A espingarda automática que segurava em cada assalto não deixava margem para dúvidas. Se fosse necessário, Delfim Sousa estava disposto a matar. Como viria a acontecer.
Foi nas Caldas da Rainha. Estava em curso um dos assaltos a ourivesarias que renderam ao grupo milhares de contos em ouro. Perante a chegada da polícia, responde com disparos que deixam feridos um agente e matam um transeunte atingido por uma bala perdida.
Só em 8 meses – entre Julho de 1982 e Março de 1983 -, Delfim viu abertos 68 processos-crime em seu nome. Rapidamente adquire o rótulo de ‘homem perigoso’.
De profissão certa só se lhe conhecia a de estucador e vendedor de farturas. A Polícia Judiciária tinha andado meses no encalce de Delfim acreditando ser ele o mentor do gangue. Atribuíam-lhe a orquestração das operações de roubo dirigidas sobretudo a ourives ambulantes – como era costume naquela época – ourivesarias e lojas de electrodomésticos, em várias zonas do país.
No último roubo o grupo foi mais longe. Cumpriu, na noite de 6 de Janeiro de 1983, o célebre assalto ao comboio de Sintra.
Com Delfim na liderança, entraram na composição onde estava o cofre, eram 22h27. O comboio estava prestes a partir da estação de Benfica. Para o assalto, voltou a levar a espingarda G3 e o pé de cabra com que fariam descarrilar as carruagens.
Cumpriu a operação conforme planeado. Forçou o maquinista a entregar os mais de 4 mil contos em receitas de bilhetes que estavam dentro do cofre de aço.
Tinha 30 anos quando foi detido e pouco tempo depois conduzido àquele que foi considerado pelos jornais da altura como “o mais importante julgamento da década”.
Acabou condenado pelo Tribunal das Caldas a 20 anos de cadeia. A pena máxima que o Código Penal previa na altura.
Meia vida na prisão
O registo criminal de Delfim Sousa começa em 1977 quando roubou um automóvel e acaba em 2005, ano em que foi condenado por tráfico de droga na prisão.
Os vários delitos que incorreu dentro da cadeia agravaram-lhe a pena e reforçaram o estatuto de ‘recluso perigoso’.
Ao ‘353’ os Serviços Prisionais reservaram especiais medidas de segurança e negaram-lhe sempre a possibilidade de uma saída em precária. Até há poucos meses.
34 anos depois de cumprir a mais longa pena de prisão em Portugal, prepara-se agora para abandonar o lugar onde viveu metade da sua vida. Regressa à liberdade sem nunca confessar os crimes pelos quais foi condenado.
“Vidas Suspensas” é um programa de informação, da SIC, da autoria da jornalista Sofia Pinto Coelho, que aborda casos de pessoas que, por questões relacionadas com a justiça, se encontram com a vida em suspenso. Este programa semanal de 8 episódios, estreia 2ª feira, 27 de Março de 2017, na SIC, logo a seguir ao Jornal da Noite, seguido de um debate em direto na sic.pt