Quando, em meados dos anos 80, o homem de fato atrás dele se aproximou e lhe pousou a mão no ombro, Bill Benter temeu o pior. Eram sobejamente comentadas no meio as histórias de agressões em salas recônditas dos grandes casinos de Las Vegas, sempre que algum apostador ludibriava a casa e começava a arrecadar mais dinheiro do que o normal. Mito ou realidade, Bill era já um especialista a contar cartas no blackjack e pressentia, nos seus 27 anos, que também os dias de lucro na capital do jogo estavam contados.
Tinham passado cinco anos desde que abandonara o curso de Física em Pittsburgh, no Estado americano da Pensilvânia, do outro lado do país (Costa Leste), determinado a fazer um uso mais prático dos conhecimentos matemáticos. Ao início, trabalhara numa loja de conveniência para poder fazer as apostas nos casinos, mas depressa lhe toparam o talento e o convidaram para integrar uma equipa profissional. Um ano depois, o rendimento anual já batia nos 80 mil dólares (68 mil euros).
No dia em que os seguranças o abordaram em plena mesa de jogo, não chegaram a molestá-lo fisicamente ‘na sala de interrogatório’. A punição foi mais severa: o nome Bill Benter passou a constar de uma lista negra de pessoas proibidas de frequentar os casinos. E, sendo assim, os planos para conquistar Las Vegas ficavam definitivamente comprometidos.
Por sugestão do líder da sua equipa de blackjack, decidiram então apostar noutro cavalo: precisamente, corridas de cavalos. Em Hong Kong, onde a atividade era uma espécie de desporto nacional e oferecia milhões em prémios. A parceria, no entanto, não resistiria a um primeiro ano de prejuízos.
Bill era o programador por trás de um algoritmo que começou a desenvolver para prever os cavalos vencedores, através de critérios tão variados como os resultados das últimas corridas (criou uma base de dados com o histórico das competições), a velocidade do vento ou os dias de descanso dos cavalos entre corridas. Se chovia ou fazia sol, ao contrário do que chegou a equacionar, não interferia nos resultados, concluiu após avaliar a possibilidade com base em registos meteorológicos.
Das 16 variáveis inicialmente consideradas para antecipar o desfecho das corridas, insuficientes para gerarem lucros, o software passou a contemplar, com o passar dos anos, mais de 120. Todos os pormenores contavam para o cálculo matemático. Incluindo um fator de ponderação para os cavalos que eram favoritos em determinada corrida e acabavam por falhar. Uma “espécie de regulador do azar”, como lhe chama a revista Bloomberg Businessweek numa extensa reportagem, publicada este mês, em que Bill Benter abre o jogo, pela primeira vez, sobre a sua incrível saga no mundo das apostas de corridas de cavalos.
Jackpot para caridade
Depois dos prejuízos do primeiro ano em Hong Kong, Bill Benter voltou aos EUA, em 1986, para se refinanciar. Criou uma equipa de blackjack em Las Vegas e dirigiu-a a partir dos bastidores até acumular umas centenas de milhares de dólares. Dois anos passados, de regresso a Hong Kong, o algoritmo que foi aperfeiçoando nos tempos livres já era capaz de garantir lucros nas corridas de cavalos.
Bill nunca punha os pés nas célebres pistas de relva ovais. As apostas seguiam por telefone e depressa o sucesso o obrigou a recrutar ‘tarefeiros’ para realizarem as chamadas de acordo com as previsões geradas por computador. Ao mesmo tempo, especialistas de várias áreas, de jornalistas a matemáticos, tornaram-se consultores para oferecerem dicas sobre fatores capazes de influenciar o resultado final e, assim, aprimorar o algoritmo.
No início dos anos 90, Bill obteve cerca de três milhões de dólares (€2,5 milhões) de lucro, revelou no citado artigo da Bloomberg Businessweek. Os promotores das corridas entraram em contacto com ele e, uma vez que era dos melhores clientes, perguntaram-lhe se poderiam fazer algo para melhorar o serviço. E que tal permitir apostar por via de um terminal eletrónico?, sugeriu-lhes. Dito e feito: os lucros anuais dispararam para lá dos 50 milhões de dólares (€42,5 milhões).
A cereja em cima do bolo, porém, estava reservada para o desafio mais complexo – e por isso, também, o mais apetecível. Uma aposta com mais de 10 milhões de combinações possíveis (ainda assim um décimo daquelas que o concurso Euromilhões permite). Consistia em acertar nos três primeiros classificados de três corridas, o chamado jackpot triplo trio, cujo bolo vai aumentando até haver um vencedor. Ao acertar na combinação certa, corria o ano de 1997, Bill deixou de ser popular entre os promotores da atividade, que retaliaram em dose dupla: não só acabaram com as apostas via terminal eletrónico privativo, como proibiram o recurso a chamadas telefónicas para o mesmo efeito.
Em resposta, Bill Benter espalhou pela cidade, junto a terminais públicos de apostas, várias salas de computadores com capacidade para imprimirem milhares de boletins nos minutos anteriores às corridas, e depois registados por apressados funcionários em tempo recorde, por vezes do outro lado da rua. Para evitar entrar numa lista negra, como nos casinos de Las Vegas, deixou de ir atrás dos prémios mais gordos e optou por caçar menos de cada vez. Discrição, acima de tudo.
Até que, em 2001, no auge da parada, um jackpot de 16 milhões de dólares (€14 milhões) o fez voltar à carga. Não fazia tenção de reclamar o prémio, mas queria voltar a testar o seu algoritmo, cada vez mais preciso. E eis que, entre as 51 mil apostas que registou por uma verba de 1,6 milhões de dólares (€1,4 milhões), saiu-lhe de novo a sorte grande. Que de sorte, na verdade, teria muito pouco.
O prémio nunca chegou a ser reclamado. Em vez disso, Benter escreveu uma carta anónima à organização, em que na qualidade de vencedor declarava a intenção de abdicar da avultada verba, destinando-a a instituições de caridade. Pelas regras do concurso, era sempre essa a finalidade dos prémios não reivindicados.
Convicto de ter decifrado o código para dominar o sistema, Bill Benter regressaria meses depois aos Estados Unidos, onde em 2007 criou uma fundação que apoia projetos na área da saúde, educação e artes. Continuou sempre a apostar em corridas de cavalos, longe dos holofotes, e garante, aos 61 anos, que a sua fortuna não atinge a fasquia do bilião de dólares. “Infelizmente, não sou um bilionário”, afirmou à Bloomberg Businessweek, agora que aceitou contar a história que o levou de Las Vegas a Hong Kong, sempre um passo à frente no jogo.