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A vida que não passamos em revista não vale a pena viver”, terá dito Sócrates, o filósofo, e Carlos Cruz assina por baixo. Ao longo dos seus quase 74 anos, o apresentador rebobinou várias vezes o que lhe foi acontecendo, como se estivesse a ver um daqueles filmes que tentava fazer, em Luanda, com os pedaços de celuloide colecionados no Cinema Colonial. E, quase sempre que olhou para trás, gostou do que viu – diz o homem que continua a declarar-se inocente apesar da condenação que o levou à cadeia.
Não é pessoa de arrependimentos. Só talvez o facto de ter vindo de Nova Iorque ou não ter voltado a Angola, quando saiu do Técnico. “Tenho orgulho naquilo que sou e fui sendo”, há de dizer durante a entrevista que deu à VISÃO, no Estabelecimento Prisional da Carregueira, perto de Belas (Sintra), onde está há quase três anos. “Não sou dado a autoelogios, mas também não sou imodesto.”
Da primeira vez que rebobinou o passado teve ajuda dos amigos que apresentaram a sua vida em imagens, na festa dos 50 anos. Nessa noite, no Hotel Palácio, no Estoril, pensou “Tu és bom!” e pôs a hipótese de escrever uma autobiografia. Mas foi um projeto com morte anunciada porque andava demasiado ocupado a viver.
“Entretanto, circunstâncias externas à minha vontade arranjaram-me tempo livre para escrever. E é na solidão que encontramos a verdade absoluta, porque ela não está poluída pela verdade de ninguém. É o encontro connosco próprios.”
Depois de um primeiro ano a ler e reler livros (despachou mais de 200), Carlos Cruz pegou em esferográficas e blocos A4, e encheu 1363 páginas a contar a sua vida desde que nasceu, a 24 de março de 1942, até ao dia 31 de janeiro de 2003, quando foi detido no âmbito do processo da Casa Pia. “O verdadeiro ‘eu’ está no livro. Os últimos anos não existem, não contam.”
Foram 16 meses para terminar o manuscrito de Uma Vida. À medida que escrevia, enviava as páginas para fora da prisão, onde eram passadas para um documento word. Como não tinha acesso à net e queria que o livro fosse rigoroso, mandava questionários “quase pidescos” a uma equipa de amigos e familiares. “O manuscrito foi emendado e voltou para trás as vezes necessárias. O meu grande intermediário nesta construção foram os Correios.”
O resultado é um livro divertido e “muito sincero”, diz. A maior parte dos episódios tem a ver com a profissão, naturalmente. “Sou um apaixonado por ela, e as paixões deixam sempre grandes memórias, sejam boas, más ou assim assim.”
E já que falamos em paixões, a versão original tinha mais 15 mulheres, mas suprimiu algumas com receio de que achassem um exercício de propaganda. “Deixei as da minha vida e as na minha vida; das outras selecionei seis ou sete, cada uma com um episódio marcante’’.
Entretanto, já está a escrever um livro sobre os sistemas prisionais e a execução de penas na Europa, juntou apontamentos para uns contos, e gostava de avançar com uma obra sobre técnicas de entrevista e um romance “muito louco” que anda a germinar na sua cabeça.
Os episódios que aqui se contam abrem o apetite para o lançamento do livro, marcado para terça-feira, 22, no Hotel Altis, em Lisboa. Carlos Cruz, que estará a gozar uma saída precária, já pediu à juíza autorização para se ausentar do concelho de Cascais e assistir à cerimónia.
Uma infância solitária
Reza a memória familiar que o sétimo e último filho de Emília e José Cruz nasceu de olhos abertos e logo a parteira vaticinou: “Este vai ser muito inteligente.” Cresceu entre adultos que o mimavam e não chegou a ir à escola em Portugal porque foi para Angola aos 6 anos, mas aprendeu a ler cedo, com a ajuda da irmã Celeste. Sempre obediente, exibia as habilidades como um macaquinho, ganhando um primeiro clube de fãs entre as vizinhas. Mas do que ele gostava mesmo era de subir ao telhado, onde passava horas a imaginar o mundo para lá da sua aldeia.
1 > EU É QUE SOU O PADRE CRUZ
Nasceu numa casa sem água canalizada, eletricidade ou instalações sanitárias. Os pais possuíam várias fazendas, o que os elevava à classe média alta de Parceiros de São João, mas em 1942 não existia nada disso naquela aldeia perto de Torres Novas.
