Esta semana assinalou-se o 20º aniversário da Conferência das Nações Unidas de Pequim. Razão para uma conversa com a Champion das Nações Unidas da igualdade de género
A atriz Mariana Monteiro tem vindo a apelar nas redes sociais para temas como a igualdade de género e a erradicação da violência contra as mulheres. Discursou no debate sobre a violência doméstica na Assembleia Municipal de Lisboa, participou nas campanhas “Girl Summit” e “Time To Act”, e protagonizou na minissérie, “Mulheres de Abril”. Razões suficientes para as Nações Unidas nomearam Mariana como Champion. O objetivo é aproveitar a visibilidade da atriz para abrir discussões sobre estes temas. Conheça um pouca as suas ideias e a sua maneira de pensar sobre temas que ainda abalam a nossa sociedade.
Como é surgiu o convite para ser Campeã das Nações Unidas?
MM- Mariana Monteiro – Aconteceu através da agência [de Mariana], porque tinha feito duas campanhas, a Girl Summit e a Time to Act, uma sobre a violência contra as mulheres, em conflitos armados, e a Girl Summit sobre o acesso à escolaridade na Nigéria, que estava a ser negada. Também já tinha feito uma campanha para a Sic, em 2009, contra a violência doméstica, chamada, “Todos os homens que fazem parte da minha vida, nenhum será mais do que eu”. E portanto tinha vindo a estabelecer uma ligação com campanhas que favoreciam a igualdade de direitos humanos.
Sente muita pressão em defender a imagem das Nações Unidas em relação à igualdade de género?
MM- Não. Eu sinto uma missão. Mais do que pressão é a responsabilidade, a vontade que tenho de fazer cumprir o objetivo. Tentar elucidar o maior número de pessoas para esta temática, para que se consiga resolver a pouco e pouco.
Daqui a 20 anos vamos estar a falar do mesmo?
MM- Do mesmo? Do mesmo não por favor. Há 20 anos, tenho a certeza que as coisas não estavam como estão hoje. Agora, que ainda não estamos onde queremos, não estamos. Porque todo o processo na história foi o favorecimento do homem no na sociedade e o papel da mulher sempre foi mais secundarizado.
O seu pai é sociólogo e trabalhou na comissão para a igualdade de género. Está a seguir as pegadas do pai?
MM- O que eu sinto é que este tema é me um pouco mais familiar desde cedo. Ele trabalhou na Comissão para a Igualdade de Direitos das Mulheres, hoje em dia é a CIG, Comissão para a Igualdade de Género. Sinto que isso me trouxe uma consciência maior do problema e outra bagagem, mas não estou a seguir as pegadas dele porque não sou socióloga. Espero estar a seguir, pelo menos, essa missão de querer contribuir para um mundo mais justo no sentido que tanto mulheres como homens merecem os mesmos direitos, quer sejam salariais, quer seja a cargos de chefia, quer seja a cargos políticos, quer seja pela não violência física e psicológica. São muitos os campos que, ainda, se tem que melhorar, mas sem dúvida alguma que desde há 20 para cá, a evolução foi muita. Mesmo no acesso à educação! Agora, ainda falta. Por isso é que vai haver um encontro para, provavelmente, fazerem um balanço e uma nova ata para proporem novos objetivos.
Ele disse alguma coisa quando soube que ia ser Campeã das Nações Unidas?
MM- Disse, claro. Também ficou orgulhoso por saber que estava a usar a minha imagem pública duma forma construtiva. Sempre disse isso na minha agência, que era um caminho que gostava de seguir. Era poder ter usufruto de ter exposição para contribuir para uma causa, que eu acredito e que valha a pena.
A Mariana também está envolvida em campanhas contra a violência doméstica, como surgiram esses projetos?
MM- Surgiu porque também foi consequência desta missão ser Campeã das Nações Unidas porque houve várias entidades que souberem e que acabaram por pedir que eu fizesse uma oratória em duas ocasiões distintas, uma a convite da Assembleia Municipal e o outro da PSP. O que aconteceu também foi por eu estar um bocadinho dentro desse tema. Porque em Portugal, infelizmente… é o que acontece. Ainda são assustadores os números de mulheres que morrem, por ano, vítimas de violência doméstica. É mesmo assustador. Portanto fui falar e entrei neste tema porque apesar de representar um problema global, tento focar-me a nível nacional.
Mas eu não faço o papel da APAV ou de todas as instituições que ajudam as vítimas. Essas sim ajudam! Essas sim apoio! O que eu pretendo é encorajar as vítimas a não terem medo e irem ter com essas instituições.
Disse uma vez que “ser feminista e defender a igualdade de direitos não é igual a defender a supremacia das mulheres”. As pessoas têm essa noção?
