Para Guilherme Pereira, o ano 2021 começou com uma boa notícia. A 13 de janeiro, a Agência Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, European Food Safety Authority) deu o seu parecer favorável sobre a larva da farinha (Tenebrio molitor), o primeiro inseto a ser considerado seguro para consumo humano. Agora, o engenheiro alimentar e um dos fundadores da empresa Portugal Bugs está em contagem decrescente para dar início à comercialização dos produtos alimentares que tem vindo a produzir nos últimos cinco anos.
O estudo da larva da farinha surgiu após o pedido da empresa francesa de produção de insetos para alimentos, Agronutris, e, com o parecer positivo da EFSA, a Comissão Europeia tem até sete meses para aprovar e passar este parecer a norma. “Esta primeira avaliação de risco da EFSA de um inseto como um novo alimento pode abrir caminho para a primeira aprovação em toda a União Europeia. A nossa avaliação de risco é uma etapa decisiva e necessária na regulamentação de novos alimentos, apoiando os reguladores de políticas na UE na tomada de decisões com base científica e garantindo a segurança dos consumidores”, explicou o investigador Ermolaos Ververis.
Apesar de produzir 30 a 40 quilos por mês de larvas e grilos, que resultam depois em seis a sete quilos de farinha, a Portugal Bugs não podia comercializar os produtos alimentares. Até ao verão, Guilherme Pereira espera ver as barras proteicas, bolachas, chocolates, massas e insetos desidratados com sabores à venda nas prateleiras dos supermercados e nas lojas online.
A chamada “farinha amarela” vai funcionar como um suplemento. Por exemplo, ao fazer um bolo, bolachas ou biscoitos pode-se usar 80% de farinha de trigo e 20% de ‘farinha amarela’, “ganha valor proteico, gorduras essenciais como Omega 6 e Omega 3, vitaminas B12 e B5 e fibras probióticas”. Outras utilizações sugeridas por Guilherme Pereira passam por insetos desidratados para substituir o bacon crocante numa massa; salgados podem acompanhar uma cerveja, à semelhança de um snack como se fosse um amendoim; topping num chocolate caseiro.
Mas, nem todas as pessoas poderão ingerir insetos. O parecer da EFSA alerta mesmo que estas iguarias não são aconselháveis a quem é alérgico a crustáceos e ao pó – essas pessoas podem sofrer uma reação à larva (Tenebrio molitor), seja ingerida em pó como parte de uma receita ou como um aperitivo crocante.
Giovanni Sogari, investigador social e de consumo da Universidade de Parma, explica que a repulsa de muitos consumidores em relação a produtos alimentares à base de insetos pode eventualmente diminuir. “Existem razões cognitivas derivadas das nossas experiências sociais e culturais – o chamado ‘yuck factor’ – que tornam a ideia de comer insetos repelente para muitos europeus. Com o tempo e exposição, essas atitudes podem mudar.”
Alimentos à base de insetos há muito tempo que são vistos como parte da solução para reduzir a emissão de gases de efeito estufa na produção de alimentos. A larva amarela (Tenebrio molitor) é uma espécie de inseto que pertence à família dos Tenebrionidae, ou escaravelho escuro. Geralmente são alimentados com farinha ou farelo de trigo, embora sejam omnívoros. Os ovos são separados dos adultos em acasalamento por uma técnica de peneira para que as larvas possam crescer separadamente. O processo de pós-colheita inclui o enxaguamento das larvas, matando-as por imersão em água a ferver até cinco minutos e desidratação em fornos, embalagem e armazenamento.
Para Mario Mazzocchi, economista e professor da Universidade de Bolonha, “há benefícios ambientais e económicos claros se se substituirem as fontes tradicionais de proteínas animais por aquelas que requerem menos ração, produzem menos resíduos e resultam em menos emissões de gases de efeito estufa. Custos e preços mais baixos podem aumentar a segurança alimentar e a nova demanda abrirá oportunidades económicas também, mas isso também pode afetar os setores existentes.”