O nome IRA evoca um grupo terrorista da Irlanda do Norte. Mas o propósito do acrónimo terá mais a ver com o facto de estarem irados. Irados com a situação dos animais maltratados em Portugal. O IRA (Intervenção e Resgate Animal) é um grupo que se dedica a “resgatar” cães, gatos e cavalos em situação de negligência ou maus-tratos. Recebe e divulga denúncias pelo Facebook, e, quando alguém se disponibiliza para acolher o animal, os membros do IRA põem–se em ação: vão ao local onde os animais se encontram (incluindo casas particulares) e recolhem-nos, publicando imagens dos “salvamentos” no Facebook e no YouTube. Sempre de cara coberta. A maioria dos 71 mil seguidores do IRA parece concordar com os seus métodos – são numerosas as manifestações de apoio.
Nem todos concordam. Chegaram à VISÃO duas situações de resgate (ambas em outubro) que os donos juram terem sido injustas. Numa, o dono, de Cascais, garante que a primeira foto divulgada no Facebook, em que o seu cão aparecia na varanda com sinais de magreza extrema, foi captada há quase um ano, quando o animal estava doente. “Ele tem leishmaniose, que é uma doença incurável. Mas comecei a dar–lhe comida húmida, a cozinhar para ele, e foi melhorando. Como se vê pela imagem mais recente que o IRA publicou, já nem sequer está magro”, diz o dono do cão, que não se quer identificar por medo. “Eles publicaram uma foto da minha cara e os meus dados no Facebook e subiram a um segundo andar para me virem roubar o cão. Já não me sinto seguro na minha própria casa.” Outro dono, que também não quer ser identificado (“Eles são vingativos”, desculpa-se), assegura que os seus cinco cães de caça foram levados por engano das suas instalações de Algés, Oeiras. “O meu vizinho sim, tinha lá um cão em mau estado. Mas os meus estavam bem. Eu adoro animais. Até acho bem que eles resgatem animais maltratados, mas os meus estavam ótimos. Aliás, tinha lá ido a veterinária municipal, que recebeu uma denúncia, e confirmou que os cães estavam bem. Nem pulgas tinham.” O homem diz que fez queixa à polícia, mas que esta “não mostrou grande interesse”. O caso já foi arquivado por falta de provas, apesar de o grupo ter publicado um vídeo no YouTube a roubar os cães.
A VISÃO confrontou o IRA com estes casos, por email, mas o grupo garante não se ter enganado. Em relação ao animal da varanda, que primeiro surgia esquelético mas apareceu bem nutrido no dia do resgate, a diferença “deve-se aos moradores que atiravam comida e à pressão das autoridades.” O cão “encontra-se sob supervisão veterinária e o médico que o observou atribui o seu estado de saúde a pura negligência”.
Quanto aos cães de Algés, o IRA conta outra versão: “Deslocámo-nos ao local e constatámos que haviam gaiolas/jaulas com diversos canídeos porte médio e pequeno amontoados, cheias de fezes e comida espalhada em cima das mesmas. Uma vez mais disponibilizámos a nossa plataforma para acolher os animais a quem os resgatasse, tendo sido examinados por um veterinário que verificou diversas escoriações, parasitas externos (pulgas e carraças) e ferimentos em cicatrização. Uma das cadelas foi submetida a uma intervenção cirúrgica por terem sido detetados tumores nas cadeias mamárias.” O dono, novamente contactado pela VISÃO, nega terminantemente. “É mentira. Nem uma carraça. E eu lavava o local todos os dias.”
A verdade é que, fora um ou outro caso mais duvidoso, não é certo que o grupo tenha uma atuação completamente à margem da lei, avança Maria da Conceição Valdágua, professora de Direito Penal e presidente da Pravi – Proteção de Apoio a Vítimas Indefesas. Se o IRA rapta animais “fazendo cessar a agressão ilícita que está a ser praticada sobre o animal, estará a atuar a coberto do direito de legítima defesa de terceiro ou auxílio necessário, previsto no art. 32º do Código Penal. Direito que, aliás, pode ser exercido por qualquer pessoa e poderá evitar a continuação do sofrimento do animal ou mesmo a sua morte.”