Doze histórias de quem sobreviveu, de quem só teve tempo para se despedir, de quem preferiu saltar e de quem, no desespero, atirou o filho pela janela à espera de um milagre. A Polícia britânica já confirmou 30 mortos e tem esperança que o número não ultrapasse a centena. Mas há ainda muitos desaparecidos e alguns corpos poderão nunca vir a ser identificados, informaram hoje as autoridades.
Mohmmed Alhajali
“O fogo chegou aqui agora, adeus”. Estas foram as últimas palavras de Mohmmed Alhajali, refugiado sírio de 23 anos, antes de morrer no incêndio da torre Grenfell, em North Kensington. Estava ao telefone com um amigo quando ficou encurralado no seu apartamento em chamas no 14.º andar. Pediu-lhe que avisasse os seus familiares na Síria. Estudante de Engenharia Civil na universidade de West London, morava com o seu irmão mais velho, Omar, que conseguiu descer as escadas e ser levado para o hospital. Segundo o jornal The Telegraph, os irmãos fugiram da guerra na Síria, em 2014, juntamente, com os seus pais e outro irmão. Mohmmed Alhajali tornou-se a primeira vítima mortal identificada do incêndio, uma notícia dada pelo Syria Solidarity Campaign, um grupo solidário que promove a liberdade, a democracia e a paz na Síria, através do Facebook. “Mohammed fez uma viagem perigosa para fugir da guerra na Síria e acabou por encontrá-la aqui, no Reino Unido, na sua própria casa. Mohammed veio para este país à procura da segurança e o Reino Unido falhou em protegê-lo. Concordamos plenamente que deve ser levada a cabo uma investigação ao regulamento do edifício imediatamente”, lê-se no comunicado publicado na rede social. “Amável”, “bondoso” e “apaixonado pela família” foi assim que Abdulaziz Almashi, co-fundador da Syria Solidarity Campaign e amigo próximo de Mohammed o lembrou à estação televisiva Sky News.
Família Alves
Quando o incêndio deflagrou na torre Grenfell, os Alves, uma das famílias portuguesas a morar no edifício de 24 andares conseguiram escapar ilesos. Miguel Alves, o patriarca, contou à SIC que estava a chegar a casa, por volta da uma da manhã quando teve de fugir. Ia de elevador para o seu andar, 13.º, quando este parou no 4.º e estava tudo cheio de fumo. Com calma, saiu do elevador, foi pelas escadas e resgatou os filhos, dizendo à mulher para abandonar o prédio, conseguindo ainda alertar alguns vizinhos do seu andar. “Tinha toda uma vida ali, 25 anos em Londres e fiquei com a roupa que tinha no corpo. Agora preciso de descansar, tenho bons amigos que me vão acolher, mas não sei o que vou fazer a seguir”, resumiu Miguel. Quem não se deixou ir abaixo foi uma das filhas de Miguel. No dia seguinte, Inês Alves, 16 anos, foi até à Escola do Sagrado Coração, uma secundária católica na zona oeste de Londres, para fazer o exame de Matemática, só faltou à tarde ao exame de História, relatou a adolescente ao The Guardian.
João Dias
Foram precisos três insistentes telefonemas de Miguel Alves para o seu vizinho João Dias acordar, pegar numa toalha molhada, proteger a cara e sair da sua casa no 13.º andar. “Cheguei lá abaixo à 1h34. Sei porque olhei para o telefone”, disse à agência Lusa. João Dias, coordenador do Programa Escolhas no centro comunitário português em Londres, chegou há dois anos e meio e morava na torre Grenfell há oito meses com outro português que, por sorte, não estava em casa. “Ainda não deu para pensar, ainda não caí na realidade”, disse. “Da forma como aquilo ardeu, vai ser difícil identificar as vítimas. Ficou tudo em cinzas.”
Francis Dean
Ao diário The Telegraph, Francis Dean contou que a sua irmã Zaineb Dean lhe telefonou para dizer que havia um incêndio na torre, onde morava no 14.º andar com o filho de dois anos. O telefonema durou algum tempo até um bombeiro dizer-lhe: “diz-lhe que gostas muito dela. Foi então que percebi que tinha de esperar o pior”. A chamada caiu e o telefone não voltou a dar sinal.
Gloria Trevisan
Foi também com um telefonema que esta estudante de arquitetura se despediu da família. Por volta das três da manhã ligou à mãe para avisar que havia um incêndio no prédio onde morava no 20.º andar com o namorado e que não conseguia descer as escadas. Ao jornal The Guardian, a advogada da jovem relatou o que Gloria Trevisan disse: “Adeus. Obrigada mãe por tudo o que fizeste por mim”.
