De repente tudo faz sentido outra vez? Ou será a “pista Clement Freud” apenas mais uma em que a polícia britânica vai gastar tempo e dinheiro? Certo é que até às vésperas do documentário Exposure, que o canal de televisão ITV emitiu na noite de quarta, o Caso Maddie mantinha-se em águas de bacalhau e nunca o nome deste neto do psicanalista alemão fora mencionado a não ser para lhe tecer loas. Muito menos surgira nas investigações que as polícias britânica e portuguesa desenvolveram desde a noite de 3 de maio de 2007, data do desaparecimento de Madeleine McCann.
Com as denúncias de duas mulheres que dizem ter sido abusadas por Sir Clement Freud, nas décadas de 40 e 70, de repente o homem “acolhedor e divertido” que convidou Kate e Gerry McCann para almoçar na villa que tinha na Praia da Luz, a escassos minutos a pé do Ocean’s Resort e do apartamento de onde Maddie desapareceu, pode ser a resposta para o mistério que assombra o casal há nove anos. Mesmo que o conhecido ex-deputado tenha morrido em 2009, com quase 85 anos, e que a sua família afiance que ele estava no Reino Unido nessa noite de maio de 2007.
A polícia britânica está na pista do ex-deputado Clement Freud desde que Sylvie Woosley contou na ITV, à mesma equipa que expôs os abusos de Jimmy Savile, ter sido abusada sexualmente por Clement entre os 10 e os 19 anos. Uma outra mulher, que pediu para não ser identificada, também disse que terá sido abusada por ele desde os 11 anos e violada aos 18.
“Era a primeira vez, aos 10 anos, que uma figura paterna entrava na minha vida… Ele acariciava-me e beijava-me na boca, no fundo do autocarro… Era horrível e eu não gostava. Ficava repugnada e incomodada”, contou Sylvie na ITV. Quando fez 14 anos e foi viver com Clement, mais a sua nova mulher, June, e o bebé de ambos, tudo piorou. De noite, ele entrava no seu quarto e violava-a.
Na mesma peça televisiva, uma segunda mulher disse que conheceu Clement aos 11 anos, quando ele era deputado. Ele convidava-a a visitar o Parlamento, chegou a violá-la e a tentar prendê-la numa cave.
Viúva lamenta o sucedido
Numa declaração pública, June, a viúva, já se disse “chocada”, lamentando o que aconteceu: “Este é um dia muito triste para mim. Fui casada com Clement durante 58 anos e amava-o. Lamento profundamente o que aconteceu a estas mulheres e espero sinceramente que elas agora tenham alguma paz.”
Os pais de Maddie estão “horrorizados” com as revelações. No livro que publicou em 2012, Kate McCann escreveu que, dois meses depois do desaparecimento da filha, Clement Freud convidou o casal duas vezes para sua casa. O ex-deputado, então com 83 anos, contactou-os por carta, com uma proposta simpática. “Tenho uma casa na P da L [Praia da Luz], envergonho-me da intrusão dos nossos media… Se quiserem almoçar/ jantar a qualquer momento até à próxima quarta-feira, deem-me um toque a avisar. Cozinho refeições decentes.”
Embora tivesse voo marcado de regresso ao Reino Unido para essa quarta-feira, recebeu-os como se lhe sobrasse todo o tempo do mundo, conta Kate. “Fico habitualmente muito intimidada com pessoas que têm cérebros do tamanho de planetas mas Clement foi incrivelmente acolhedor, divertido; gostei logo dele. Mas ele usava tantos chapéus – humorista, deputado, gourmet, jogador, cronista, personalidade da rádio e TV – que era difícil de definir.”
O melhor risotto de sempre
Clement ofereceu-lhes um vodka morango e preparou uma salada de agrião e ovo, seguida de um risotto de frango e cogumelos que Kate descreve como o melhor risotto que alguma vez provou. Mais tarde, o casal receberia um segundo convite, dessa vez para jantar. Decidiram decliná-lo porque tinham acabado de ser constituídos arguidos mas passaram lá por casa só para tomar um copo.
“Encontrámos Clement a ver a um programa de culinária, de camisa de noite”, escreve Kate. “Foi um pouco como ir visitar o avô depois de um dia horrível na escola. Ele lançou-me um dos seus olhares, deu-me um copo gigante de conhaque e conseguiu obter um sorriso meu, ao perguntar: ‘Então, Kate, que parte da católica devota, alcoólica, deprimida ou ninfomaníaca está correta?’.”
Até à morte de Clement, em abril de 2009, os três manter-se-iam em contacto por telefone e email.
Alemão naturalizado britânico, Clement Freud era neto do famoso psicanalista Sigmund Freu e irmão do pintor Lucian Freud. Antes de ser eleito membro do Parlamento, em 1973, atraiu as atenções como chef. Deputado durante 14 anos, dividia o gabinete com Cyril Smith, que seria acusado de pedofilia após sua morte e implicado no alegado encobrimento da rede de pedofilia VIP Westminster.