Ao som da canção romântica Come Prima, o anúncio mostra um rapaz e uma rapariga a tentarem conquistar o mesmo giraço, de camisa aberta, que está a limpar a piscina. Ela vê-o de uma janela na sala, no rés-do-chão, ele do quarto, no sótão, e ambos correm a buscar uma Coca-Cola ao frigorífico. Só falta esgatanharem-se na corrida, mas acabam ultrapassados pela mãe que sorri, junto à piscina, ao vê-los chegarem de garrafas na mão.
“Como empresa global, procuramos diversidade, inclusão e igualdade em nossos negócios, e apoiamos esses direitos na sociedade e através do nosso trabalho”, disse na apresentação da campanha o diretor criativo da Coca-Cola, Rodolfo Echeverria.
Os aplausos não se fizeram esperar. “A rivalidade entre irmãos nunca pareceu tão inclusiva”, escreveu-se na revista Out Magazine. “É mais tonto do que costume”, lê-se no site More About Advertising, lembrando a campanha, do final dos anos 90, em que um escritório cheio de mulheres parava para ver um limpador de janelas, “mas tem um certo impacto graças aos valores familiares pouco comuns em exibição.”
O anúncio da Coca-Cola foi recebido com algum espanto por se tratar de uma marca de massas, mas na moda são cada vez mais as campanhas publicitárias a incluirem casais do mesmo sexo. Uma das últimas campanhas da Calvin Klein Jeans traz fotografias de pares de homens e de mulheres, acompanhadas de conversas online. A Tiffany & Co escolheu dois homens para um anúncio de alianças de casamento. E a Banana Republic usou mesmo casais reais numa campanha, como Nate Berkus e Jeremiah Brent, dois arquitetos de interiores que posaram juntos antes de se casar.
Mais comum tem sim sido, nos últimos anos, a defesa dos direitos LGBT (Lésbico, Gay, Bissexual e Trans) na publicidade. Há dois anos, a marca de óculos Ray Ban lançou a campanha Never Hide (nunca te escondas), em que dois homens caminhavam de mão dada na rua, sob o olhar hostil dos transeuntes. A fotografia, a preto e branco, recriava um ambiente dos anos 40, para prestar tributo ao escritor americano Taylor Mead que admitiu ser gay numa altura em que a homossexualidade era ilegal nos Estados Unidos. Este ano, a Urban Outfitters lançou a linha Happy Pride, cujos lucros das vendas revertem para a Clsen, organização americana que se dedica a garantir nas escolas a segurança dos alunos LGBT.
Por cá, tivemos recentemente a campanha “90 anos a fazer amigos” da Super Bock, em que duas mulheres vestidas de branco, uma delas de grinalda na cabeça, se beijam na boca. É ao minuto 1:46, quase no final do anúncio que recria alguns momentos-chave de Portugal – e um deles foi a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Um tímido sinal dos tempos, escreva-se. “Achei extraordinário terem escolhido mulheres”, confessa Ana Paula Cruz, docente de Comunicação e Marca no IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing) e planeadora estratégica. “Claro que é porque a amizade entre elas é melhor vista, tem uma interpretação mais dúbia… O que questiona a virilidade masculina torna-se mais chocante.”
Se lá fora já se pensa nos LGBT em termos de segmento de mercado, em Portugal ainda se está a fazer o caminho nesse sentido, nota esta especialista. “Além de Portugal ser um país tolerante, não temos dimensão de mercado para tornar sustentável um nicho. Pode ser que nuns anúncios de roupa… Mas em termos de marcas de massas, não. A não ser que venha de fora.”
Segundo Ana Paula Cruz, a publicidade do ponto de vista de produção é inovadora, mas do ponto de vista de conteúdo é altamente conservadora. “Começa-se pela informação, até que entra nas questões legais e depois no entretenimento. A publicidade é a última a integrar porque as marcas arriscam pouco, só reafirmam. Raramente põem em causa, e quando o fazem muitas vezes são castigadas, mesmo que veladamente.”
A publicidade não mostra sequer a diferença, nota. “Pode chamar a atenção para pessoas com Trissomia 21, mas elas não aparecem naturalmente. Mesmo as gordinhas da Dove são gordinhas bonitinhas, sem celulite. A publicidade limita-se a reproduzir os valores instituídos.” Mas estamos no bom caminho.