Da próxima vez que vir uma cena num filme em que o acusado de homicídio nega ter estrangulado a vítima, apesar de os especialistas em Medicina Legal apresentarem provas em contrário, talvez se lembre deste artigo. Um investigador português concluiu que pode parecer que alguém morreu de asfixia quando, na realidade, se tratava de uma variação anatómica, encontrada potencialmente em 30 por cento da população.
João Pinheiro, vice-presidente do Instituto de Medicina Legal, andou quatro anos a investigar as “asfixias mecânicas”, que em linguagem comum podem ser traduzidas por “morte por falta de ar por pressão no pescoço”, e concluiu que até 70% das amostras de cartilagens analisadas “podem ter variantes anatómicas”. Ou seja, “apenas 30% dos casos seriam puras asfixias, nos outros pode haver influência de variantes anatómicas”. Isto acontece porque essas variantes “mascaram fraturas por parecerem a mesma coisa”.
Quer isto dizer que as autópsias a indicar estrangulamento estavam sempre erradas? Não necessariamente, esclarece João Pinheiro. “Numa autópsia bem feita” ponderam-se outros fatores, além da fratura na cartilagem.
Perante esta nova investigação terá de ser melhor confirmada a tese de estrangulamento nas autópsias porque passará a ser essencial “ter em conta as variações anatómicas”. Da amostra de 207 autópsias com dissecação da laringe, João Pinheiro concluiu que “mais de metade tem uma cartilagem que confunde o diagnóstico”. Por isso, acredita o investigador “estas conclusões acabarão por levar à alteração dos protocolos da Medicina Legal”.
Para João Pinheiro, estudos como este alertam ainda para a necessidade de “melhorar o treino dos médicos legistas” porque demonstram que nem tudo se deteta em raios X e meios de diagnóstico muito tecnológicos. “Tem de ser com as mãozinhas”, ironiza o médico, defendendo que “teremos de voltar um bocadinho atrás e estudar mais anatomia”.
As conclusões do estudo de João Pinheiro foram apresentadas durante a defesa de tese de doutoramento em Santiago de Compostela, Espanha, no final do ano passado, e no maior congresso mundial da especialidade, nos EUA, este mês.