MM- Não. As pessoas confundem, não estão muito bem informadas acerca do significado da palavra. E provavelmente pela associação à palavra machismo, veem feminismo como antónimo. Ora, não é de todo! Por isso é que fiz um vídeo sobre isso. Faço questão, quando falo, deste tema para esclarecer, sempre, este significado. Feminismo é apenas igualdade. Ou seja, não é querer ser mais do que os homens. As mulheres não pretendem ganhar mais terreno que os homens. Não pretendem a supremacia! As mulheres só querem igualdade!
Como é que passamos essa ideia às pessoas?
MM- É começando por explicar o significado do termo. Quando alguém diz que “sou feminista!” tem de vir a explicação para as pessoas perceberem. Esclarecer. Como a campanha “He for she” em que eles têm de estar por elas. Estes movimentos carecem da participação masculina. Os homens até iriam beneficiar. Por exemplo, um homem que vá com a sua criança a um centro comercial e vai ao fraldário, o símbolo está, normalmente, associado à mulher, com a criança. É ridículo. Tanto pode ser uma mãe solteira, como um pai solteiro. Há já algumas casas de banho que têm a sinalização, mas muitas não. Digo também sempre que há características que estão no seio masculino e outras no feminino, mas é preciso abrir mentalidades, porque de repente há pessoas que se querem candidatar a x profissão e o homem também pode ter o preconceito de escolher uma profissão por achar que ela é demasiado feminina. Portanto é bom para os dois lados. Tem de existir a noção que a sexualidade não tem nada a ver com uma série de escolhas e oportunidades na sociedade. Uma coisa é aquilo que é fisiológico e no que está nas hormonas de cada um, outra coisa é o acesso a tudo o que nos rodeia no mundo exterior. Isso tem de ser igual. Como as tarefas de casa, que isso já era do tempo da emancipação da mulher. Se a mulher entretanto tem trabalho, também tem de haver funções dos dois em casa. Não existe mais a coisa de que “a mulher é que trata apenas da casa”.
Tem de se começar desde certo para mudar as mentalidade certo? Como o azul é associado ao menino e o rosa às meninas.
MM- Sim. Sim. Sempre disse isso. Começa tudo na infância. As nossas influências em adulto vêm da infância. Também falei disso para o aspeto da violência. Se os desenhos animados são agressivos, se os jogos de computador e de Playstation promoverem a luta e os tiroteios, esperem crianças zen, calmas e pacíficas. Muitas das vezes isso pode estar relacionado, outras não. Tem de haver um equilíbrio em tudo. Como isso da roupa. Qualquer cor serve para uma criança. A associação do azul para o menino e o rosa para a menina, acho que um dia vai acabar.
Como é que se vai incentivar a igualdade de género no trabalho?
MM- Isso parte do entidade patronal que à partida tem de conseguir perceber se há o mesmo número de homens e de mulheres no quadro. Em funções não díspares, ou seja, se de repente no quadro, todos os homens estão em cargos de chefia e as mulheres estão em cargos abaixo, é óbvio que as coisas se vão manter. Agora se na mesma empresa, entre homens e mulheres, estiverem distribuídos os cargos, as diferenças salariais já não poderão existir dessa forma. Muitas das vezes as diferenças salariais também se devem, ou não, a diferentes posições. Porque se está provado que há menos acessos a cargos de chefia, também é fácil que a diferença salarial aumente. Como já se viu até em Hollywood, em que várias atrizes se vieram manifestar. No filme da Golpada Americana em que os quatro são protagonistas [Christian Bale, Bradley Cooper, Amy Adams e Jennifer Lawrence], os dois atores receberam o dobro das atrizes. Isso foi para fora e, por isso, foi uma revolta.
Se fosse ao contrário. Se percebesse que estava numa situação em que tivesse mais vantagens em relação aos homens, eu quereria que as coisas se equilibrassem. Porque só assim é que vivemos numa sociedade justa. Isto Chama-se evolução.
Como é que chegamos às mulheres que sofrem de violência doméstica e que não conseguem pedir ajuda?
MM- Por isso é que se tem desmistificado muito a frase do “entre marido e mulher não se mete a colher”, e foi feito um vídeo pelas Nações Unidas, em que um vizinho toca à campainha a perguntar se está tudo bem. Porque este ditado muito antigo não é verdade. Estas pessoas que estão sozinhas não conseguem ver a realidade que estão a sofrer. Por isso é preciso um elemento exterior que diga que isso já ultrapassou os limites.
É preciso é falar com alguém. É preciso NÃO guardar apenas para elas. E para chegar até essas mulheres é atacar por todos os meios de comunicação.
