Aos 80 anos, apresentou-se no palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, com um caderninho verde. Mas nunca precisou de olhar para ele durante o discurso de quase uma hora.
Veio a Portugal a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos para falar de democracia – e do seu “sabor amargo”. Desfiou-lhe os defeitos. E, ainda assim, não teve dúvidas em afirmar: “O mundo anda muito mal, mas pela primeira vez na história depende exclusivamente de nós mesmos que ande melhor”.
Conhecedor da realidade da América Latina, o escritor que foi candidato à presidência do Peru em 1990 – mas perdeu as eleições – usou da sua experiência política para apontar um dos principais dramas do continente: o narcotráfico. Depois de estudar todos os dossiês, porque achava que um bom programa faria ganhar as eleições, chegou a uma conclusão: “Aprendi que todos os problemas do Peru tinham solução. Menos menos um – o narcotráfico. Porque não é um problema peruano”.
Pelo sangue que já derramou. Pela violência que desencadeia. Pela pobreza que garante, Vargas Llosa acredita que só uma solução radical poderá resolver um problema tão complexo: a legalização das drogas.
O escritor e ensaísta que publicou agora “Cinco Esquinas”, mas que diz continuar ainda em busca do seu melhor livro, tinha para oferecer à plateia uma visão pouco romanceada, embora não desesperançada, do estado atual da humanidade.
Depois de lembrar que nenhum outro sistema contribuiu tanto para diminuir a violência e as desigualdades como o democrático, Vargas Llosa fez o elogio da política e apelou aos jovens para não se continuarem a afastar dela. “A democracia goza de muito boa saúde”. Não porque se julgue perfeita, mas precisamente porque aceita a crítica como ato essencial do sistema: “Não há sociedades perfeitas, mas podem aperfeiçoar-se se forem democráticas”.
Admitindo que não é essa a visão de muitos jovens, o escritor peruano sugeriu que a política seja levada às escolas. “Os cidadãos atentos e informados são essenciais para a democracia. Importa convencer os jovens da sorte que têm por viver onde é a lei que importa, e não os caprichos de déspotas. É importante exaltar a política nas escolas, como atividade para viver pacificamente a aventura do progresso e dos direitos humanos”.
E se tudo isto parecer utópico, Vargas Llosa não desarma: “Hoje ninguém devia morrer de fome. No passado não havia meios para isso. Hoje, sim. Pela primeira vez na história da humanidade, podemos escolher em que sistema se vai organizar a nossa sociedade”.
Identificando a corrupção, que “estrangula a democracia”, – e esmiuçando o caso dramático da Venezuela – como principal inimiga da democracia no século XXI, o Nobel da Literatura fez também questão de enumerar os perigos do radicalismo islâmico. “Vê na democracia uma ameaça e não se engana. Ela representa os direitos humanos e a libertação das mulheres. É o principal inimigo do islamismo radical”. E esse, acredita, “está condenado a desaparecer”.
Mas apenas – e só – se “a democracia não estiver disposta a suicidar-se para enfrentar mais eficazmente o islamismo radical, pensando, ingenuamente, que, com medidas anti democráticas, combatem melhor o terrorismo”. Se deixarem de ser democráticas para combater o terrorismo, ganha o radicalismo islâmico.
Apesar de toda essa ameaça, Llosa afirma-se um entusiasta da globalização. Porque diminuiu o nacionalismo e, “depois da religião, nada fez tanto sangue como o nacionalismo e a ideia estúpida de que nascer numa determinada terra é um privilégio”.
Terrorismo. Pobreza. Desigualdades. Ameaças à democracia. O mundo vai mal. Mas talvez nem tanto. A terminar, o Nobel da Literatura lembrou o otimismo do filósofo Karl Popper. “Nunca estivemos melhor do que agora. Em toda a história da humanidade, nunca houve tantos instrumentos para combater eficazmente os demónios”.