Emília e José tinham chorado uma primeira filha que morrera aos 16 meses, com uma disenteria. Os dois filhos mais velhos já eram adultos e os outros três estavam com 16, 11 e 8 anos. Ele era o produto de um descuido.
A mãe era de comunhão semanal, e levava-o sempre consigo. De tanto ir à missa, ele aprendeu os gestos da celebração e as frases em latim. Um dia, celebrou para a mãe e a irmã Celeste, que o gabaram na vizinhança. “E assim este Padre Cruz encostou uns caixotes à parede do poço, como altar, recortou em papel umas hóstias e oficiou a sua primeira missa.”
Muitos anos depois, seria um monsenhor a levá-lo a bater com a porta na Rádio Renascença. Quando a revista Flama o deu como noivo de Lisete, com quem namorava há quatro anos, disse a Lopes da Cruz, diretor da Rádio Renascença, que só não o convidava para o casamento porque não seria pela igreja. O sacerdote não se ficou: que os dois ainda iam reconsiderar, rezaria ao Espírito Santo para que mudassem de ideias, se fosse preciso reimprimiam-se os convites. Tudo menos ter ali pessoas a trabalhar “com a situação conjugal fora da doutrina da Igreja”. Ele, que adorava apresentar o programa 23ª Hora, foi buscar os discos à cabina e nunca mais voltou.
2 > COMO GATO NO TELHADO
Miúdo, vivia num fascínio permanente pelo sótão da casa, onde gastava horas sozinho, na expectativa de encontrar um tesouro. Havia uma janela que dava acesso ao telhado, e era lá que gostava de ficar a ver e a imaginar os destinos dos carros. Quando os dois irmãos mais velhos, Armando e Abel, emigraram para Angola, as cartas deviam trazer descrições boas para o transportarem daquele telhado para um país com promessas de Eldorado.
Em Luanda fazia calor mesmo quando em Parceiros de São João apetecia ficar na enorme lareira que servia de aquecimento central, fogão, fumeiro e sala de aula. Foi nessa lareira que Celeste, a irmã com gosto e tempo para fazer de segunda mãe, lhe ensinou a ler, a escrever e a fazer contas.
As notícias que Armando e Abel enviavam de Luanda brilhavam ainda mais em contraponto com as invejas e a má-língua na aldeia – o êxito económico de José, ao que parece, incomodava muita gente. Emília acreditava que alguém lhes lançara um mau-olhado e, embora muito católica, chegou a ir à famosa bruxa de Abrantes.
3 > CINEMA PARAÍSO
Um dia, José foi a Angola, supostamente só para visitar os filhos mais velhos. Da viagem, trouxe o desenho de um peixe-voador e a decisão de emigrar. Não demorou muito, por isso, até voltar a embarcar com a família, no navio de carga e passageiros Lourenço Marques, rumo a Luanda. Os seis viajaram em 3.ª classe, numa camarata junto ao porão, sem luz natural, e viveram cenas que pareciam saídas do filme O Imigrante, de Charlie Chaplin.
Frente ao colégio que passou a frequentar, havia o Cinema Colonial, onde não perdia um filme porque caíra nas boas graças do dono. Gostava de ajudar o projecionista a enrolar as bobinas e colecionava os fotogramas de celuloide que ele cortava para reparar as partes riscadas ou rasgadas da película. “Depois, com uma caixa de sapatos e uma lanterna, tentava fazer projeções com essas imagens em casa.”
Juventude inquieta
Na Luanda do final da década de 50, os adolescentes ansiavam pelos sábados à noite, sinónimo de hipótese de dançar cheek to cheek. Aos 14 anos, Carlos tinha outros desejos: queria dormir pela primeira vez com uma mulher e ser locutor de rádio, assim por esta ordem. Experimentaria ambos. E, já em Lisboa, havia de lhes acrescentar um terceiro prazer, o do jogo.
4 > DOS BAILES À PRIMEIRA VEZ
Além do cinema, não perdia um baile de sábado à noite no Clube União de São Paulo, onde tentava a aproximação física. “A dançar, faziam-se umas malandrices, a maior das quais era o ‘passe de cafeteira’. Quando a rapariga oferecia exagerada resistência à aproximação dos corpos (…) o rapaz trocava os pés e ela desequilibrava-se, caindo-lhe nos braços. Eu era exímio nesse passo.”
