Quando o vice-presidente do Benfica para as modalidades foi chamado às instalações da Polícia Judiciária (PJ) para ser interrogado pelos inspectores e pelos procuradores do Ministério Público que estão a conduzir a investigação da Operação Lex, na segunda semana de dezembro, Fernando Tavares teve de esclarecer que seguimento tinha dado a um email com um pedido de emprego que lhe havia sido enviado por Rui Rangel, então juiz numa das secções criminais do Tribunal da Relação de Lisboa.
Rangel, ao que a VISÃO apurou, enviou a 6 de janeiro de 2017 para aquele vice-presidente do Benfica um email que tinha em anexo o curriculum vitae de Albertino Figueira, avô de uma das suas filhas. Nesse email, o então juiz-desembargador referia a Fernando Tavares que, como combinado, lhe enviava o CV. E pedia-lhe que falasse com “o presidente da Junta” ou que encontrasse para Albertino Figueira um trabalho no museu do Benfica. Umas semanas depois, Fernando Tavares reencaminhou o email para o presidente do Clube da Luz, Luís Filipe Vieira, mencionando que era “um pedido do Rui” e perguntando-lhe se via “alguma possibilidade de ajudar” com um trabalho no Museu do Benfica ou numa área semelhante.
À VISÃO, Fernando Tavares confirma que todas as questões “foram esclarecidas em sede de investigação, perante procuradores e Polícia Judiciária” e que Albertino Figueira “nunca trabalhou no Benfica, nem para nenhuma autarquia”: “Ou, se trabalhar, não é por nenhuma influência minha.”
O vice-presidente do Benfica, que foi alvo de buscas no início de 2018 por suspeitas de ter prometido e/ou oferecido contrapartidas a Rui Rangel em troca de que o então juiz influenciasse processos judiciais pendentes contra o Benfica, ter-se-á limitado a reencaminhar o pedido de emprego e o CV para Luís Filipe Vieira, pedido este que não terá tido seguimento porque não estavam a contratar naquele momento para o museu dos encarnados.
Albertino Figueira é pai de Rita Figueira, que foi namorada de Rui Rangel e é mãe de uma das suas filhas. Também foi constituído arguido na Operação Lex, no início de 2018, por suspeitas de ser cúmplice de Rangel num esquema de branqueamento de capitais.
Quando foi interrogado como arguido em dezembro passado, Fernando Tavares foi confrontado com estes emails com cunhas de Rangel mas não só. Os investigadores também quiseram saber que contactos o dirigente desportivo mantivera ao longo dos anos com o então juiz, que tipo de pedidos haviam sido feitos ao juiz por Luís Filipe Vieira e que tipo de respostas Rangel terá dado.
Isto porque através das escutas telefónicas a vários suspeitos e através dos emails apreendidos durante as buscas, a PJ e o Ministério Público perceberam que, em 2017, o presidente do Sport Lisboa e Benfica terá tentado que Rui Rangel desbloqueasse um processo pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra relacionado com um imposto adicional (de 1,6 milhões de euros) cobrado a uma empresa que partilhava com o filho. Luís Filipe Vieira terá usado como intermediários desse pedido o advogado Jorge Barroso, que fazia parte de uma lista com que Rangel se candidatou à presidência do Benfica, em setembro de 2012, e Fernando Tavares, que curiosamente também tinha sido número dois dessa lista de Rangel.
Em troca, o presidente do clube da Luz terá prometido a Rangel um cargo na futura direção do SLB ou na Universidade que o Benfica pretendia abrir no Seixal, onde o então juiz poderia auferir “um vencimento atrativo” como director.
Nas conversas telefónicas entre Luís Filipe Vieira, Fernando Tavares e Jorge Barroso – todos eles já constituídos arguidos neste processo-crime por suspeitas de tráfico de influência -, há várias referências a “apertar com Rangel” para obter informações sobre aquele processo e sobre a juíza que o tinha em suas mãos.
Nos documentos que constam do processo, e que a VISÃO tem vindo a divulgar, há registo de jantares entre estes dirigentes desportivos e Rui Rangel e também registo de conversas que mostrarão que Fernando Tavares terá igualmente abordado o então juiz-desembargador, em julho de 2017, para o envolver num negócio relacionado com serviços de catering para o SLB.
Recorde-se que Rui Rangel foi expulso da magistratura, a 3 de dezembro, por o Conselho Superior da Magistratura entender que violou de forma grave e reiterada os seus deveres enquanto juiz. Os emails que trocou com dirigentes desportivos e respectivos intermediários estão a ser passados a pente fino pela PJ e pelo Ministério Público na Operação Lex, que já tem pelo menos 16 arguidos. No centro do processo está Rui Rangel e as suspeitas de que liderado uma rede de compra e venda de decisões judiciais favoráveis e obtido rendimentos extra e não declarados através de uma série de actividades paralelas à carreira de magistrado judicial.