Quase a cumprir 70 anos, Jacques Donnez continua a ser um pioneiro. Em Lisboa, para participar num encontro científico no Hospital da Luz, o belga defendeu que metade das causas de infertilidade podem, atualmente, ser tratadas.
A Bélgica tem liderado a investigação na área da Medicina Reprodutiva. O que possibilitou isso?
A Bélgica é um país muito pequeno, com muita concorrência, muitas universidades. Estamos todos a tentar ter a melhor taxa de gravidez. Não nos resta outra opção a não ser fazer investigação. Trinta a 35% do meu tempo é dedicado a isso. Quando comecei, há mais de trinta anos, não tinha qualquer financiamento para investigação. Tive de usar o meu próprio dinheiro para começar um grupo. A dada altura, quando se tem algum sucesso, com boas publicações, aí consegue-se apoio financeiro de fontes públicas.
E a legislação, é mais permissiva do que noutros países?
Quando começamos a fazer ICSI [Injeção Intracitoplasmática, téccnica usada em procriação medicamente assistida], na Bélgica, há muito tempo, todo o procedimento aconteceu primeiro em humanos, quando ainda nem tínhamos resultados em modelos animais. Posso dizer que, na Bélgica, o que não é proibido, é permitido. Mas temos de receber a aprovação do comité de ética local. E isto é cada vez mais complicado.
Sim?
Há muitas invejas. Além disso, os comités de ética, atualmente, além de médicos e cientistas, também têm políticos e estes gostam de fazer barulho.
Em 2004, a sua equipa foi responsável pelo primeiro nascimento, depois de um transplante autólogo de ovário (da própria) criopreservado. Quais são as suas taxas de sucesso atualmente?
Por Fertilização In Vitro temos quase 50% de sucesso, com transplante de ovário é 30%, em mulheres tratadas a endometriose é 50% também.
A quem se destina a cripreservação de ovário?
Quando uma mulher jovem tem de se submeter a quimioteraia [que por vezes causa infertilidade], antes de ser iniciado o tratamento, congelamos tecido ovárico. Depois de tratada ao cancro, transplantamos o tecido, para que esta tenha hipóteses de engravidar.
Esta possibilidade de congelar o ovário é dada a todas as doentes com cancro, na Bélgica?
Sim, é um procedimento gratuito.
No caso de mulheres que querem adiar a maternidade, pelas ditas “razões sociais”, não relacionadas com questões de saúde. Qual é o procedimento?
Aí, vitrificamos o ovócito e tiramos uma parte do tecido ovárico. Se a mulher, aos 35 anos, pretende engravidar, em 80% dos casos conseguirá fazê-lo naturalmente. Nos outros 20%, poderá precisar do transplante de tecido. Mas naquilo que estamos a pensar agora é em reimplantar o tecido ovárico na idade da menopausa.
Para adiar a menopausa?
Sim, porque se somos capazes de restaurar a atividade do ovário, por dez anos, nos casos das mulheres sujeitas a quimioterapia, esperamos ter o mesmo resultado em mulheres na menopausa.
A primeira vez que apresentei esta ideia, num congresso, perguntei às mulheres na sala se preferiam tomar um medicamento [a terapia hormonal de substituição] ou sujeitar-se à reimplantação de tecido. Todas optaram pelo reimplante de tecido.
E isto já foi feito?
Não. Mas já temos um banco de tecido de mulheres que o guardaram por razões sociais. E também já guardamos tecido de mulheres que têm um historial familiar de menopausa precoce.
Apesar do longo caminho já percorrido, continua a haver muitas razões para a infertilidade.
Sim, há muitas causas. Os miomas [tumores benignos que aparecem na camada muscular do útero], por exemplo. Mas nestes casos, o medicamento acetato de ulipristal tem dado bons reultados, permitindo engravidar naturalmente.
Qual o peso dos miomas na infertilidade?
Cerca de 20 a 25 por cento. O mesmo que a endometriose.
Doença que também pode ser tratada. Ou seja, quase metade das causas de infertilidade podem ser tratadas.
Exato.
O que ainda gostaria de fazer?
Ainda podemos melhorar a taxa de sucesso do transplante de ovário. Estamos no caminho da criação de um ovário artificial. Demorará talvez uns dez anos.