A curiosidade pelo sexo oposto era grande. Aos 14 anos, leu e releu às escondidas o livro A Nossa Vida Sexual, de um tal dr. Fritz Kahn. A oportunidade de passar à prática surgiu numa noite em que o irmão José lhe pediu para ser ele a encerrar a loja da família. Como não havia clientes, decidiu fechar mais cedo, e, estava já a preparar-se para sair quando alguém bateu à porta. Era uma mulher, de olhos verdes, parecendo ter uns 30 anos. Carlos encheu a garrafa de vinho que ela trazia. E depois avançou.
“Ignoro onde fui buscar a coragem. Saí detrás do balcão e, em silêncio, fui fechar a porta sentindo-me também observado, em silêncio, por aquela mulher encostada ao balcão, que por seu lado não recolhia a garrafa. Regressei em direção a ela disposto a correr todos os riscos. (…) Estendi no chão de cimento um saco de serapilheira. (…) E estou agradecido ao dr. Fritz Kahn.”
5 > A ESTREIA NA RÁDIO, AOS 14 ANOS
No quarto que partilhava com o irmão José havia uma telefonia “com um olho verde”, onde sintonizava estações de todo o mundo. “Imaginava os locutores como heróis românticos e passei a imitá-los. Fazia, só para mim, locuções em voz alta, dizia anúncios que sabia de cor.”
Em 1956, um colega mais velho convidou-o a colaborar como locutor num programa da Mocidade Portuguesa que o Rádio Clube de Angola transmitia. Na estreia, leu duas frases de Salazar e o título de uma rubrica, e foi um acontecimento na sua família. Ainda nesse ano, a seleção militar portuguesa de futebol foi a Angola jogar com a seleção de Luanda. Como não tinha dinheiro para ver o jogo, lembrou-se de pedir ao padre José Maria Pereira, que era o seu professor de Religião e patrão da Rádio Ecclesia uma boleia na carrinha da equipa. Ajudaria a descarregar o material e, se fosse preciso, podia fingir que também ia fazer o relato.
“Não sei que história ele contou ao Rui Romano”, diz. “Sei que cheguei lá e havia à minha espera uma cadeira de realizador de lona, com uns auscultadores. E, à meia hora de jogo, ouvi ‘Vou passar o microfone a…’ Aí, fiquei com um trilema: Ou desmaio, ou aceito e é uma barraca, ou não aceito e é um vexame para o Rui Romano”. A indecisão durou uma fração de segundo. No final, acharam-no “bestial”, e, no dia seguinte, o padre convidou-o para os quadros da emissora. Tinha 14 anos.
6 > PÓQUER E SENHORAS PROFISSIONAIS
A 9 de setembro de 1959, iniciou a viagem de regresso a Portugal. Fizera o exame de admissão ao Instituto Superior Técnico e acreditava que ia entrar. O pai já morrera e a mãe regressara a Parceiros de S. João. Ele era ingénuo, tímido, provinciano. “Sentia-me mais perto da fase adulta do que da adolescência que não me lembrava de ter vivido.” A bordo do Vera Cruz, aprendeu a jogar póquer com outros estudantes. Mais tarde, já em Lisboa, iria divertir-se e vestir-se à conta dos jogos de póquer e “abafa”, em dois ou três locais clandestinos.
As noites de jogo acabavam invariavelmente de madrugada, no Bolero, na esquina da Rua da Palma com o Martim Moniz. “Servia bifes no primeiro andar até de manhã, enquanto no rés do chão se podia dançar com umas senhoras que, embora profissionais, gostavam de oferecer gratuitamente os seus favores aos estudantes. Havia pouca luz e a música ao vivo era de um quinteto invulgar: os cinco músicos eram cegos. (…) Devo ao Bolero a minha única experiência de doenças venéreas.”
Entre a rádio e a televisão
O primeiro ano em Engenharia não podia ter-lhe corrido bem, com tantas horas a trabalhar na Emissora Nacional, onde entrara como relator desportivo, e as noites de jogo com que compensava a saudade das tertúlias no café Monte Carlo, de Luanda. A rádio continuava a ser o maior desafio, mas iniciaria com a televisão uma relação intermitente.
7 > EH, TOURO LINDO!
Pouco tempo depois de chegar à Metrópole, foi contratado como relator desportivo na Emissora Nacional. Ao segundo ano de frequência no Técnico, desistiu quando apanhou um chumbo “injusto” em Matemáticas Gerais. Ainda implorou a revisão da nota ao professor, mas como este se mostrou irredutível, bateu com a porta antes de lhe dizer: “Senhor engenheiro, vá à merda!”
