A primeira edição deste ensaio, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, esgotou em menos de uma semana e isso, confessa Francisco George, que foi diretor-geral da Saúde entre 2005 e 2017, é algo que o deixa muito satisfeito. Aos 71 anos, o especialista em Saúde Pública, atualmente à frente dos desígnios da Cruz Vermelha Portuguesa, sublinha que as regras para se viver bem são simples e estão ao alcance de cada um – como quem diz, não fumar, fazer atividade física regular, comer menos sal e menos açúcar, e ainda recusar gorduras trans, que são as de origem industrial. Mas também assume que se mantém um fosso social imenso no acesso aos cuidados de saúde, ou seja, os ricos continuam a ter saúde durante mais tempo do que os pobres
Neste cenário, até que ponto somos responsáveis pela nossa saúde?
Bom, há fatores individuais e outros que dependem do nosso contexto de vida. O primeiro é o fumo. Não fumar tem de ser a regra e isso é incontornável, tal como não aceitar estar sujeito ao fumo passivo. A alimentação deve ser equilibrada. O exercício físico também tem de passar a fazer parte da nossa vida regularmente. Mas o fator pobreza também tem um peso tremendo, porque torna desigual o acesso aos cuidados de saúde. Não podemos aceitar que os mais ricos tenham melhor medicina. Os abonos de família têm, cada vez mais, de ser atribuídos a quem mais precisa, em vez de serem distribuídos por toda a comunidade. As crianças não podem passar dificuldades porque isso vai ter reflexos na sua vida, na sua saúde futura.
É curioso assumir que, apesar de toda a informação sobre os malefícios do tabaco e do sal e do açúcar, isso não chega para mudar comportamentos. O que fazemos agora?
Temos de insistir. Continuar a dar literacia até que estas opções se tornem as escolhas generalizadas. Não sou muito defensor de proibições. Julgo que é mais importante insistir no sentido pedagógico. As pessoas hão de acabar por compreender que devem consumir menos sal. Sabe de onde é que isto vem? Como a eletricidade e os frigoríficos chegaram tarde a Portugal, as pessoas usavam o sal para conservar os alimentos durante mais tempo – e acabaram por se habituar a um sabor mais salgado. Mas quando os médicos dizem que o sal em excesso faz isso é uma evidência científica. Provoca hipertensão arterial e isso é criar obstáculos ao trabalho do coração, é-lhe exigido muito mais esforço para funcionar. E depois seguem-se as insuficiências cardíacas e afins…
Há quem diga que o consumo de álcool é um problema de saúde pública que tem sido pouco valorizado. Concorda?
É público que o álcool é o maior responsável pela mortes prematuras em acidentes a partir da juventude. E depois tem um peso tremendo nos acidentes de trabalho. Mas olhe, o meu livro não é um tratado de saúde pública, é um ensaio: quer apontar os problemas que ultrapassámos e os que se nos vão apresentar no futuro.
É então por isso que a dada altura se lê que a medicina só passou a fazer sentido no último século quando passou a servir para prolongar a nossa vida?
E a reduzir o sofrimento. Imagina o que eram as cirurgias sem anestesia? Passei muitos anos a pensar o que deveria ser a Saúde Pública e hoje não há dúvidas: ao nascer, o que se espera é que se vá viver mais tempo e com melhor qualidade de vida.
E como é que isso nos traz, como sublinha, mais felicidade e também democracia?
A democracia, que surge na Grécia antiga, em 500 a.c, foi defendida por Clístenes como a preocupação de dar a todos os cidadãos da cidade-estado a oportunidade de a dirigir. É no sentido de igualdade de oportunidade aos cuidados de saúde que esta se liga com a democracia. Não pode haver listas de espera para uns e para outros não. A felicidade? Bom, se formos mais prósperos seremos mais felizes. É só isso.