Depois de um AVC não há doentes. Há apenas sobreviventes. A definição parte dos próprios médicos e é sentida por quem viveu um acidente destes. Pelo menos um terço morre e outro tanto fica com incapacidades permanentes. Só uma minoria consegue ultrapassar o problema sem sequelas.
Além de escapar de uma morte demasiado certa, quem passa por um AVC tem de aprender a viver de novo. Terá a tarefa mais facilitada, depois de ser criada a primeira organização dedicada a apoiar doentes e famílias. A Associação Portugal AVC (www.portugalavc.pt) acaba de ser criada e tem o lançamento público marcado para dia 5 de Outubro, por altura do encontro nacional.
António Conceição, presidente, foi uma das milhares de vítimas anuais de AVC em Portugal. Passaram oito anos desde que foi internado de urgência no Hospital de Viseu, então com apenas 41. Na altura, não lhe prognosticaram destino que se queira: cadeira de rodas para sempre ou, na melhor das hipóteses, mover-se com um andarilho. Os cuidados privilegiados que diz poder suportar permitiram-lhe ficar “apenas” como uma fala gaguejante, num discurso fluido a compensar.
Em 2012, de acordo com a Direção-geral da Saúde, morreram 13 020 portugueses devido a doença cerebro-vascular. António, bancário, sabe bem que nem toda a gente tem a sua sorte – um socorro rápido e uma reabilitação eficaz – depois do azar. Por isso, não hesitou quando o desafiaram para criar uma associação de apoio aos doentes e às famílias. “Foram dois anos a mobilizar pessoas, mas tenho a certeza de que vai valer a pena. Queremos promover iniciativas que contribuam para a prevenção e dar resposta às necessidades dos sobreviventes. No Hospital de Viseu, já criámos um grupo de ajuda para partilha de problemas. E queremos disseminar iniciativas destas por todo o país”, disse à VISÃO.
Ainda o dia ia a meio quando falamos com a vice-presidente da Associação, a neurologista Elsa Azevedo, e já lhe tinham passado três casos de AVC pelas mãos. “O segredo”, explica, “está numa decisão cuidada, mas rápida”.
A medicação é hoje já bastante eficaz no tratamento destes casos, especialmente os acidentes causados por trombos, mas depende da celeridade do diagnóstico e da terapêutica. Mais de quatro horas e meia podem ser a diferença entre morrer ou viver, passar a viver como um vegetal ou continuar a ter uma vida ativa.
Em Portugal, o AVC é a primeira causa de morte e de incapacidade permanente, e a segunda causa de demência. Um quadro negro que pode ser melhorado se forem seguidas as normas recomendadas pelos especialistas: “É essencial chamar o INEM porque se ativa uma articulação com os hospitais que estão melhor preparados para diagnosticar e tratar estes casos”, insiste a neurologista.
Apesar destes alertas, Elsa Azevedo, a trabalhar no Hospital S. João, admite que a resposta a situações agudas tem melhorado nos últimos anos. Pior está a reabilitação.
Ana Alves, fisiatra, e vice-presidente da Associação, nota que depois do diagnóstico e dos primeiros socorros, “muitas vezes os doentes não são bem orientados”. Até porque “faltam equipas multidisciplinares de reabilitação na maioria dos hospitais”.
Tal como no momento do acidente, a consistência do apoio que se segue é essencial para a recuperação. Pode significar anos. E nem todas as famílias encontram a resposta de que precisam. Por isso mesmo, Ana Alves juntou-se a Elsa Azevedo e a António Conceição. Acreditam que a criação da nova associação poderá fazer a diferença.