Pedro Pimenta delineou um plano: percorrer toda a costa portuguesa a pé, de Monção a Vila Real de Santo António. São 940 quilómetros, que dividiu em 16 etapas, para cumprir até fevereiro de 2020, um fim de semana por mês (em junho, mês de feriados, haverá três). O ponto onde terminou a etapa anterior é sempre o ponto de partida da seguinte para todos os que o querem acompanhar.
Funcionário público, Pedro Pimenta, de 52 anos, é já um veterano das caminhadas – durante mais de uma década, liderou a secção de Pedestrianismo do Clube de Lazer, Aventura e Competição (CLAC) do Entroncamento, onde reside. Num registo informal, de impressões e pensamentos soltos, partilha agora, no site da VISÃO, uma espécie de diário desta aventura pela costa, ao mesmo tempo que nos brinda com belas fotografias e vídeos dos locais por onde passa (também os pode ver no site do projeto Costa a Pé).
Este é o relato da quinta etapa, entre a Nazaré e Ribamar (Lourinhã), realizada nos dias 25 e 26 de maio.
Sábado, 25: Nazaré – Peniche, 47 kms
Entramos na costa Oeste. Temos que mudar um pouco a nossa mobilidade e adaptar-nos o melhor possível, fazendo pequenas alterações. Podemos dizer que esta região é um pouco pobre a nível de transportes públicos. Tão perto da capital e tão longe ao mesmo tempo. A opção é utilizar viatura própria, partilhada com o António Gonçalves, que vem ao meu encontro para arrancarmos às 4 da manhã, direitos a Ferrel, Baleal. Quando lá chegamos, o António Carvalho e o filho, Hélder Carvalho, já estão à nossa espera. Mas não damos logo por eles. Está escuro, e o Carvalho está vestido de preto. Inicialmente, passa-me despercebido. Mais uma vez, e ainda bem, as mochilas mais pesadas ficam em casa do Carvalho, e assim temos a vida mais facilitada.
Lá vamos todos em direção ao Sítio da Nazaré, onde deixo o meu carro durante todo o fim de semana. Somos quatro desta vez, com o Hélder a tornar-se o mais novo caminheiro, até agora, a participar nesta aventura. Tomamos o pequeno-almoço na baixa da Nazaré, por volta das sete da manhã, e a essa hora já nos estão a saudar e a desejar boa viagem. Saímos da cidade pela marginal, rumo ao Rio Alcobaça. O dia está limpo, com uma aragem de Norte. Entramos na terra na Quinda de S. Gião, onde se situa a igreja de São Gião, em ruínas há muitos anos, meia protegida com andaimes e contenções de fachadas. Por enquanto, tudo bem connosco. Caminhamos a direito, com alguma areia à mistura. O Hélder parece satisfeito, tudo indica que irá correr bem a jornada dele. Está algum calor a meio da manhã. Levamos mais água, o que significa mais algum peso.
Começamos a subir na zona da Praia do Salgado, Serra de Mangues. Trilhos no cume das falésias, onde camadas como fatias se desligam da terra. Estamos ansiosos por avistar S. Martinho, mas ainda falta um pouco. O caminho não permite caminhar aos pares. Temos de ter muita atenção onde pomos os pés. Progredimos em fila indiana.
Cada canto da nossa costa tem o seu quê de espetacularidade. O Hélder está maravilhado. Vai falando de outras experiências pedestres que já tivera enquanto tira umas fotos. Surpreendente o que se nos depara nas arribas do Facho, que abateram de tal modo que as fissuras são visíveis nos muros, o caminho de acesso transformado em montes de terra que a qualquer momento podem deslizar… Esperamos que não seja à hora errada no momento errado.
