É uma das batalhas verbais mais famosas da ciência: durante um debate sobre a Teoria da Evolução, em 1860, um bispo inglês perguntou, jocosamente, a Thomas Huxley, amigo de Darwin, se descendia de macacos pela parte da avó ou do avô; Huxley respondeu que não tinha vergonha de descender de um macaco, mas que teria vergonha de estar ligado a um homem que usava os seus dons para esconder a verdade.
Se a discussão fosse hoje, talvez o clérigo fosse obrigado a trocar o macaco por um Durlstodon ou um Durlstotherium – o que, convenhamos, não teria propriamente a mesma graça. Esses dois animais viveram há 145 milhões de anos e serão os mais antigos mamíferos da Europa (e talvez do mundo), os mais longínquos antepassados de todos os mamíferos atuais, incluindo os humanos. Foi esta a conclusão a que chegaram paleontologistas da Universidade de Portsmouth, depois de descobrirem, no sul de Inglaterra, dentes fossilizados de dois espécimes, semelhantes a musaranhos (minúsculos insetívoros aparentados com as toupeiras).
Os fósseis foram desenterrados por Grant Smith, um estudante da universidade na Costa Jurássica (região Património Mundial da UNESCO, assim chamada pela quantidade de vestígios pré-históricos ali existentes). “O Grant estava a vasculhar algumas amostras de rochas do Cretáceo, na esperança de descobrir alguma coisa interessante, quando encontrou, não um, mas dois dentes notáveis”, recorda, ao jornal The Guardian, Steven Sweetman, o professor que liderou a investigação. “Fiquei boquiaberto! Percebi logo que estava a olhar para resquícios de mamíferos do Cretáceo Inferior.”
Os animais, batizados de Durlstodon e Durlstotherium, em homenagem à Baía de Durlston, onde os fósseis foram recolhidos, são parecidos, mas mesmo em dentes tão pequenos (cerca de três milímetros) é possível deduzir diferenças significativas: ambos eram diminutos, mas um era um pouco menor e devia comer apenas insetos, enquanto o outro se alimentava também de plantas. Além disso, o facto de terem dentes bastante gastos revelam que viveram até uma adiantada idade, para a espécie – um sinal da sua excelente adaptação ao meio, atendendo a que viveram na época de ouro dos dinossauros, os predadores mais temíveis da História. Aliás, estes dois mamíferos teriam certamente hábitos noturnos e estavam adaptados a viver nas árvores, para não se cruzarem com os dinossauros.