Samira Lamrani
Nem vítima, nem sobrevivente. Samira Lamrani é uma das pessoas que testemunhou alguns dos momentos mais dramáticos vividos na madrugada da passada quarta-feira, 14, em Londres. Da rua, Samira viu uma mãe a atirar o seu bebé, talvez do nono ou décimo andar, e a pedir para alguém o agarrar, contou à Associated Press. E mais um milagre aconteceu, com um homem a correr e a conseguir agarrar o bebé. Na torre, pelos vários andares, as pessoas gesticulavam de forma frenética atrás das janelas a pedir socorro e da rua, Samira Lamrani e outros, diziam que já tinham chamado os bombeiros. “Olhava para cima, piso após piso, e via um sem-número de pessoas a pedir ajuda, maioritariamente crianças – as suas vozes, estridentes, vão acompanhar-me durante muito tempo. Ouvia-os a gritar pelas suas vidas”, descreveu ao The Guardian.
Siar Naqshabandi
Morava no terceiro piso e quando chegou, perto da 1h45 da manhã, ainda conseguiu ligar ao irmão e dizer-lhe para fugir de casa. Já o seu tio, morador no 23.º andar, Siar Naqshabandi não sabe se sobreviveu. Atribuiu a culpa aos bombeiros no local que estavam a dizer às pessoas para não deixarem o edifício.
David Benjamin
Apesar da intensidade do fumo, David e a namorada conseguiram sair do apartamento no quarto piso. Estavam a dormir e só acordaram quando alguém bateu com força na porta de casa. David Benjamin ainda ligou a outro vizinho e teve tempo de calçar os ténis.
Elpidio Bonifacio
Pensa-se que seja parcialmente cego e ande na casa dos 70 anos. Um dos sobreviventes salvo pelos bombeiros permaneceu 12 horas a rezar numa janela do 11.º andar da torre, onde morava há 30 anos, segundo informações dadas às autoridades pelos familiares no local. O senhor terá pedido socorro acenando com uma camisola branca – uma cena testemunhada por Piers Morgan e Susanna Reid, jornalistas do Good Morning Britain, que confessaram sentirem-se “perdidos”, porque não conseguiam ajudá-lo.
Rania Ibrham
Mãe de duas filhas pequenas, Rania Ibrhan, 30 anos, está desaparecida desde que enviou uma mensagem pelo Snapchat à sua amiga Maseen na qual dizia “perdoem-me todos, adeus”. Rania Ibrhan morava no 23.º andar e o seu marido não estava em casa porque está de férias. Conseguiu filmar em direto, na sua conta do Facebook, os momentos de desespero durante o incêndio. No vídeo, vê-se fumo, ouvem-se gritos e Rania acolhe outros vizinhos. O vídeo de pouco mais de seis minutos termina à janela a pedir socorro.
Christos Fairbairn
Diz ter sorte por estar vivo e garante ao Independent que nunca mais voltará a morar numa torre. Aos 41 anos, foi um dos primeiros a perceber o que se estava a passar e a deixar o seu apartamento no 15.º andar. Quinze minutos antes da uma da manhã Christos Fairbairn estava a ver televisão quando ouviu pancadas fortes na porta. Depois de ver fumo ligou para o serviço de emergência e foi aconselhado a sair do prédio com uma toalha molhada a proteger a cara. Tropeçou em muitos corpos para conseguir descer as escadas até colapsar no terceiro ou quarto andar e ser resgatado por um bombeiro.
Jessica Urbano Ramírez
“Estamos à procura da minha sobrinha, Jessica Urbano Ramírez, ela vivia com os seus pais no edifício e desde a madrugada de quarta-feira não sabemos nada dela”, disse à BBC Mundo Ana Ospina. Ana é irmã de Ramiro Urbano, um colombiano de Cali, a terceira maior cidade da Colômbia, emigrado em Londres desde os anos 70, que morava com a sua mulher, Adriana Ramírez, num dos apartamentos da torre Grenfell. O casal já tinha conseguido escapar das chamas, quando Ramiro percebeu que Jessica, de 12 anos, não tinha saído do prédio. O homem queria voltar a subir 20 andares para salvá-la, mas as autoridades não permitiram. Jessica tinha conseguido fazer uma chamada a avisar que estava nas escadas, de pijama, juntamente com outros vizinhos.