Parece um truque de ilusionismo. Primeiro, começam por colocar um cão, de porte médio, numa caixa de madeira com cerca de 90 cm de altura e 60 cm de largura. Depois, uma mulher jovem, vestida como umas calças de ganga e uma camisa de manga curta, e de máscara cirúrgica, entra numa caixa idêntica. Logo a seguir, vemos uma dezena de carraças a serem introduzidas num tubo de plástico transparente que liga as duas caixas. E termina aí o curto vídeo, deixando-nos a imaginar o que aconteceu posteriormente.
A experiência foi repetida várias vezes, com intervalos de vinte minutos. O objetivo era observar se as carraças, que procuram hospedeiros para se alimentar com base no cheiro, preferem cães ou pessoas. De início, a temperatura ambiente era de cerca de 23,3 graus; mais tarde, ela foi aumentada até aos 37,8. E os investigadores constataram que, quando o ar ficava mais quente, as carraças tinham 2,5 vezes mais probabilidade de optar pela mulher.
![Foto: Don Preisler, da Universidade da Califórnia](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2020/11/Don-Preisler-UC-Davis-School-of-Veterinary-Medicine-720x1080.jpg)
“O nosso trabalho demonstra que, quando o tempo fica quente, devemos estar muito mais vigilantes para infeções de febre escaro-nodular (a chamada febre da carraça) em humanos”, disse Laura Backus, veterinária e doutoranda de epidemiologia na Escola de Medicina Veterinária da Universidade Davis da Califórnia, que liderou o estudo apresentado na Convenção Anual da Sociedade Americana de Medicina Tropical e Higiene (ASTMH).
Já existiam evidências de investigações anteriores em como as carraças podem ser mais agressivas com as pessoas em climas quentes. Laura Backus e os seus colegas queriam obter dados mais definitivos sobre como o aumento da temperatura pode elevar o risco de infeções por febre escaro-nodular. Para tanto, a veterinária não hesitou em ser ela própria cobaia nos testes, submetendo-se às picadas dos insetos que a procuraram mais do que ao cão.
![Laura Backus, investigadora que liderou este estudo](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2020/11/Laura-Backus-inside-the-olfactometer-for-the-study-she-led-on-tick-behavior-and-climate-change.-Don-Preisler-UC-Davis.jpg)
“As descobertas desta experiência de laboratório simples mas eficaz aumentam a evidência da crescente relação entre as mudanças climáticas e o seu impacto na saúde”, afirmou, por sua vez, o presidente da ASTMH, Joel Breman. “As mudanças climáticas estão a ser tão rápidas que é fundamental acompanhar as muitas maneiras que elas podem alterar e intensificar o risco de uma ampla gama de doenças infecciosas, para que estejamos melhor preparados para diagnosticar, tratar e prevenir.”
A chamada febre da carraça, que os norte-americanos conhecem como febre das Rocky Mountains, é uma doença causada pela bactéria Rickettsia rickettsii e transmitida pela picada de carraças.
A doença é tratável com antibióticos se for detetada na primeira semana de infeção, mas assim que ela se instala, a taxa de mortalidade pode ultrapassar os 20 por cento. As complicações podem incluir vasos sanguíneos danificados, inflamação do coração, pulmões ou cérebro, e insuficiência renal.