Em 2018, Marta Cabrita foi celebrar sozinha o Carnaval, o chamado Mardi Gras (terça-feira gorda), a Nova Orleães, nos Estados Unidos da América. Entretanto, anda a pesquisar voos baratos para a Colômbia ou para a Tanzânia, hipóteses para as próximas férias grandes. Com um orçamento limitado, a gestora de projetos, 29 anos, não se priva de nada no que à comida, às atividades e ao alojamento diz respeito, apesar de não embarcar em experiências de excessos ou de luxo. “As férias, para mim, não são para descansar”, assume.
Há nove anos, viajou sozinha, pela primeira vez, para fazer Erasmus em Pisa, Itália. No fim do programa de intercâmbio universitário, Marta enviou a bagagem para casa, em Lisboa, e seguiu num interrail de um mês, passando por vários países escandinavos e da Europa Central. Antes dos 20 anos, só conhecia Portugal, Espanha, França e Noruega – agora já contabiliza 61 Estados no seu passaporte.
Cerca de 15% dos turistas viajaram sozinhos no último ano, segundo um relatório da Associação Britânica de Agentes de Viagens – uma percentagem em grande crescimento, tendo mais do que duplicado desde 2011. A faixa etária que apresentou o maior aumento foi a dos 35 aos 44 anos. Por cá, a tendência é mais recente e, por isso, a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo ainda não dispõe de números sobre os portugueses que optam por partir sozinhos.
No entanto, o aumento do número destes viajantes é bem visível para quem está no terreno. Aberta há dois anos, a agência Landscape, especializada em viagens lideradas para grupos de quatro a 12 pessoas, atribui a este nicho das solo trips uma das razões do seu crescimento – e muitos dos seus clientes são pessoas que não têm com quem viajar mas também não querem ir sozinhas e, deste modo, sentem a segurança de ir num grupo com um líder que conhece o destino, mantendo a ideia de sair da zona de conforto, sem a companhia de amigos ou familiares.
Esta tendência, de viajar realmente sozinho ou com um grupo de desconhecidos numa viagem organizada por uma agência, é impulsionada pela tecnologia – um grande número de aplicações “acompanha” os viajantes, dando-lhes dicas dos locais, permitindo-lhes enviar mensagens em todo o mundo, facilitando a tradução de uma língua para outra e pondo-os em contacto com outros turistas a solo.
O mundo não é um lugar estranho
Marta costuma consultar blogues de outras pessoas que viajam do mesmo modo, mas não recorre a agências de viagens. “Não gosto de me sentir presa a um percurso.” Agenda a primeira noite e, já no destino, descobre o caminho a seguir, sem grandes planos. “Planear pode fazer sentido, mas os imprevistos acontecem sempre.” Na Grécia, em Santorini, quase não sobrevivia para contar. Depois de um acidente de mota que a levou ao hospital, Marta foi levada a passear pelos anfitriões que a tinham recebido na sua casa e pelo médico que a tratou. Assim descobriu um lado do seu destino de férias que, de outra maneira, não teria sido possível conhecer. É à mãe que liga nas maiores aflições e, por cá, a progenitora já se habituou a só receber um telefonema quando Marta muda de cidade, como durante os três meses em que andou a deambular pela América do Sul. “O mundo é um sítio seguro. Só temos de saber estar sozinhos e aprender a lidar com esses momentos.”
O blogue Alma de Viajante é uma das fontes de informação de Marta. Foi criado há 15 anos por Filipe Morato Gomes, que se inspirou no blogue Vagabonding, do jornalista Mike Pugh. Na altura, ter sido despedido foi a melhor coisa que lhe aconteceu – Filipe tinha um emprego na área de multimédia, mas já andava há vários anos a ameaçar despedir-se para ir dar uma volta ao mundo. E foi. Durante 14 meses, entre julho de 2004 e setembro de 2005, o blogue ganhou novo fôlego à boleia das crónicas semanais escritas no Fugas, suplemento do Público, e a partir dessa altura decidiu viver só das viagens, da sua prosa e das fotografias.
“É melhor viajar, seja de que forma for, do que ficar em casa. Mas a grande vantagem de viajar sozinho é, por um lado, conhecer mais gente, pois estamos predispostos a isso, e também é mais fácil as outras pessoas abordarem-nos; por outro lado, ganha-se um autoconhecimento incrível, porque todos os dias temos de tomar decisões, perceber quais são os nossos limites, os nossos medos e onde nos sentimos confortáveis”, explica. “Quando viajamos sozinhos, não temos de arranjar compromissos com ninguém, já numa viagem a dois ou a três é sempre preciso fazer cedências, porque as pessoas têm ritmos e interesses diferentes. Aí deixa de ser ‘a tua viagem’ e passa a ser ‘a nossa viagem’”, acrescenta.
Filipe Morato Gomes, 47 anos, gosta sempre de ter um plano, “nem que seja para não o seguir”. Na sua opinião, é bom fazer algumas pesquisas, quanto mais não seja para não cometer erros grosseiros de comportamento que podem ofender os locais. “É dos imprevistos que surgem as melhores histórias.” Por dia, o blogger recebe dezenas de emails de pessoas a pedirem dicas. A insegurança é dos temas mais abordados. “As pessoas são mesmo boas em todo o lado. O exemplo mais paradigmático é o Irão, onde já fui mais de 20 vezes, e que tem dos povos mais hospitaleiros que conheço…”
A democratização das viagens faz com que em todo o lado haja pessoas também sozinhas, para partilhar uma visita a um monumento ou até percorrer o mesmo itinerário nos dias que se seguem. Para o autor do blogue Alma de Viajante, andar sozinho não é melhor nem pior, é simplesmente diferente. “A liberdade de decidir onde acordar e para onde ir não tem preço. Uma liberdade que muitas pessoas não têm no dia a dia.”
Sem qualquer tipo de religiosidade associada, há muito tempo que a psicóloga Catarina Marques, 37 anos, queria percorrer o Caminho de Santiago ou, pelo menos, parte dele. A necessidade de ter um momento de introspeção levou-a, há dois anos, no pico do verão, a zarpar de Ponte de Lima para caminhar em seis dias cerca de 150 quilómetros até Santiago de Compostela, na Galiza. Apesar da vontade de estar sozinha, passou muitos momentos acompanhada. “Encontramos muitas pessoas nas mesmas circunstâncias, é muito fácil não estar sozinho. Perdi medo e ganhei liberdade”, conclui.
Apps para levar na bagagem
Mapas e GPS em Maps Me e Google Maps
Couchsurfing Travel App, secção “Hangout Now” – ideal para encontrar pessoas, locais e socializar
Conversor de moeda: XE Currency e Oanda
Atividades ao ar livre: The Outbound
Cartão bancário Revolut com taxas inexistentes ou reduzidas, face aos bancos tradicionais
Reservar alojamento: Airbnb e Booking
Globestamp, para partilhar memórias, histórias, fotos, sugestões
Registo na app gratuita Registo Viajante, permitindo ser localizado e contactado em caso de catástrofes naturais, acidentes ou atentados