A intenção pode ter sido boa, mas o lançamento da balaclava da Nike, uma espécie de capuz que protege a cabeça, pescoço e parte superior do tronco, e só deixa à mostra os olhos, fica marcado por uma polémica que já levou a marca a retirar este acessório do mercado. Na verdade, a balaclava MMW foi criada pelo designer Matthew Williams, para manter aquecidas as pessoas no inverno, enquanto praticam exercício físico, no entanto, nas fotografias da coleção os modelos surgem com uma vestimenta preto integral, num jovem branco, ou até com outro acessório semelhante a um cinto das forças especiais militares, num rapaz negro. Tudo leva a crer que a campanha foi pensada para um público-alvo específico e especial: jovens que procuram um visual inspirado nos estereótipos dos membros dos gangues ou até mesmo nos terroristas que surgem assim camuflados em muitos vídeos de propaganda.
Num vídeo divulgado na sua página de Facebook, Paul McKenzie, um comentador que, regularmente, aborda questões de crime que afetam a comunidade negra em Londres refere que é sabido como estes jovens das ruas adoram estes fabricantes, comprando tudo o que vendem. “Nós olhamos para imagens de jovens na rua e já parecem ameaçadoras. Então a Nike decide vender uma balaclava que parece absolutamente ameaçadora. Talvez esteja a ficar velho, talvez seja um dinossauro, mas essa balaclava parece bastante ameaçadora.”
Num outro vídeo postado no Twitter, o comediante White Yardie também condenou a Nike. “Digam-me que é uma piada, porque neste momento parece que está a alvejar os jovens que estão envolvidos em crimes de gangues, e com todos esses recentes esfaqueamentos que temos visto agora em Londres, isto é definitivamente algo que não queremos ver.”
Um porta-voz da Nike já veio a público falar sobre a questão: “Esses produtos faziam parte de uma coleção mais ampla da Nike Training, baseada em diferentes modelos e disponível em vários mercados de todo o mundo. Não estamos de forma alguma a ser tolerantes ou a encorajar a séria questão da cultura criminosa e de gangues.”
O NeryLab NRG Beryllium Balaclava x MMW foi lançado em 12 de julho, custando €76, como parte de uma série de colaborações com Matthew Williams, um designer cujas roupas são usadas por Kanye West, Travis Scott e Tom Sachs, entre outros. Desde a passada segunda-feira, 20, que este “passe montagne” envolto em polémica foi retirado do site oficial da Nike, com venda online. A maior parte da coleção esgotou, mas a balaclava parece ser o único produto completamente retirado. Na página lê-se agora uma mensagem a dizer: “o produto que procuras já não se encontra disponível”. A coleção também inclui um casaco (€428) com um capuz que inclui uma máscara facial.
Quando o marketing dá um tiro no pé
Este não é um caso isolado em que a estratégia de marketing e publicidade de uma marca sai um verdadeiro tiro no pé.
Em 2013, a Samsung retirou os anúncios promocionais a um tablet, depois de a blogger de moda portuguesa Pépa Xavier ter gerado um sururu à volta do seu ordenado de €700 num emprego precário e do sonho de querer comprar uma mala Chanel de três mil euros. A chuva de críticas levou a marca sul-coreana a retirar a campanha, que tinha por base os desejos de cinco bloggers ligados à moda.
A campanha de Luta Contra o Tabagismo, “Uma princesa não fuma”, da Direção-Geral da Saúde, gerou bastante controvérsia, apelidada de misoginia e culpabilizante das mulheres. “Opte por Amar Mais” é o título do filme com cerca de 16 minutos, protagonizado pela atriz Paula Neves, no papel de uma mulher com cancro do pulmão em estado terminal, que está preocupada que a filha também venha a ter o vício do tabaco.