Um dia, um amigo que estava a estagiar na RTP convenceu-o a concorrer à televisão. Era preciso indicar duas pessoas que pudessem fornecer informações a seu respeito, mas não queria dar o nome dos amigos com quem gastava horas no Café Império – iam gozar, com certeza. Avançou, então, com os da senhoria e da dona da tabacaria que havia ao lado do prédio. Foi chamado para prestar provas e, em abril de 1962, estreou-se, no programa Teledesporto. Tinha 20 anos e integrou-se com facilidade nos estúdios do Lumiar.
A primeira confraternização da Casa do Pessoal da RTP em que entrou acabou numa garraiada. “Até as caracterizadoras eram forcadas”, recorda. Como o convenceram de que tinha jeito, recebeu umas aulas no Campo Pequeno e entrou em duas corridas de beneficência. Numa delas, foi o terror. “Saiu um touro para a arena, enorme, uma camioneta. Eu estava no burladero, com um capote no braço, e o matador Manuel dos Santos empurrou-me. Tive sorte porque era um touro leal, não procurava o vulto, mas sim o capote.” O susto foi tão grande que nunca mais toureou.
8 > ACERTAR NOS BEATLES E NO PALMA
Em 1966, estava numa conhecida discoteca em Londres quando Ringo Starr se sentou numa mesa ao lado da sua. Quando, pouco depois, o DJ pôs uma música que reconheceu como sendo dos Beatles, meteu conversa com o baterista. Era uma música inédita, chamava-se Yellow Submarine e fazia parte do novo álbum do quarteto de Liverpool, Revolver. O português explicou-lhe, então, que produzia um programa de rádio, um “fazedor de sucessos” onde gostaria de poder passar aquela música. Bastava-lhe ir à EMI, respondeu Ringo, e dizer que ia da sua parte. Foi o que fez, meio incrédulo, e a verdade é que o álbum Revolver seria estreado mundialmente na 23ª Hora.
Em 1973, numa altura em que ajudava Arnaldo Trindade a contratar novos artistas para a Orfeu, apareceu-lhe um rapaz com uma cassete. Cantava acompanhando-se ao piano e parecia ter talento. Quando lhe perguntou quanto queria por um disco, o rapaz respondeu-lhe que ia viver com a namorada e não tinham nenhum eletrodoméstico. E foi assim que o primeiro álbum de Jorge Palma na Orfeu foi pago com máquinas de lavar loiça e roupa, fogão e frigorífico, da marca Philco, representada por Arnaldo Trindade.
9 > A TROPA COM O ‘TELEJORNAL’ PELO MEIO
No início de 1965, durante os três meses de recruta, ficou a conhecer de cor cada curva da estrada entre Santarém e Lisboa. Como combinara na RTP que continuaria a apresentar o Telejornal ao sábado, ao domingo e mais duas vezes por semana, nos dias em que ia à capital, o seu Renault 1093 demorava apenas 40 minutos a chegar. No Lumiar, enfiava uma camisa, uma gravata e um casaco antes de apresentar peças que não tivera tempo para visionar antes.
Os anos de improviso deram-lhe um traquejo invejável. Em janeiro de 1975, arrendou uma moradia para fazer a cobertura da cimeira que se ia realizar no Alvor para discutir a independência de Angola. Montou uma redação e um estúdio, escolheu quatro jornalistas e tudo correu na perfeição até à sessão solene para assinatura do acordo final, que seria transmitida em direto. Seriam cinco minutos, não mais, mas o então Presidente da República, Costa Gomes, atrasou-se tanto que esteve 45 a improvisar em cima de referências históricas.
10 > ‘PEZINHOS’ É ALCUNHA, SIM
Foi sobretudo como apresentador que se popularizou. Depois do Zip Zip (“que foi uma pancada”, com Solnado e Fialho Gouveia) e antes do Carlos Cruz Quarta-Feira, o concurso 1,2,3 (adaptação de um formato espanhol) torná-lo-ia conhecido como o “homem da Bota Botilde”. Mais tarde, ganharia a alcunha de Pezinhos por causa de um episódio que se conta num parágrafo.
No início de um outro concurso, O Preço Certo, alguém lhe segredou que aquilo cheirava a truque para se fazerem horas extraordinárias. “Aquilo” era os jogos construídos pela RTP borregarem à primeira. Um motorzinho não funcionava, os LED não acendiam, a roda gigante parecia uma roda solta. Nessa noite, perdeu a cabeça, desatando a pontapear os jogos, nos bastidores, aos gritos de “incompetentes”. Nunca mais houve avarias.
