Assim que entrar em vigor a alteração legislativa aprovada pelo Parlamento no dia 24 de março, os bancos, operadores de telecomunicações, escolas e qualquer outra entidade, pública ou privada, que exijam uma cópia, digital ou em papel, do Cartão de Cidadão, arriscam uma multa que pode chegar aos 750 euros.
Mais de uma década depois de a lei o proibir, foi finalmente aprovada a alteração que permite sancionar as entidades que exigirem cópia do Cartão de Cidadão seja para abrir conta num banco, para matricular uma criança numa escola ou num clube desportivo ou ainda para celebrar um contrato com um operador de telecomunicações.
De acordo com a Lei nº 7/2007, a reprodução do Cartão de Cidadão sem o consentimento do seu titular é ilegal. Qualquer entidade pode pedir um comprovativo de identidade para, por exemplo, celebrar um contrato, mas, se for o Cartão de Cidadão, não pode exigir uma cópia a não ser que o cidadão autorize. Agora, a “retenção, a conservação e a reprodução de cartão de cidadão alheio”, constitui “contraordenação punível com coima de €250 a €750”, lê-se no nº 1 do art. 43º da proposta do Governo que desde junho aguardava aprovação do Parlamento.
Quando se entrega uma reprodução do Cartão de Cidadão, está-se a fornecer mais informação do que aquela que é necessária para provar a identidade do seu titular. Mas, até ao momento, não existia um quadro legal que permitisse aplicar sanções a quem violasse a lei, tarefa essa que ficará a cargo do Instituto dos Registos e do Notariado (INR). A alteração legislativa ainda terá de ser promulgada pelo Presidente da República e, posteriormente, publicada em Diário da República. Só quatro meses depois entrará em vigor.
PRÁTICA ANTIGA
“Pedir cópia do Cartão de Cidadão é uma prática tão enraizada que durante muito tempo ninguém a questionou. Mas os riscos de usurpação de identidade e de criação de falsas identidades existem, e são reais, ainda mais quando o documento é digitalizado e enviado através da internet”, diz à VISÃO a porta-voz da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), Clara Guerra.
“Ao autorizarmos uma reprodução do Cartão de Cidadão, estamos a ceder quatro números diferentes que podem facilmente ser cruzados com outros elementos, como a morada. Além do número de identificação civil, cedemos o número de contribuinte, o número de utente do Serviço Nacional de Saúde e o número da Segurança Social”, avisa aquela porta-voz.
Recordando que existem outras formas de confirmar os dados de alguém, presencialmente ou à distância, sem necessidade de conservar uma reprodução digital ou em papel do Cartão de Cidadão, Clara Guerra aponta os leitores de cartões e o software livre que os bancos, as escolas e as empresas podem utilizar para verificar a identidade das pessoas com quem se relacionam. Porquê, então, insistir tanto na fotocópia, se há mecanismos mais seguros de autenticação da identidade?
A pergunta pode ser dirigida aos bancos, por exemplo. Um aviso do Banco de Portugal sobre medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, emitido em 2013, determina que “as instituições financeiras devem, em qualquer circunstância, conservar em arquivo elementos que evidenciem inequivocamente que procederam à comprovação da veracidade dos elementos identificativos, em conformidade com o previsto neste aviso”.
A pedido da VISÃO, o gabinete de comunicação esclareceu que, face ao novo quadro legal, “o Banco de Portugal tem recomendado às instituições que, na falta de consentimento do cliente, solicitem outro documento idóneo (por exemplo, o passaporte) para a respetiva identificação, uma vez que a cópia do Cartão de Cidadão não esgota os meios de demonstração do cumprimento do dever de identificação”.
Mas a resposta do supervisor não satisfaz a CNPD. O aviso do Banco de Portugal “não tem força legal” nem obriga os bancos a cumpri-lo. A porta-voz da CNPD sublinha que “ninguém é obrigado a ter passaporte ou carta de condução”, dois documentos destinados a outros fins “que não o comprovativo da identidade”. Pedi-los “é uma atuação excessiva, por parte dos bancos”, diz ainda Clara Guerra.
É por essa razão que os bancos estarão entre os “alvos” privilegiados de um conjunto de deliberações que a CNPD está a preparar, enquanto espera pela entrada em vigor do novo quadro legal, para esclarecer as empresas, o Estado e os cidadãos sobre os procedimentos a adotar. Com o Banco de Portugal, já houve uma troca de informação, mas uma visita rápida às páginas de internet dos maiores bancos em Portugal permite perceber que continuam a exigir cópia digital do Cartão de Cidadão para efetuarem operações simples como a abertura de uma conta bancária, especialmente aos novos clientes.
Aos balcões dos bancos, a CNPD sabe que a exigência mantém-se e, por isso, aconselha os cidadãos a apresentarem uma reclamação junto dos seus serviços. Aquele organismo compromete-se a encaminhar todas as queixas para o INR, que passará a ter poderes para aplicar as sanções previstas nas alterações à lei. “Não podemos dizer a ninguém que se recuse a dar cópia, porque é livre de o fazer, mas podemos dizer-lhe que não é obrigado a fazê-lo e que pode apresentar queixa”, diz ainda Clara Guerra.
Como reclamar
Sabe como proceder se o banco, a escola ou o operador de telecomunicações lhe exigir uma reprodução, digital ou em papel, do Cartão de Cidadão? Veja aqui como pode fazer:
– Consulte a página de internet da Comissão Nacional de Proteção de Dados em www.cnpd.pt
– Aceda a “Queixas/ Reclamações”
– Preencha a sua reclamação e envie
– A CNPD, além de analisar as queixas e identificar as entidades visadas, passará a enviá-las ao Instituto dos Registos e do Notariado, que terá poderes legais para aplicar coimas depois de as alterações à lei entrarem em vigor.
Artigo publicado na VISÃO 1256 de 30 de março