Eu e Carvalho tentamos ir junto à vedação. Não nos inspira muita confiança. Voltamos para trás. Temos mesmo que passar pelo meio do deslizamento de terra, com pezinhos de lã. Mais um miradouro e avistamos a mais bela baía de Portugal, em todo o seu esplendor. Descendo umas escadinhas em direção ao túnel, comento que, de todos os cheiros das ETAR’S, grande parte junto à costa, aquele é o mais agradável. Rimos todos. Estamos nas traseiras de um restaurante, o que faz toda a diferença nos odores. Paramos para comer e beber alguma coisa, e apreciar a linda praia em forma de lua em quarto crescente. Já levamos 17 kms nas pernas, mas ainda há muito para andar. Os passadiços que nos levam a Salir do Porto encontram-se degradados, devido aos ventos fortes que vão descalçando as madeiras. O calor aperta… Depois de fazermos um estradão em modo sobe e desce, entramos no alcatrão. Sempre a evitar a estrada, por causa da temperatura, que passa para as solas do calçado. Pior: desde São Martinho que já venho a sofrer um pouco. Estou “assado” e agrava-se a cada passo. Apesar de me precaver com vaselina, a transpiração não dá tréguas.
Caminhamos até a Foz do Arelho. Combinámos com um grande amigo destas andanças, o António Silva, dos Caminheiros do Litoral, a possibilidade de atravessar a lagoa de barco, para a outra margem. Está fora de causa fazer todo o seu perímetro, que acrescentaria quase 20 kms ao já de si longo percurso. Como não é possível, leva-nos em viatura própria até ao Bom Sucesso.
Já com 32 kms nas pernas, equaciono se continuo e ponho em risco o dia seguinte ou se vou de transporte nos últimos 15 kms da etapa e trato das mazelas para melhorar. Falo com o grupo. Compreendem perfeitamente a minha situação. Sei que não se perdem. São pessoas habituadas a caminhar.
Regresso então a Ferrel, onde tomo um banho em casa do António Carvalho. Besunto-me de pomada e deito-me na cama de pernas afastadas, para fazer efeito. Três horas depois, eles aparecem. Cansados mas felizes de terem terminado esta etapa. Não em Peniche, como previsto, mas em Ferrel, seis quilómetros antes, o que até calha muito bem.
O jantar é calórico. Só podia, depois de tanto sacrifício e energia gasta. Para não esquecer, antes de irmos para a cama vemos o final do Sporting-FC Porto, da Taça de Portugal. Vale a pena… Amanhã, saída às 7 da matina, com 40 kms pela frente. Agradecimento ao António Carvalho, pela cedência da casa em Ferrel.
Despesas: Transporte (automóvel particular) – €25; Refeições: Alimentação: €12
VEJA A GALERIA DE IMAGENS E O VÍDEO DESTE DIA:
Domingo, 26: Peniche – Ribamar, 40 kms
Saída de Ferrel, pouco passa das 7 da manhã. Esteve calor durante a noite, sabe bem o fresco da madrugada. O Carvalho vai deixar o carro num sítio estratégico para que bata tudo certo no regresso. Ponho à prova as minhas mazelas. Será que tinha feito bem encurtar um pouco a minha caminhada para ficar bom no dia seguinte? Está tudo bem e vamos direitos ao Baleal, eu, o Gonçalves e o Hélder. O mar está um pouco agitado, mas mesmo assim é uma boa hora para dar um mergulho. É melhor não… por motivos óbvios.
Na ecopista, falamos de caminhadas e de algumas aventuras passadas, para quebrar a monotonia. Mais à frente, o Carvalho vem ao nosso encontro entramos já os quatro em Peniche. Sempre junto às falésias e ao som das ondas a bater nos rochedos, como música de fundo. Bonitas formações geológicas criadas pelo tempo. Pequeno-almoço num hipermercado, o que também serve sempre para irmos à casa de banho. Seguimos em direção ao cabo Carvoeiro. Através da bruma, distingue-se o recorte das Berlengas.
O Hélder e o Carvalho vão à frente, a mostrar o caminho que conhecem bem. Há muito que não vinha a Peniche. Adoro as pequenas praias viradas para sul, com mar calmo e águas limpas. Passamos num bairro de pescadores, de casas coloridas, um toque que está na moda. Depois de mais de 10 kms percorridos, estamos outra vez perto da entrada da cidade, uma cidade espetacular por sinal. Avançamos pela areia, através de pequenas praias. Comemos uma sopa e umas sandes na Consolação. Começa-se a notar algum movimento nas praias.