Jogos de poder
É um homem de esquerda que nunca procurou um lugar na política. Isso não impediu que fosse namorado à direita e à esquerda. No final dos anos 80, aceitou tomar o pequeno-almoço com Cavaco e achou os ovos mal mexidos. Dez anos depois, foi convidado pelo PS para encabeçar a candidatura de Portugal ao Euro 2004 e não gostou do que viu e ouviu nos bastidores.
11 > OVOS MEXIDOS COM CAVACO
Em 1986 ou 1987, recebeu um convite para tomar o pequeno-almoço com o primeiro-ministro. “Pedi-lhe para vir aqui porque o senhor fala com muita gente. Eu gostava de saber o que é que se diz lá fora, de mim e do Governo.”
O convidado quase se engasgou, mas lá lhe disse que os portugueses andavam preocupados com a educação dos filhos, a saúde e os impostos. E saiu de São Bento incrédulo por Cavaco Silva ter querido falar com “o homem da Bota Botilde”.
12 > A CORRUPÇÃO NO EURO 2004
“Acho que passaram anos suficientes, já se pode contar como foi a nossa caminhada para ganhar”, diz, agora. “Como era o jogo de poderes dentro da UEFA e personagens míticas que não gostei de conhecer, como o João Havelange.”
No livro, conta, então, três episódios de pedidos de “presentes” a troco de votos. Um deles era uma vivenda no Algarve, no valor de 100 mil dólares, com José Sócrates, então ministro-adjunto do primeiro-ministro, a dizer-lhe: “Ó Carlos Cruz, não podemos perder isto por uma questão de dinheiro, era o que faltava!”
Cabeça e coração
É de paixões arrebatadas e depressões profundas. Há 21 anos, chegou a pensar no suicídio, sendo resgatado “do fundo do buraco” por um amigo médico. Mas quando teve problemas graves de saúde – como um cancro na garganta, em 1992, e um princípio de enfarte, em 1994 – acreditou sempre que iria sobreviver.
13 > A DEPRESSÃO, NOVAMENTE
Em janeiro de 1995, a “descida ao fundo de um enorme buraco” foi um “dano colateral” da falta de perspetivas face à situação financeira complicada da sua empresa. Era a segunda vez que caía em depressão. Desta vez, estava sozinho na sua casa do Alentejo, vivia de noite e “andava por ali, pelos campos, em busca de nada, em direção nenhuma”. Deixou crescer a barba.
Numa noite em que sentiu ter chegado ao fim “e não queria mais viver”, tocou o telefone. Era o seu amigo Eduardo Mendes, médico, que havia de se meter no carro e bater-lhe à porta, sem avisar, para fazer com ele um “verdadeiro exercício de terapia”. Uns dias depois, Carlos deixava o Alentejo e visitava a mãe, em Parceiros de São João.
14 > QUATRO ‘BYPASSES’ DE UMA SÓ VEZ
Um ano antes, sentira-se esquisito, como se não estivesse confortável no seu corpo, e acabou a ser operado, para colocar quatro bypasses. A operação demorou oito horas e foi filmada, a seu pedido. “Gostei de ver e ouvir: o som da serra elétrica a cortar o externo longitudinalmente, o afastamento das costelas para os lados (…) Vi o meu coração parar e o meu sangue a sair do corpo, ir a uma máquina e voltar contornando o coração; vi o músculo cardíaco voltar a bater a um ritmo regular (…) Parecia uma cena daquelas séries americanas, Dr. House, Serviço de Urgência ou Anatomia de Grey.”
15 > ‘NÃO VAIS CASAR, EU NÃO DEIXO!’
Casou de papel passado três vezes, com Lisete, Marluce e Raquel.
A primeira vez foi a 21 de novembro de 1966. Lisete estava linda e ele numa pilha de nervos. E se ela aparecia a fazer um escarcéu? “Ela” era uma mulher mais velha com quem mantivera um relacionamento sexual, que ficara furiosa ao saber do seu casamento. Dois dias antes, decidiu gravá-la a fazer-lhe ameaças; e, na véspera do “sim”, mostrou-lhe a gravação, jurando que a passaria à Polícia caso armasse confusão na Conservatória ou no copo d’água.
Foi a única vez que temeu o escândalo. Nem quando se apaixonou por Isabel, uma mulher da alta sociedade que conheceu casada, fez marcha-atrás por causa daquilo que os outros pudessem pensar. E, hoje, ainda se sente mais livre. “Estou numa altura da minha vida em que não devo nada a ninguém.”