
Escola – O tablet do antigamente
A minha lousa era o meu tablet. Era de ardósia, como o quadro grande da escola, com um rebordo de madeira que preenchíamos com desenhinhos quando estávamos distraídos. Tínhamos sempre um paninho à mão para, com uma cuspidela, apagar uns números e arranjar espaço para outros. Quando não havia pano ou esponja, a manga da camisola também servia. O tablet do nosso tempo custava cinco escudos e durava até à quarta classe. Servia para fazer ditados e contas de somar e de multiplicar antes de os passar a limpo para o caderno diário.

Jogos – O melhor/pior computador de sempre
O verdadeiro boom dos jogos eletrónicos deu-se com o ZX Spectrum, um pequeno computador programável em linguagem BASIC, com 16 ou 48 kB de RAM, apresentado em abril de 1982. Ainda se lembram do ruído que se ouvia enquanto o computador carregava um programa a partir da cassete? Era muito parecido com o que, anos depois, fazia o modem telefónico com que começámos a ligar-nos à internet. Para muitos, foi a idade do quarto fechado, das noitadas em claro para copiar, linha a linha, a programação de um jogo. O Match Day, primeiro jogo de futebol dos videojogos, era dos mais difíceis. Era uma trabalheira para o copiar! Hoje, até dá para rir. Mas, por outro lado, imagino o que terão sofrido as miúdas da altura, quando os namoricos eram muitas vezes trocados por uma noitada de jogos de vídeo.

Guloseimas – Os rebuçados de um certo Dr.
A história dos rebuçados (peitorais) Dr. Bayard dava um filme e começa no tempo da Segunda Guerra Mundial, quando Álvaro Matias era um jovem marçano de uma mercearia da grande Lisboa. Nessa altura de guerra, os produtos essenciais eram racionados e só podiam ser vendidos em troca de senhas atribuídas às famílias. Na loja, o jovem Álvaro tornou-se amigo de um cliente, um refugiado francês que, no final da guerra, antes de regressar a casa, lhe deixou como símbolo de gratidão uma pequena caixa com rebuçados, uma lista de ingredientes e uma receita única, com todos os segredos para os poder fabricar. Só mais tarde, já adulto e com a família a crescer, é que Álvaro Matias decidiu experimentar a receita dos rebuçados peitorais, quando vendia doces e outras guloseimas num cinema. Começou por os fabricar na cozinha de casa, com toda a família a ajudar na tarefa de embrulhar os rebuçados manualmente. Hoje, na fábrica de família, são produzidos diariamente cerca de 4000 quilos de massa, de que resultam 800 mil rebuçados peitorais Dr. Bayard. Tanto quanto sei, nunca foi possível localizar o tal refugiado francês da receita secreta.

Moda – Os inenarráveis Kispos
Há toda uma geração que se refere aos blusões impermeáveis como “kispos”, porque a marca foi sinónimo de revolução neste tipo de roupa. Todos nós tivemos um Kispo. Se bem me lembro, eram bem caros para a época, o que fazia deles roupa “de ir à madrinha”. Até apetecia pedir chuva para nos sentirmos quentinhos dentro daqueles casacões coloridos. O meu era vermelho-forte e durou uma vida.

