O número de alunos estrangeiros em Portugal aumentou 60% nos últimos três anos. Nem sempre a experiência termina na sala de aulas: muitos entram no mercado de trabalho e criam os seus próprios negócios. Imigrantes qualificados que veem Portugal como a sua terra das oportunidades e, por cá, ajudam a dinamizar a economia
A primeira vez que o consultor de software Kiruba Eswaran, 28 anos, pisou território europeu foi em Lisboa. Antes, já tinha deixado a Índia para trabalhar nos Estados Unidos, mas, na hora de escolher o MBA (Master of Business Administration), resolveu procurar um programa à sua medida, que o deixasse próximo da Europa, África e América-Latina. O planisfério mostrou-lhe um país no centro do mundo, que correspondia às suas exigências: Portugal.
Antes de aterrar em Lisboa, dedicou-se à leitura da obra How Portugal Changed the World (Como Portugal Mudou o Mundo, Casa das Letras), do britânico Martin Page. Ficaria rendido à herança portuguesa espalhada pelo globo, incluindo na Índia. Mas, à chegada, o que mais o fascinou não vinha no livro. “Durante seis meses, almocei todos os dias bacalhau assado. Já todas as pessoas do restaurante gozavam comigo”, confessa, sorridente, na sala Steve Jobs, um dos gabinetes de reuniões da Startup Lisboa, na Rua da Prata, a incubadora de empresas onde instalou o seu negócio, depois de frequentar o The Lisbon MBA International. O curso junta duas das mais prestigiadas escolas de negócios do País, a Católica-Lisbon (Universidade Católica) e a Nova School of Business and Economics (Universidade Nova de Lisboa), e inclui uma parceria com o instituto norte-americano MIT um fator que também pesou na escolha de Kiruba. O programa sempre esteve voltado para o estrangeiro mas, este ano, bateu o recorde, com a turma mais internacional de sempre, 35% dos alunos inscritos são de outros países. A diretora executiva do The Lisbon MBA, Anabela Possidónio, 43 anos, não tem dificuldade em explicar o fenómeno: “A nossa classificação no ranking dos cem melhores MBA do mundo [elaborado pelo jornal Financial Times] tem chamado muitos estrangeiros.” Na lista deste ano, o curso foi considerado o 52.º melhor do mundo e o 16.º melhor da Europa. Apesar de reconhecer a importância do ranking, Maria da Glória Ribeiro, da empresa de recrutamento Amrop, critica que um dos critérios de avaliação usados pelo jornal seja o nível salarial dos estudantes, três anos depois de terminarem o curso: “É profundamente errado porque não privilegia os empreendedores, que fazem investimentos, mas não exibem o mesmo salário dos que ficam empregados em grandes empresas.”
‘I love Portugal’
O aumento dos estudantes estrangeiros é uma tendência que se estende a todo o País.
Nos últimos três anos, esse número cresceu 60%, de acordo com o Ministério da Educação e Ciência. No ano letivo de 2012/2013, matricularam-se 31 183 estrangeiros, o que representava 8,5% dos inscritos.
A maioria dos estudantes regressam a casa depois de terminados os estudos, mas também há quem veja Portugal como um território fértil de novas oportunidades.
Três meses depois de ter chegado, em 2010, Kiruba Eswaran já pensava em ficar.
“Nas minhas viagens pelo mundo nunca me tinha sentido tão em casa como em Lisboa.
Perto do Natal, toda a gente me convidava para a consoada, mesmo quem eu mal conhecia “, recorda. Mas não foram, apenas, fatores emocionais que o convenceram a lançar, aqui, a sua empresa, juntamente com um sócio português. A Zaask é uma plataforma online para a contração de prestadores de serviços “de confiança” jardineiros, carpinteiros ou baby-sitters, por exemplo.
A proximidade cultural com mercados potenciais, como o Brasil ou Espanha; a localização geográfica; o custo de vida, inferior ao de outras capitais europeias; e a mão-de-obra qualificada foram decisivos para o empresário se estabelecer em Lisboa.
Neste momento, a Zaask emprega dez pessoas, mas prepara-se para integrar cinco novos elementos, apenas dois funcionários da equipa não serão portugueses. A parceria estabelecida com o Google permite especular que o crescimento não ficará por aqui.