Também o que acontece é que, muitas vezes, os filhos veem comportamentos familiares de outras gerações É o futuro do país! Tem se provado em Portugal que o número mais crescente de violência física e psicológica até são nas idades dos 14, 15 anos. Que é assustador. Se começarmos numa geração recente a criar um universo pior, neste sentido, não vamos ter melhorias no futuro. É preciso, também, incluir-se na escola um alerta.
Como vão ser os números em relação à violência doméstica daqui a 20 anos em Portugal?
MM- É assim, se não for feito nada, não vai melhorar. Se for, sim, vai melhorar. Se promoverem a igualdade de géneros desde crianças, se promoverem todos os temas problemáticos da nossa sociedade as coisas melhoram. Por exemplo a disciplina de Formação Cívica têm de ser mais específica. Não facultativa e sim obrigatória. Não tão concentrada na avaliação e sim na promoção dos deveres e direitos básicos. Porque nós daqui a 20 anos só podemos estar diferentes se começarmos a ser diferentes desde pequenos. A geração mais velha é mais complicada de mudar porque já está mais enraizada.
Tem notado alguma diferença, alguma melhoria na adesão dos homens nas publicações que faz nas redes sociais?
MM- Ainda é pouca. Normalmente nos posts que faço aparece um homem que vem com teorias machistas. Eu não ataco de volta, deixo a pessoa sentir-se ignorante. Mas há homens que hoje se manifestam e que defendem a igualdade das mulheres. Sabem que as mulheres não estão a pedir nada de mais.
Quando estava nas filmagens das “Mulheres de Abril”, a sua personagem, de certa forma, lutava pela igualdade de género…
MM- Sim esse projeto foi muito interessante por isso, porque conseguiu colocar no centro da visão como era o papel da mulher antes da emancipação, e antes da democracia. Porque de facto, o papel da mulher nessa altura aí sim era de doméstica, submissa ao homem, submissa a tudo. Havia uma cena em que eu dizia: “Mãe, vai ser bom! Já pensaste? Já vamos poder gritar na rua! Já vamos poder votar!”. Portanto tudo começa aí, com o voto. Quer dizer, quem é que diz de repente que só vota o homem? Quem é que vai liderar? Dominar? Dirigir uma sociedade?
Temos de pensar que neste século, o nosso problema já não é direito ao voto, mas são outros tantos que para a atualidade são tão graves como.
Não paramos para pensar tanto nisto, porque só metade da população é que está com este problema. As mulheres é que ainda têm estas desigualdades a nível mundial. E a nível cultural também. A cultura, também, promove muitas destas desigualdades.
Como é que está a ser a vida de volta à terra natal [Porto]
MM- Essa parte é ótima. Volto um bocadinho às origens. Desde 2005 que saí de casa e que só ia ao Porto às vezes. Agora a gravar a “Coração D’ouro” volto a ter os mimos dos pais.
Como estão a correr as filmagens?
MM- Estão a correr otimamente. Percorremos o país. Andamos no Douro, Porto e Lisboa. E é muito interessante, eu que sou uma local do Porto, estou a descobrir esplanadas e recantos que não fazia ideia existirem. Que agora nas folgas vou poder visitar. [Risos.]
Já foi de férias?
MM- Tive em fevereiro uns quatro dias em Cabo Verde. Não conhecia e adorei.
Qual é o sítio que gostava de conhecer?
MM- O sudeste asiático, sem dúvida. Já não aguento, já toda a gente foi. E a minha ótica exige que vá lá durante algum tempo. Gostava de conhecer muitos países do sudeste asiático, são todos muito próximos uns dos outros.
A coisa que menos gostas de fazer?
MM- Hm… As lidas da casa [Risos]
Já usou a fama para conseguir alguma coisa?
MM- Ahahah! Não! Não! Ia dizer o quê? “Olá sou a Mariana Monteiro…” [Risos]
Quando era mais nova teve alguma alcunha?
MM- Tive agora uma, por causa do meu riso, e pegou mesmo! Que é gaivota… Começou numa novela e agora passou para todas. A anterior era o “tsunami”, na altura dos “Morangos com Açúcar” – passo por alguém e faço tombar tudo, sou desastrada.
Se tivesse oportunidade de escolher um papel a nível mundial qual é que seria?
MM- O papel da Charlize Theron no “Monster” ou a da Natalie Portman no “Cisne Negro”
Última pergunta, e há pouco quase me deu a resposta, o seu namorado, João, ajuda nas lidas da casa?
MM- Ahah! Eu, como defensora de igualdade de géneros, como é óbvio, as tarefas terão que ser sempre divididas. Não conto é o que cada um faz! Uma coisa é não gostar outra coisa é ter de fazer.