Coleções – O que é amar?
Nós, os rapazes, trocávamos os cromos do futebol e da natureza; as miúdas apaixonadas colavam em todo o lado os recadinhos de amor dos cromos “Amar é…” Conselhos de amor singelo desse tempo apareceram em postais, papel de carta, posters, autocolantes para os vidros dos carros… Enfim, coisas da paixão. Esses cromos, que as minhas amigas colecionavam e poucas colavam na caderneta, serviam para elas embelezarem caderninhos e blocos de notas. Às vezes também os faziam chegar ao apaixonado do momento. Já agora, sabem de onde veio esta moda a traço simples, quase infantil? Começou numa série de desenhos, de quadros únicos e sem sequência, esboçados em 1960 pela artista neozelandesa Kim Grove. Os primeiros desenhos foram criados pela cartoonista como recadinhos de amor para o seu futuro marido, Roberto Casali. Depois, em 1972, foram registados e espalharam-se pelo mundo inteiro. A autora faleceu em 1997, mas a série continua a ser desenhada pelo seu filho, Stefano Casali, mantendo a marca da mãe, que, entretanto, já tinha fundado uma próspera empresa para gerir tanta bonecada, a Minikim Caribbean NV. Só ao fim destes anos todos percebi porque é que a miúdas do meu tempo gostavam tanto dos recados. Um deles diz: “Amar é… Recordares-lhe que é ele que é o chefe… embora sejas tu que fazes o que queres”. “Compreendi-te…”, digo eu, tal qual Vasco Santana.
Imprensa – O Se7e
Lembram-se de comprar o Se7e? Esse é que foi um jornal arrojado e inovador. Veio com o verão de 1978 (o primeiro numero é de 15 de junho) e esteve connosco até 1994. Não há dúvida de que o Se7e teve muita importância no nosso crescimento e, por isso mesmo, não há forma de evitar alguma nostalgia ao recordar aquela que foi uma publicação pioneira do nosso jornalismo cultural, uma pequena revolução que trouxe à imprensa novo fôlego, novos leitores e uma renovada geração de jornalistas de espetáculo que começaram por ler o jornal e acabaram por escrever para ele. Eu estou entre eles, já que ainda fui colaborador um ou dois anos antes de o jornal acabar. O Se7e estava atento a todas a coisas novas que iam acontecendo na cultura pop, na televisão, no cinema, na música, coincidindo com o chamado “boom do rock português”, quando, no espaço aberto pelo Rui Veloso, nasceram ou se afirmaram dezenas de bandas pop rock, como os GNR, os Xutos & Pontapés e tantas outras. Entre os diretores do Se7e, que saía às quartas, contaram-se Mário Zambujal, Afonso Praça, João Gobern, Manuel Falcão e Miguel Monteiro. Assinaram aquelas páginas de escrita arejada nomes como Luís de Sttau Monteiro, Eurico da Fonseca, José Fragoso, Pedro Rolo Duarte e Herman José. Ter acabado foi uma grande perda para toda uma geração.

Sexualidade – A revista proibida
Chiu! Como é que devo começar? Foram os anos de liberdade… Acho que assim começa bem e vale tudo, porque a liberdade já diz tudo… Nós ainda nem tínhamos 18 anos e nem sequer sabíamos o que queria dizer hardcore. Havia uma ideia vaga dos conteúdos, tema sempre abordado pela rapaziada da turma, em surdina e por entre risinhos, e andavam lá uns repetentes que já tinham a escola toda. De repente, arregalaram-se-nos os olhos. Ui! Afinal quem é esta Gina? Na aula de História, os mais atentos iam passando uma revista de mão em mão. Era uma revista de música, a Bravo!, mas lá dentro, sob disfarce, escondida nas páginas centrais, estava a Gina, a revista sobre uma rapariga muito acalorada, que saiu em setembro de 1974 e custava 30 escudos. Os mais “estudiosos” do grupo tratavam de a comprar semanalmente no quiosque, com uma grande lata. Não tinham idade para a pedir, mas arriscavam. Nunca falhou. Quotizávamo-nos para aumentar a coleção. Não é preciso dizer mais nada, pois não? Logo no início, a Gina chegou a vender 150 mil exemplares por semana. Tomara muitos jornais! Há, por isso, bastantes exemplares da Gina por aí. A revista foi publicada até 2005 e é hoje um verdadeiro clássico como léxico deturpado da sexualidade, ou da sua descoberta, em meados dos anos 70.

‘Fomos uns sortudos’
Porque é que se lembrou de ir ao sótão das recordações?
Gosto de colecionar coisas. Livros antigos, coleções de cromos, recordações várias que vou juntando nas minhas caixas da memória, verdadeiras caixas onde guardo muitas coisas desde sempre. Tenho lá bilhetes de cinema, velhos blocos de notas, todo o tipo de coisas que me foram marcando a vida sem nenhuma ordem especial. Quando o meu editor me sugeriu escrever A Sebenta do Tempo, achei o projeto estimulante, e mal comecei a escrever e a investigar só como teste, só para ver se dava conta do recado, já não deu mais para parar, pelo entusiasmo.
De que se lembra com mais carinho?
Dos objetos talvez os primeiros livros que tive, os carrinhos de metal da Majorette. O meu primeiro vinil. Das memórias, talvez o primeiro beijo. As férias grandes da escola, a inocência da infância…
Os portugueses são mais nostálgicos do que os outros?
Essa curiosidade sobre a memória não é uma característica só nossa. Este tipo de livros é comum na América, na Inglaterra… Em Espanha há um projeto deste género que vai já na terceira continuação, com vendas impressionantes. Mais do que geográfico é um saudosismo geracional. Toda a gente tem histórias para contar mas a minha geração, dos anos 60, 70, 80, fomos uns sortudos, crescemos nas melhores décadas do século vinte. Tivemos a experiência do Estado Novo na escola primária, lembramo-nos onde estávamos no 25 de Abril, assistimos a revoluções culturais e tecnológicas diferentes das que se vivem agora, que são mais repentinas e massivas.