Foram dez horas à espera até ao combate. Desde a entrada no Pavilhão das Travessas, em S. João da Madeira, até Ricardo Araújo Pereira pisar o tatami (tapete usado para as lutas no chão), sempre seguido pelo seu treinador, Pedro Kol, cerca das 19 horas. A estreia do humorista na Taça de Portugal de Kickboxing e Muay-thai foi curta, mas não o fez perder o sorriso. Já depois de ter partilhado a sua derrota com a mulher, também ela praticante da modalidade, e com as filhas, atribuiu o resultado aos golpes frontais do adversário Ricardo Pires, 41 anos, o atleta da Figueira da Foz, que – diga-se – cumprimentou calorosamente no final o humorista que manteve sempre o ar descontraído.
Visivelmente cansado, vestindo uma camisola de cor vermelha (claro), colada ao corpo, era um Ricardo Araújo Pereira bem diferente daquele que, ao final da manhã, encontrámos a ler um livro, sentado junto a uma das entradas do Pavilhão. Apesar de estar habituado a enfrentar multidões, e já depois da desistência do primeiro adversário, nos quartos-de-final, Ricardo Araújo Pereira mantinha a pressão alta. “É improvável que esteja preparado para isso, mas vamos ver. São dois rounds, de dois minutos”, resume. E chega a perguntar: “Quanta pancada poderei levar em apenas 4 minutos?”
E, depois, pelo meio, ainda pode dar também uns bons sopapos, acrescenta. A receita, diz-nos, será levar a coisa na conversa, com um ou outro toque, ou com “uns bananos fortes nas trombas”. E continua: “Para algumas pessoas estas modalidades são apenas um jogo, outra coisa bem diferente é a série de eufemismos usados para evitar dizer que isto é violento.”
O humorista e cronista da VISÃO diz, que há uma grande dose de respeito nos combates e não só. Todos os treinos começam com uma saudação, não só ao mestre, como aos outros atletas. “Isso é fundamental”, pois, sublinha, se não houver respeito “isto é uma coisa obviamente perigosa”.
São quase 19 horas, e Ricardo Araújo Pereira, deixa finalmente de lado a leitura. Alguns saltinhos e muitos exercícios de aquecimento depois, está pronto para entrar em jogo. Agora já equipado, com luvas brancas e capacete, o humorista recebe os últimos conselhos do treinador Pedro Kol, cinco vezes campeão nacional e três vezes campeão europeu de Kickboxing. Sendo este o primeiro combate de Ricardo Araújo Pereira, Kol apenas lhe pede “atitude”, que “não vire as costas à luta, dar o máximo”, e, claro, lutar até fim.
O burburinho das conversas mistura-se com o barulho das batidas, os ditos toques, mais ou menos violentos, nas cinco áreas de jogo – dois ringues e três tatamis – ali instaladas. Há sacos, luvas e joelheiras um pouco por todo a parte, nas bancadas, no campo, junto redes. Pelo meio, acomodam-se atletas a dormir, enquanto aguardar para entrar em cena.
Nas bancadas não falta quem se apresse a comentar, de forma elogiosa, as vantagens da prática desta modalidade. No público, todos vieram apoiar alguém: Jorge Rocha, torce pelo filho, Tiago, 9 anos, na final de cadetes; Ester Ramalho pela filha Catarina, 17 anos, a estudar Turismo, que, pela primeira vez, vai lutar no ringue. Mais à frente, encontramos o pequeno William Tavares, 8 anos, ainda à espera de combater, depois de ter saído do Barreiro, cerca das 5 da manhã, com o pai, a mãe e o irmão. Ao lado, está Paula Neves, 47 anos, antiga atleta da modalidade e atual dirigente do Grupo Desportivo Fabril, na margem Sul. “Há muito para lá dos combates”, nota Maria Melo, 31 anos, sentada na bancada. A assistente administrativa vê nestas práticas “o espírito forte de equipa e a entreajuda dos atletas”, como pontos positivos. Para a desportista, que não entra em combates, mas está a apoiar os colegas, não há nada mais “tranquilo e relaxante”. Ricardo Araújo Pereira pode não ter ganho o combate, mas divertiu-se, e saiu de S. João da Madeira como se tivesse sido o vencedor, tantas foram as selfies que tirou com o público.