Se por um lado, há cada vez mais sensibilização para o tema, se cada vez há mais associações que protegem e denunciam vítimas e agressores de violência doméstica, e se criam campanhas e se accionam programas de proteção legal – o certo é que este crime continua a destruir muitas vidas: das mulheres e das crianças envolvidas.
Não é a lei que não serve. É a lei que não basta. Porque a sociedade passivamente consente. É uma questão de mentalidades, explicam os juristas e técnicos de associações de apoio. Foram muitos séculos de patriarcado, muitos séculos de supremacia masculina, muitos séculos de violência, posse e subjugação. A violência doméstica, nas suas várias vertentes (física, verbal, sexual) continua a não ser percecionada enquanto crime – às vezes até pelas próprias vítimas, que consideram que devem prestar vassalagem e submissão ao marido.
Fala-se de escravatura, quando se trata de emigrantes clandestinos que são abusados em relações laborais fictícias – mas muitos se esquecem que por detrás da porta do lado, podem estar a acontecer crimes de atentado à dignidade da pessoa humana, mulheres escravizadas, sem vontade própria, sem direito à sua auto-determinação, à sua decisão, ao seu corpo. Como se fossem pertença de outrém. Como se fossem escravas.
No livro Vidas suspensas, da jornalista e camarada de redação, Rita Montez, editado pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, recolhem-se doze testemunhos de vítimas, mulheres comuns, operárias, administrativas, empresárias, médicas, engenheiras e até juízas… Fala-se aqui de centenas de processos de mulheres agredidadas que aparecem nos tribunais numa qualidade de duplamente vítimas (dos companheiros e do sistema judicial): «são depois acusadas de alienação parental ou de manipular os filhos quando estes se recusam a conviver com os pais agressores».
Apesar do reconhecimento e da condenação social, apesar de, a partir do ano 2000, a violência doméstica ter passado à configuração de crime público (ou seja, qualquer pessoa pode denunciar e a vítima não pode desisitir em qualquer fase do processo), ainda não estão, segundo a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, asseguradas as repercussões penais que visem a defesa dos Direitos Humanos das vítimas.
A Violência Doméstica no próximo E se Fosse Consigo?