As subidas tornam-se mais acentuadas, curtas mas inclinadas. Os caminhos estreitos não permitem conversa, só atenção redobrada. Uma das coisas que temos de mais bonito são estes percursos criados por apaixonados pela costa portuguesa, sempre pelo alto das falésias. O ritmo é mais calmo e desgastante, por vezes obriga a algum esforço.
Peripécia. Queremos encontrar um antigo caminho marcado, mas a Natureza fechou-o. É um desafio andar no meio de canas e silvas num terreno ondulado, com a agravante das mochilas às costas e dos quilómetros já percorridos. Temos que gerir o cansaço e o tempo, e temos que arranjar sempre alternativa.
Já não é a primeira vez nem será a última que vejo monumentos abandonados e a degradarem-se. Falo do Forte de Nossa Sra. dos Anjos de Paimogo, no Lugar de Paimogo, na Lourinhã. Uma relíquia com uma paisagem magnífica… Enfim.
Trepamos falésias sempre com a satisfação de chegar ao cimo. Esta zona Oeste é muito rica em variedade. Os meus companheiros de viagem vão bem. Trocamos conversas e comentários do que vamos vendo, desde as hortas às casas e às vistas, conversas ligeiras.
Devido à gestão que fizemos, de forma a regressarmos nos nossos carros, acabamos por parar na Praia da Areia Branca. Com a promessa de fazermos o resto do percurso a Ribamar, 10 quilómetros aproximadamente, dentro de dias. Sentamo-nos numa cervejaria a matar a sede e à espera de um táxi que nos leve a Peniche. Dali o Carvalho conduz-nos à Nazaré, no carro dele, e depois sigo com o Gonçalves, no meu, até ao Entroncamento.
Esta foi uma etapa de adaptação às falésias, um sobe e desce por caminhos sinuosos que se vai manter até ao Guincho. Relativamente ao Hélder, portou-se muito bem e aguentou. Coisas da idade, “tá-se bem”. Obrigado Hélder pela tua participação. Quanto o Carvalho e ao Gonçalves, esses são umas máquinas.
Despesas: Transportes (automóvel particular e táxi) – €31; Alimentação: €6
VEJA A GALERIA DE IMAGENS E O VÍDEO DESTE DIA:
As 16 etapas do projeto Costa a Pé
1) 26 e 27 de janeiro: Monção – Caminha – Viana do Castelo, 47 + 27 kms
2) 23 e 24 de fevereiro: Viana do Castelo – Póvoa de Varzim – Porto, 53 + 42 kms
3) 23 e 24 de março: Porto – Ovar – Aveiro, 44 + 38 kms
4) 25, 26, 27 e 28 de abril: Aveiro – Tocha – Figueira da Foz – Pedrógão – Nazaré, 47 + 38 + 38 + 45 kms
5) 25 e 26 de maio: Nazaré – Peniche – Ribamar, 51 + 36 kms
6) 8, 9 e 10 de junho: Ribamar – Ericeira – Almoçageme – Cascais, 36 + 27 + 27 kms
7) 13 de junho: Cascais – Lisboa, 33 kms
8) 22 e 23 de junho: Trafaria – Meco – Sesimbra, 30 + 25 kms
9) 20 e 21 de julho: Sesimbra – Setúbal – Comporta, 30 + 28 kms
10) 24 e 25 de agosto: Comporta – Santo André – Porto Covo, 36 + 34 kms
11) 21 e 22 de setembro: Porto Covo – Almograve – Odeceixe, 35 + 37 kms
12) 26 e 27 de outubro: Odeceixe – Chabouco – Vila do Bispo, 35 + 31 kms
13) 23 e 24 de novembro: Vila do Bispo – Sagres – Lagos, 33 + 37 kms
14) 28 e 29 de dezembro: Lagos – Portimão – Armação de Pêra, 28 + 27 kms
15) 25 e 26 de janeiro de 2020: Armação de Pêra – Quarteira – Olhão 31 + 35 kms
16) 23 e 24 de fevereiro de 2020: Olhão – Cabanas – Vila Real de Santo António 35 + 25 kms