É um método de tentativa e erro que se arrasta há anos a fio. “No mínimo, há duas décadas”, precisa João Ramalho Santos, investigador de células estaminais na Universidade de Coimbra. O cientista português sabe que as experiências que tentam tornar porcos em dadores de órgãos para transplantes em humanos se desenvolvem nas universidades de Duke, em Boston, de Massachusetts (Umass, pública), e da Califórnia (faculdade agrária de Davis).
As notícias mais recentes chegam de Davis, Califórnia. Os seus investigadores estão a combinar células estaminais humanas com ADN de porcos, deixam os embriões a maturar durante 28 dias e depois analisam o material obtido.
Estes cientistas acreditam que os porcos, embora transportem órgãos humanos, continuarão a ser porcos, no aspeto e no comportamento. Mas o objetivo há tantos anos perseguido é que se transformem numa espécie de via verde de órgãos para transplantes em humanos. E os investigadores de Davis levam a ousadia ao máximo: apostam em futuros xenotransplantes (transplantes de órgãos entre diferentes espécies) do pâncreas, coração, fígado, rins, pulmão e córnea.
“Os porcos são os animais com órgãos, sobretudo o fígado, mais parecidos com os dos humanos”, diz o cientista João Ramalho Santos. Mas os três grupos de cientistas americanos têm a oposição (e o consequente não financiamento) dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, que questionam as implicações nos animais destas experiências. Pablo Ross, biólogo que lidera a investigação de Davis, já tentou amenizar receios, afirmando que “é muito baixa a possibilidade de um cérebro humano crescer” num porco submetido a este tipo de experimentação.
O grande problema, pormenoriza João Ramalho Santos, está na chamada “edição do ADN”, em que um gene de porco é substituído por um gene humano. “Depois de feita, falta sempre mais qualquer coisa”, explica. Mas o investigador da Universidade de Coimbra também acredita que tecnologias cada vez mais sofisticadas hão de resolver o enigma e criar mesmo órgãos transgénicos para transplantes seguros em humanos.
Restam os protestos dos defensores dos animais, que já se fazem ouvir. Numa edição recente do programa Panorama, da BBC, dedicada ao tema, Peter Stevenson, dirigente da ONG Compassion in World Farming, deu conta das suas apreensões. “Estou preocupado com esta nova fonte de sofrimento dos animais”, disse. “Vamos antes apostar no aumento dos dadores humanos.”