Para Clara Sousa-Silva, que trabalha no Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, “descobrir fosfina em Vénus constitui um verdadeiro bónus”.
“A descoberta levanta muitas questões, tais como é que os organismos poderão sobreviver na atmosfera do planeta vizinho. Na Terra, alguns micróbios conseguem suportar até cerca de 5% de ácido no seu meio, mas as nuvens em Vénus são praticamente só constituídas por ácido”, assinala a investigadora, citada em comunicado pelo Observatório Europeu do Sul (OES).
O OES, do qual Portugal é um dos países membros, é uma das entidades que operam o radiotelescópio ALMA, no Chile, que permitiu confirmar a deteção de fosfina em Vénus, depois de observações feitas com o telescópio James Clerk Maxwell, no Havai, nos Estados Unidos.
Clara Sousa-Silva investigou a fosfina como uma “bioassinatura” de gás de vida anaeróbica (sem oxigénio) em planetas que orbitam outras estrelas sem ser o Sol, uma vez que “a química normal não explica este fenómeno”.
A fosfina (designação comum de hidreto de fósforo) é um gás incolor e tóxico.
Na Terra, é usada para controlar pragas de insetos em sementes armazenadas em silos ou na indústria de semicondutores, sendo produzida de forma biológica por microrganismos que se desenvolvem em ambientes anaeróbicos.
A atmosfera de Vénus é muito mais densa e quente do que a da Terra, possui nuvens opacas compostas de ácido sulfúrico e tem na sua composição principalmente dióxido de carbono (gás com efeito de estufa) e azoto (a atmosfera terrestre é composta fundamentalmente por azoto e oxigénio).
De acordo com o OES, as bactérias “criam fosfina retirando fosfato de minerais ou material biológico, acrescentando hidrogénio”.
“Qualquer organismo em Vénus será provavelmente muito diferente dos seus primos terrestres, mas também poderá ser a fonte de fosfina na atmosfera do planeta vizinho”, refere o comunicado do OES, que divulga os resultados da investigação publicados hoje na revista científica Nature Astronomy.
A equipa internacional de astrofísicos, provenientes de instituições sediadas no Reino Unido, Estados Unidos e Japão, estima que existe fosfina nas nuvens de Vénus em pequenas concentrações, “apenas cerca de 20 moléculas em cada milhar de milhão”.
O grupo considera que a descoberta “é bastante significativa”, uma vez que afasta a hipótese de “muitos outros processos alternativos” (não biológicos) “de formação de fosfina”.
No entanto, reconhece que “para confirmar a presença de vida [microbiana] é ainda necessário muito trabalho”.
O Observatório Europeu do Sul realça que, apesar de a temperatura das nuvens altas de Vénus rondar 30ºC, “o meio é extremamente ácido, com cerca de 90% de ácido sulfúrico, o que coloca sérias dificuldades a quaisquer micróbios que aí tentem sobreviver”.
Citado no mesmo comunicado, o astrónomo do OES e gestor de Operações do ALMA na Europa, Leonardo Testi, que não participou no estudo, afirma, categórico, que “a produção não biológica de fosfina em Vénus está excluída no que diz respeito ao conhecimento atual da química da fosfina nas atmosferas de planetas rochosos”.
“A confirmação de existência de vida na atmosfera de Vénus constituiria um enorme avanço em astrobiologia. É por isso essencial fazer o seguimento deste intrigante resultado com estudos teóricos e observacionais para excluir a possibilidade de que a fosfina em planetas rochosos [como Vénus] possa ter também uma origem química diferente da fosfina na Terra”, sublinhou.
ER // JMR