Tornou-se viral, a imagem. De um momento para o outro, centenas de milhares de pessoas, um pouco por todo o mundo, ficaram a conhecer aquele pedaço da Comporta, que leva o nome de Praia da Torre, onde Madonna cavalgava à beira-mar. Ao recordar esse dia, José Ribeira, 58 anos, não consegue evitar um largo sorriso. Afinal, não é todos os dias que uma estrela pop mundial se torna “cliente e aluna” da Cavalos na Areia, a empresa de passeios equestres criada por si em 2011. “A Madonna foi uma grande amiga, pelo modo como nos promoveu sem lhe termos pedido nada. Se bem que o nosso serviço quase não tem concorrência, pois não há muitos mais locais no mundo onde se possa cavalgar, durante quilómetros, numa praia deserta”, sublinha. À frente do grupo vão Inês e Leonardo, dois jovens cavaleiros da região, 24 e 23 anos, que servem de guias aos visitantes. “Não é necessário ter experiência, basta reservar. Os passeios podem ser individuais ou para grupos até dez pessoas”, explica Inês, que já acompanhou Madonna nalgumas ocasiões. “É simpática”, comenta. O passeio continua pelas dunas, mas é quando damos de cara com o mar que as palavras de José fazem sentido: “É a paisagem que faz a diferença.”

Por aqui, ainda são muitos os paraísos escondidos atrás das dunas, para lá dos arrozais. Como acontece nos Brejos da Carregueira, aldeia situada entre as muito mais concorridas localidades da Comporta e do Carvalhal. Também tem praia, mas, como poucos a conhecem, está quase sempre vazia. Para lá chegar é necessário cruzar, a pé, os arrozais e, depois, descobrir uma passadeira de lajes de cimento, que cruza o pinhal até à praia. Ultrapassada a última duna, apresenta-se, uma vez mais, um areal deserto. No regresso, se houver tempo e apetite, impõe-se uma paragem no Messejana (ou Gervásio, como é mais conhecido), para provar petiscos como pica-pau de coentrada, choco frito, ovos rotos ou o célebre frango no churrasco, já saboreado pelos filhos da princesa Carolina do Mónaco, que um dia jantaram nesta popular casa de pasto.
Ainda há quem se lembre de quando as mais conhecidas praias desta região eram quase tão desertas e selvagens como a dos Brejos. “Não foi assim há tanto tempo”, assegura Elsa Dias, uma antiga professora que, em 2011, com o marido, Luís, ambos de 55 anos, transformou parte do monte da família “numa das primeiras unidades de turismo rural do concelho” de Grândola. Há mais de cinco gerações na família de Luís, a Herdade das Barradas da Serra é muito mais do que um alojamento perto do mar, como o próprio faz questão de explicar: “Já cultivámos cereais e vinha, mas hoje fazemos sobretudo uma exploração florestal, de pinheiro-manso e montado, à mistura com alguma pastorícia.” Esta vertente rural ativa revelou-se, entretanto, um dos grandes trunfos do projeto turístico, com os hóspedes a interessarem-se cada vez mais pelos trabalhos agrícolas. “Quero que os nossos clientes aproveitem esta natureza, como eu faço todos os dias”, sustenta Luís. E para isso nem é preciso muito, basta ficar a preguiçar no terraço privativo de cada um dos dez quartos ou dar umas braçadas na piscina, sempre com vista para o montado.
Madonna vem cá jantar?
É também do montado que vem grande parte dos ingredientes servidos por Bruno Caseiro no Cavalariça. Chegam também das hortas e dos pomares da vizinhança, do mar ali mesmo em frente e do vizinho estuário do Sado. Foi, aliás, essa a única premissa exigida pelo empresário de restauração inglês Christopher Morell quando desafiou Bruno a largar uma carreira em Londres para vir abrir um restaurante na Comporta, onde tem uma casa de férias.
E não se limitou a contratá-lo, fê-lo sócio, a ele e à mulher, Filipa, uma antiga designer, hoje pasteleira e gerente de restaurantes, que Bruno conheceu na Escola de Turismo de Lisboa. “Foi-me proposto fazer um restaurante que apostasse em sabores portugueses, mas mais pelo lado dos produtos e não tanto pelo da confeção”, revela, enquanto serve o chamado “prato quilómetro zero”, um crudo de peixe de inspiração asiática, feito com sarda crua, ameijola, salicórnia, beldroega-do-mar, citrinos, coentros e abacate – “tudo com origem aqui à volta”. Os pratos são servidos de forma a poderem ser partilhados e por um preço que Bruno considera justo: “A média de uma refeição oscila entre os 25 e os 30 euros, sem bebidas.” Quando abriram, no verão passado, chegaram a servir 100 jantares por noite e, embora no inverno o ritmo tenha abrandado, foram muitos os clientes que regressaram também durante a época baixa, “alguns deles bem conhecidos”. E Madonna, ainda não apareceu? “Alguém ligou para cá uma vez, a dizer que a Madonna queria vir cá comer. Mas tínhamos de encerrar o restaurante só para ela e nessa noite estávamos cheios, não podíamos.”
