Sobreiros mandados cortar pela GNR, carvalhos ceifados a eito, árvores de fruto abatidas, empresas que cobram o dobro para fazer a limpeza de terrenos. É este o panorama que se tem vivido, um pouco por todo o País, desde que o Governo anunciou que, até dia 15 de março, tem de estar feita a limpeza de terrenos nos espaços rurais ou florestais. Se não há multas. E este ano são a dobrar, fez questão de vincar a Autoridade Tributária e Aduaneira no email que enviou aos contribuintes.
Até €10 mil para pessoas singulares e até €120 mil para pessoas coletivas.
A corrida às serras elétricas não se fez esperar, assim como a contratação de empresas que fazem limpeza de terrenos.
“Quando receberam o mail das Finanças as pessoas julgaram que era para cortar tudo num raio de 50 metros à volta das casas e 100 metros em redor de aglomerados populacionais”, refere Domingos Patacho, da associação ambientalista Quercus. Este especialista tem conhecimento de situações como o corte de sobreiros – espécie protegida que só poder ser abatida com autorização do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas – ou, outro exemplo, de uma plantação de carvalhos que foi cortada a eito porque o proprietário “não estava para desbastar ramos nuns e cortar outros para que as copas ficassem a quatro metros de distância”, cortou tudo porque se não “dali a pouco tempo tinha de ir lá desbastar outra vez”.
Este Regime Excecional das Redes Secundárias de Faixas de Gestão de Combustível, que introduziu alterações à lei de 2006, diz que, até 15 de março “os proprietários, arrendatários, usufrutuários ou entidades que, a qualquer título, detenham terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais, são obrigados a proceder à gestão de combustível”. Este prazo, que muitos acreditam ser “inexequível”, ainda não foi prorrogado pelo Governo, mas o mais certo é que venha a ser. “Tem de haver sensatez, se não vamos multar o país todo”, diz Paulo Lucas, da associação ambientalista Zero.
Até porque, como explica Paulo Santos, presidente da câmara da Batalha, “persistem algumas dúvidas na população sobre o que cortar e a que distâncias”. No entanto, põe, também, a tónica no “excesso de alarmismo que foi criado e que causou intranquilidade nas pessoas”.
O autarca acredita que o prazo vai ser alargado, mas entende que a data deveria ser outra. “Fim de maio é quando a floresta já está estabilizada”, diz. No seu concelho há terrenos que foram limpos em finais de fevereiro e meados de março que terão de o ser novamente em maio, assim “não há orçamento que aguente”. O que já está a ter reflexo nos bolsos de muitos. Em Leiria, um proprietário pagou €750 pela limpeza de um terreno que, em tempos chamados normais, lhe custaria “entre €400 a €450”.
16 mil ignições num ano
Apesar dos esclarecimentos de que “a gestão de combustível não significa eliminar toda a vegetação. Uma árvore, desde que podada e localizada a uma distância entre copas de 4 metros de outras árvores e a mais de 5 metros da casa, pode ser mantida”, o entendimento não foi igual para todos. “Não fazemos ideia do que foi cortado sem ser necessário”, lamenta Domingos Patacho, da Quercus.
Depois de 15 de março, altura em as autoridades podem multar os proprietários, entram em ação as autarquias. Segundo a lei, até 31 de maio, “as Câmaras Municipais garantem a realização de todos os trabalhos de gestão de combustível, devendo substituir-se aos proprietários e outros produtores florestais em incumprimento, procedendo à gestão de combustível prevista na lei, mediante comunicação e, na falta de resposta em cinco dias, por aviso a afixar no local dos trabalhos”.
Os problemas que se avizinham estão relacionados com terrenos que têm vários herdeiros, que não estão cadastrados ou que são de pessoas que não têm meios financeiros para os mandar limpar.
Para Paulo Lucas, da Zero, a limpeza está a jusante do problema. O essencial “são as ignições por negligência ou atos criminosos”. O especialista aconselha o Governo a proibir as queimadas durante os meses de verão, como se faz em frança, porque “as pessoas põem de tudo a queimar, até juntam plásticos”. Já a origem intencional tem de ser combatida “com vigilância muito apertada nas áreas que já estão nas cartas de risco”.
Não é “gerível ter mais de 16 mil ignições, como aconteceu em 2017,” atesta. “Não podemos ter isto”. Paulo Santos, da Câmara da Batalha, concorda que o número é altíssimo e que se deve apostar na “vigilância das florestas.
A VISÃO contactou o gabinete do Ministro da Administração Interna para saber se o prazo de 15 de março se mantém, mas não obteve resposta.