tenham a autoridade de um pai ou mãe, até porque as relações entre irmãos vivem de amor, amizade e cumplicidade, mas também de zangas e rivalidades. E, afinal quem toma conta do irmão mais velho?
DICAS PARA MANTER OS FILHOS DEBAIXO DE OLHO DURANTE O TELETRABALHO
-Sempre que possível, os pais podem tentar revezar-se no tempo de trabalho. Criar uma espécie de turno, um de manhã e o outro de tarde, para haver sempre um adulto mais disponível.
-Os pais/mães devem tentar definir os horários de trabalho, planeando atividades mais formais e estruturadas para as crianças mais pequenas permitindo-lhes também estar mais ocupadas de forma mais autónoma.
-Tentar dar previsibilidade às crianças na organização dos dias da família, planeando no início da semana o que for possível planear, definindo papéis e tarefas com antecipação.
–Organizar os espaços da casa, definindo locais de trabalho e locais de lazer.
-Colocar os filhos mais pequenos por perto, na mesma divisão, para estando a participar numa reunião profissional, manterem-nos debaixo de olho.
-Pedirem aos filhos para fazerem algumas atividades, como sejam uma cópia, um desenho, um puzzle ou jogar, junto dos adultos.
-Comunicar com frequência com o outro elemento do casal parental sobre o que necessitam e sentem e fazer o mesmo com os filhos, para que se possam ir ajustando rotinas, estratégias, detetando dificuldades e problemas precocemente.