A polémica estalou na semana passada quando a revista Sábado revelou que havia professores da faculdade de economia e gestão da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) que defendiam que os docentes que escrevessem artigos de opinião não deveriam assinar enquanto professores da instituição. Em causa estaria, em especial, a coluna de opinião de Susana Peralta que terá criticado mecenas que ajudaram a construir o ‘campus’ de Carcavelos.
Foi o deputado do Bloco de Esquerda, Luís Monteiro, quem hoje levou ao parlamento o caso da professora da Nova SBE “convidada por um conselho restrito de catedráticos e associados a deixar de assinar os seus artigos de opinião no Jornal Público”.
Manuel Heitor revelou que soube da história porque recebeu uma carta de um docente da universidade e que escreveu “imediatamente a pedir um esclarecimento”, tendo recebido uma resposta do reitor “garantindo que não havia qualquer alteração aos limites de exercer o direito da liberdade de expressão dentro da universidade ou dentro dessa escola.
“Pedi garantias ao responsável máximo da instituição para garantir o quadro de liberdade de expressão e a garantia do cumprimento do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES)”, disse o ministro durante uma audição regimental na comissão parlamentar de Educação.
“Apenas garanti que ele expusesse essa garantia dentro dos órgãos da universidade e em particular do conselho geral”, acrescentou.
“A autonomia (das instituições) tem limites (…). Sempre defendi a liberdade de expressão de docentes, alunos ou de dirigentes”, afirmou.
No entanto, as declarações do ministro não acalmaram os deputados. A deputada do PCP Ana Mesquita considerou que o recente caso “é um sintoma de um sistema doente no ensino superior que convive mal com a democracia”.
Para o PCP, o ensino superior tem “uma ferramenta legal”, o RJIES, “que permite que exista esse mau convívio com a democracia.
“Durante a pandemia, a reboque da autonomia e de poderem fazer tudo e mais alguma coisa que ninguém lhes cobra, houve situações inaceitáveis”, criticou Ana Mesquita, defendendo que está na altura de “voltar a discutir isto do RJIES”.
Para Luís Monteiro, a Nova SBE é uma espécie de “offshore de direitos laborais e de garantia de liberdade de expressão”.
O deputado bloquista considerou que é preciso voltar a debater o modelo de gestão das instituições e o RJIES que classificou como “um monstro” que veio dar uma “nova liberdade” às instituições.
“Este espaço de autonomia e gestão parece cair um bocadinho por terra quando temos diretores de faculdade a convidar os seus colegas a deixarem de assinar enquanto professores da casa porque os privados, que investiram nessa mesma faculdade, não estão muito confortáveis com as posições que esses académicos livremente tomam”, criticou o deputado bloquista.
O deputado lembrou alguns dos factos que têm sido apontados por vários cronistas nos últimos dias, tais como o diretor da faculdade ser administrador do Santander ou o presidente do Conselho Científico fazer anúncios para o BPI “utilizando o nome da faculdade para garantir a credibilidade do produto”.
Luís Monteiro lembrou ainda algumas das vantagens dos privados que investiram no polo de Carcavelos: “A empresa do Fitness Hut vai ficar com a exploração do ginásio, o Santander fica com os empréstimos, a Sonae fica com a exploração da restauração” e “ainda está para se descobrir a origem dos dinheiros do fundo chinês”.
“Não acha que é necessária uma revisão, um debate alargado sobre se é este o modelo que nós queremos? Não acha que está na hora de dar um passinho atrás e pensar como é que a universidade deve funcionar em Portugal?”, questionou o deputado.
No entanto, Manuel Heitor manteve a sua posição quanto ao RJIES: “Defendi e defendo o atual RJIES e hoje sabemos que nos devemos orgulhar por termos um Ensino Superior melhor do que o que tínhamos antes do RJIES. Tem que evoluir? Claro que tem de evoluir. Temos de ser realistas? Claro que temos de ser muito realistas”.
O ministro admitiu estar de acordo com algumas das críticas do deputado do Bloco: “há alguns aspetos em que não posso deixar de concordar consigo”, disse, referindo-se à ideia do Ensino Superior como uma marca ou exportação de serviços, lembrando que se tem oposto frontalmente a essa ideia.
“O ensino superior não deve ser considerado um serviço. Tem condições únicas e o processo de ensino aprendizagem não é um serviço nem deve seguir os termos da exportação”, reafirmou.
“Estaremos sempre atentos para garantir a articulação que deve haver com o setor privado, mas também a preservação da integridade institucional para nunca transformar o Ensino Superior num serviço”, afirmou Manuel Heitor.
“O RJIES, incluindo a possibilidade de atribuição do regime fundacional, não tem nada a ver com o desenvolvimento de serviço e comercialização do ensino superior”, defendeu o ministro.
SIM // JMRLusa/FIM