A meio de agosto, quando alguém quer um pouco de sossego junto ao mar, só consegue encontrá-lo lá mais para a zona do Malhão, na sucessão de pequenas praias que se entende para norte, até aos Aivados, já nos limites da freguesia de Porto Covo. Por estes dias de primavera, porém, tudo é diferente. Em Vila Nova de Milfontes, as praias não só parecem como estão mais amplas, devido a um reforço de areia de que foram alvo. Se irão manter-se, é outra questão, mas isso pouco interessa agora, enquanto se passeia no areal deserto das Furnas, na margem sul do Mira. É, no entanto, no sentido oposto, em direção à nascente, que a corrente tem avançado nos últimos tempos, sendo cada vez mais as propostas. Há passeios de canoa, de barco ou de BTT e, mais recentemente, a própria Rota Vicentina inaugurou o percurso pedestre circular do Troviscais ao Mira, com pouco mais de dez quilómetros. “Existem já oito percursos circulares ao longo da Rota Vicentina, criados a pensar no público nacional que vem de fim de semana e não tem tempo nem vontade de percorrer as etapas maiores”, nota a presidente da Rota Vicentina, Marta Cabral.
Comida “slow” e “comfort”
Um dos mais acessíveis é o da Hortas de São Luís. Tem apenas 3,5 quilómetros e, como o nome indica, percorre os arrabaldes de São Luís, uma aldeia que conseguiu preservar a sua autenticidade, atraindo não só cada vez mais visitantes como novos moradores, especialmente artistas, que dinamizam uma movida cultural. “Temos isso tudo e ainda temos o mar como complemento”, graceja Rui Graça, antes de oferecer aos presentes um recital de guitarra clássica. O público é um casal francês e a sua filha, hóspedes no Naturarte Campo, o boutique hotel rural que este arquiteto de 44 anos abriu em 2006, mesmo à entrada da aldeia. Além das 13 casas da Naturarte Campo, acrescem ainda as nove da Naturarte Rio, que surgiu da recuperação de um monte da família, numa propriedade de 100 hectares sobranceira e com acesso ao rio. “Quando o tempo está bom, costumamos passear de barco com os hóspedes. Em certos dias até podem mergulhar num rio de águas salgadas a 28 graus, numa das zonas de menor densidade populacional da Europa, isso sim é um luxo”, defende Rui, que também organiza passeios a cavalo pela região.
Foi também agarrado aos cavalos que o mestre Xico da Ribeira passou grande parte dos seus 90 anos, neste caso, aos cascos. O último ferrador do concelho de Odemira já há muito que está reformado, mas a sua antiga oficina estás prestes a ganhar nova vida, com a inauguração, no próximo dia 1 de maio, da Destilaria do Ferrador. Fica em frente ao mercado e, além de albergar um núcleo museológico, será destilaria e tasca. “Mas à antiga”, avisa a mentora do projeto, Dilar Camacho, uma ex-farmacêutica com 51 anos, que é também filha de mestre Xico. Aqui não haverá tapas, petiscos nem sequer pratos do dia, só “condutos, merendas e marmitas”. E haverá o Mestre Xico, que aparecerá de vez em quando, para contar “histórias do tempo em que os bois tinham ferraduras”.
Com a chegada de mais pessoas a São Luís, começam também a surgir novas propostas na aldeia, direcionadas para outra clientela. António Augusto, 55 anos, ainda se lembra bem da maldição que uma vizinha lhe lançou, antes de abrir o restaurante Varanda da Aldeia: “Coitado, nem seis meses aguenta.” “Já lá vão quase dois anos e ainda aqui estamos”, recorda, com humor. O sítio vale só por si uma visita, em especial a varanda que dá nome à casa: “No verão, temos reservas para três dias na varanda.” Quanto à comida, é slow (“porque demora o tempo certo a ser confecionada”) e comfort (“porque lembra a casa da mãe”). Além de clássicos da região, como as migas com bacalhau desfiado ou as bochechas de porco com migas de batata, há também muitas entradas para partilhar e várias propostas vegetarianas. “Tive de optar entre um chefe com técnica e uma mãe que o fizesse com amor”, assume. Escolheu não uma, mas duas mães, a Clotilde e a Alice, as “rainhas da cozinha”, que os comensais, quando lhes elogiam a comida, são convidados a conhecer.