A britânica Dove começou por ser inovadora ao chamar mulheres ditas comuns, sem seguir os cânones de beleza, para os seus anúncios. Gordas, magras, altas, baixas, novas, velhas, todas são a “beleza real”, nome da campanha. Mas, no ano passado, uma das suas campanhas inovadoras foi acusada de racismo. Em três séries de imagens via-se uma mulher negra que, depois de usar os produtos da marca e ao despir a t-shirt, transformava-se numa mulher branca, e a mulher branca, por sua vez, despia a camisola para transformar-se em asiática. Já, em 2015, a Dove pôs à venda um creme que dizia ser adequado para “peles normais às mais escuras”; e em 2011, outro anúncio mostrava três mulheres com tons de pele diferentes em fila, sugerindo que a mulher de pele mais clara representava o resultado final, depois da mulher mais escura utilizar o produto.
Este verão, em junho, a Benetton, marca italiana de roupa, que já nos habituou a anúncios diferentes, deu que falar pelos piores motivos. Quiseram fazer um “statement” sobre a crise dos refugiados, nomeadamente, com os 629 migrantes salvos em pleno Mediterrâneo por um navio de ajuda humanitária, o Aquarius, que o Governo italiano proibiu de entrar no seu país. Uma das imagens mostra funcionários do SOS Méditerranée a distribuir coletes salva-vidas a migrantes num barco cheio na costa da Líbia. Na outra foto vêm-se mulheres migrantes e os filhos num posto de ajuda humanitária em Itália.
Um suposto anúncio de emprego da Burger King espanhola, divulgado em 2017, foi arrasado nas redes sociais, até pelos deputados espanhóis. A oferta de emprego procurava colaboradores para fazer as entregas ao domicílio que soubessem “estudos superiores ou similares” e “conhecimentos de literatura, matemática, história, geografia, política, desporto, assim como outras temáticas de cultura geral”, habilidades lúdicas como destreza em videojogos e valorizam-se aptidões em música ou canto. “Não sabia que se podia cantar e jogar videojogos enquanto se conduz. O que sei é que podiam começar a pagar salários dignos”, escreveu o deputado do Podemos Íñigo Errejón. “Está a causar polémica e era isso que esperávamos. Estamos contentes. Somos trending topic graças a este anúncio e está a ir bastante bem”, explicou a responsável do departamento de Marketing, Bianca Shen.
A propósito do mais recente Mundial de Futebol na Rússia, a Burger King incentivava as mulheres russas a engravidarem de jogadores que participassem na prova, numa campanha que oferecia hambúrgueres vitalícios e 40 mil euros. “As mulheres que conseguirem os melhores genes futebolísticos vão promover o sucesso da equipa russa nas próximas gerações”, lia-se num anúncio na rede social russa VKontakte, semelhante ao Facebook.
As boas intenções da Pepsi ao contratar a modelo americana Kendall Jenner para um anúncio cuja ideia era apelar à igualdade e harmonia entre todos, saíram goradas. A polémica centrava-se precisamente no membro do clã Kardashian, uma socialite branca no papel de uma negra, Leisha Evans, numa manifestação contra o racismo. “Este é um anúncio global que reflete pessoas de diferentes esferas da vida que se juntam em espírito de harmonia. (…) Pensámos que seria uma mensagem importante de transmitir”, defendia a marca.
A marca de roupa sueca H&M foi muito criticada, no início deste ano, por mostrar um menino negro com uma camisola a dizer “Coolest monkey in the jungle” (O macaco mais fixe da selva, em português). O mesmo foi comparado com outra imagem de campanha com um menino branco vestido com uma camisola idêntica com a frase “especialista em sobrevivência” estampada.
Os clientes da Adidas que participaram da Maratona de Boston, em 2017, receberam um e-mail cujo Assunto dizia, simplesmente: “Parabéns, sobreviveu à Maratona de Boston!”
Escusado será dizer que veio de imediato à memória a tragédia de 2013 em que três pessoas morreram e 250 ficaram feridas na mesma prova desportiva.