Assim que a garrafa saiu do invólucro onde vinha bem acondicionada, os olhares de espanto começaram a apontar na sua direção. “Vinho?! Isso é vinho?”; “Não será um licor?”; “Deve estar cheio de sulfitos!”.
Não admira o espanto, nem as dúvidas, nem as piadinhas. Nós, portugueses, habituados ao tinto e ao branco e, vá lá, a conceder num rosé, especialmente agora que as boas marcas têm vindo a apostar nesta cor de meio termo, podemos lá pensar em beber um vinho de um azul petróleo bem fotogénico.
Metemos a garrafa no frigorífico. Espreitámos o site, jovial e cheio de informação em português, e mandámos um mail, esperando uma resposta rápida enquanto o dito vinho refrescava. Soubemos, entretanto, que esse pedido de entrevista foi parar a um pequeno apartamento em Portugalete, um pueblo perto de Bilbau, perdido no País Basco, lá bem para o Norte de Esapanha.
Também descobrimos entretanto, e enquanto a resposta não chegava, que estas garrafas andam por aí há um ano, a 10 euros cada uma. O preço não impediu que se vendessem cerca de 70 mil unidades nos países onde mais tem penetrado (Alemanha, França, Holanda e Suíça). As vendas fazem-se essencialmente online.
São seis os jovens na casa dos vintes que “inventaram” esta bebida de cor índigo, com 11,5 graus de álcool, e que partilham da mesma cartilha: “Beber Gïk [assim se chama] não é apenas beber vinho; é beber inovação e criação.” E nem precisavam de gritar ao mundo que não são apreciadores do tradicional néctar ou das regras que o regem. ‘Tá na cara.
Bom, mas a verdade é que estamos mesmo a falar de vinho. Eles garantem que a base desta bebida é uma mistura de uvas brancas e vermelhas, à qual adicionam um pigmento da pele, que se chama antocianina. E depois ainda acrescentam um pigmento orgânico (indigotina ou anil). Por fim, junta-se um punhado de adoçantes não calóricos.
Não conseguimos fazer perguntas, porque não chegou o tal mail de resposta. Mas adoraríamos saber que adoçantes não calóricos são esses, o que é exatamente um pigmento orgânico e outras tantas coisas que chegam a nossa mente enquanto olhamos para o copo com o líquido azul lá dentro.
É dia de jogo da Seleção Nacional. A redação está prestes a entrar em estágio e isso implica que se esvazie a um ritmo alucinante. E ainda ninguém provou o Gïk. Vamos a isso. Bem, o resultado da prova não foi dos melhores – espera-se que Portugal se saia melhor.
Da meia dúzia de pessoas que se arriscou na prova, não houve ninguém que gostasse da bebida. Não podemos aqui reproduzir alguns adjetivos que foram usados para classificá-la, mas o doce exagerado foi a maior crítica que se ouviu. Ok, não somos uma amostra muito representativa, e até nem somos experts, mas uma coisa posso assegurar: gostamos de uma boa pinga.
A garrafa vai continuar no frio para outros corajosos se aventurarem. E entretanto pode ser que o mail chegue…