Lúcia de Fátima, 54 anos, natural de Póvoa do Lanhoso, mas emigrada em França desde a infância, está neste momento em prisão domiciliária, em lugar secreto, depois do seu filho Ismail Omar Mostefai, o padeiro de 29 anos, um dos responsáveis pelo atentado no Bataclan, ter sido identificado através de uma impressão digital.
Que turbilhão de sentimentos passará agora pela cabeça desta mulher? O psiquiatra e grupanalista Cláudio Moraes Sarmento afirma que, não tendo tido a oportunidade de entrevistar nenhuma mãe em situação idêntica, apenas pode fazer suposições: “É possível lidar com estas situações devido aos nossos mecanismos de defesa. Aquelas mães clivam e denegam muito facilmente. É mais fácil clivarem e aceitarem que o seu filho é ou era um bom rapaz e que foi desviado por outros que lhe enxertaram ideias na cabeça e que são esses os responsáveis . Assim desculpabilizam-se e preservam uma parte boa do filho. A denegação é outra possível estratégia de defesa”.
Na sua vida profissional nunca se cruzou com mães que “odiassem os filhos”, mas o repúdio é possível. “Não existe nenhuma síndrome para mães que passam por estas situações. Claro que poderão passar por um conjunto de etapas psicológicas que vão desde a negação até à revolta e eventual aceitação, com todos os custos mentais associados de queixas depressivas e ansiosas eventuais. Quanto mais saudável a mãe, mais provável será a grande dificuldade em lidar com a situação e poder deprimir”, afirma Cláudio Moraes Sarmento.
Segundo o psiquiatra, é possível continuar a amar um monstro: “Basta ter os mecanismos de defesa funcionantes e poder continuar a negar, a clivar ou a projetar noutros. Temos poderosos mecanismos de defesa que poderão ser recrutados, dependendo da estrutura de personalidade da mãe”.
Claro que haverá mães tão perturbadas quanto os filhos (piscopatas, “mas essas não recorrem a psiquiatria por não terem sofrimento”.
Quanto aos jovens recrutados pelo auto-designado Estado Islâmico e que se envolvem em atos terroristas sanguinários e, muitas vezes suicidários, o psiquiatra reforça que “estas situações não estão, também, dissociadas de um contexto socioeconomico desfavorável. São jovens de subúrbio (no seu pior significado – gueto), desenraizados, filhos de emigrantes e de outras etnias distintas da nativa e desempregados. Nada que justifique estas escolhas, mas são mais vulneráveis e manipuláveis por qualquer causa em que o sentimento de pertença e de aceitação exista”.
Refere ainda que são um “produto cultural híbrido” e revela o facto de “desejarem ascender economicamente e ter o que a sociedade de consumo lhes proporciona e não conseguem atingir”: “São os jovens frustrados que se revoltam contra a sociedade que não lhes proporciona o que entendem ter direito e sentem-se excluídos e marginalizados ao invés de se questionarem internamente”.
E remata Cláudio Moraes Sarmento: «Estes jovens frustrados são matéria fácil de recrutar para estas causas terroristas (que são um extremo da marginalidade)»