Imigrantes de luxo
Enamorado por Portugal, Kiruba só lamenta as constantes “experiências desagradáveis” no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “Tenho de estar sempre a entregar os mesmos documentos e o cruzamento de dados com a Segurança Social não funciona bem”, afirma, antes de acrescentar: “Se olharmos para os Estados Unidos, Reino Unido ou Singapura, existe tratamento diferencial para os imigrantes qualificados.
Aqui, por vezes, sou tratado como se fosse um ilegal, apesar de pagar impostos acima da média e de ter criado empregos.” Uma reclamação partilhada por Mário Rueda, 29 anos, um engenheiro civil colombiano que veio fazer um mestrado na NovaSBE, há quatro anos. O sul-americano estabelece paralelismos com o seu país: “Na Colômbia também há muita burocracia e os procedimentos tornam-se confusos.” Para facilitar a entrada de imigrantes qualificados em Portugal, o secretário de Estado Adjunto do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba, anunciou o desenvolvimento de um plano estratégico para conceder vistos-talento a estudantes, investigadores, reformados e artistas de países extraeuropeus, uma vez que a circulação na Europa é facilitada. “A política migratória deve ser vista como um instrumento de competitividade, de dinamização da economia e de abertura da sociedade ao talento de todo o mundo. Os imigrantes qualificados podem criar novos empregos e incentivar o regresso de cidadãos nacionais”, declarou à VISÃO Pedro Lomba. Desde 2011 que o saldo migratório português é negativo, devido à saída de cidadãos nacionais. Simplificar a atribuição de vistos, modernizar procedimentos administrativos e criar ferramentas eletrónicas são algumas das vias previstas para a nova política migratória, criando uma espécie de “simplex migrante”. Os candidatos dos países lusófonos e os luso-descendentes na diáspora serão dois dos alvos preferenciais do programa.
Espanha também criou o seu próprio programa de vistos-talento, no final do ano passado, em linha com a tendência internacional.
Enquanto o governador do Michigan (EUA), Rick Snyder, acredita que a recuperação da cidade de Detroit, que se declarou em bancarrota em 2013, só será conseguida com a atribuição de 50 mil vistos a imigrantes qualificados.
À caça de talentos
Depois de muito se falar do poder da lusofonia no seu país, Mário Rueda decidiu aprender português. Em vez de escolher o destino mais próximo, o Brasil, optou por algo mais. “exótico”. Só sabia que ia para um país com futebol e cortiça.
O desejo de aprender a língua também foi um dos motivos que levou a alemã Charlotte Specht, 26 anos, para Lisboa. “Eu não queria só fazer um mestrado, queria uma experiência completa num país que fosse culturalmente desafiante”, explica, a partir da Cuba, onde passa férias. Na verdade, a língua inglesa acaba por ser o idioma mais usado pelos estudantes, durante os cursos, já que a maior parte são lecionados nesta língua. São as relações sociais que mais ajudam no capítulo do português.
Ainda antes do mestrado na NovaSBE (que tem um terço de alunos estrangeiros), Charlotte teve a ideia de criar uma agência que valorizasse os artistas de rua e facilitasse a sua contratação para espetáculos.
Quando partilhou a sua intenção com o colega colombiano, decidiram juntar-se para criarem a empresa Book a Street Artist, que integra mais de cem artistas na sua base de dados, em menos de um ano de atividade plena. Atualmente, contam com uma equipa de cinco pessoas para os ajudar e preparam a exportação do projeto para Londres, mas a base vai manter-se em Portugal.
Mário destaca a importância de iniciativas como o Invest Lisboa lançado pela Câmara Municipal, pela Associação Comercial de Lisboa e a Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, com o apoio da AICEP no apoio aos empreendedores: “Ensinaramnos a criar a empresa e a tratar da burocracia. Foram fundamentais para avançarmos”.
O colombiano ficou surpreendido com o cosmopolitismo da capital lisboeta e com a abertura dos portugueses para receber estrangeiros.
“Não esperava isso de um país tão pequeno e latino pois, normalmente, os latinos são muito fechados sobre si próprios “, explica no seu espanhol salpicado de português: “Aqui são todos muito amáveis, o que facilita estar longe de casa”.
Construir uma nova casa
Quando chegou a Portugal, há quase dez anos, a estoniana Cleelia Uudam Costa, 32 anos, pensou que tinha aterrado no paraíso.
A “culpa” foi das palmeiras só mais tarde percebeu que não eram autóctones. Nada faria prever que ia “passar mais frio em Lisboa, com 10ºC, do que com 20° negativos, na Estónia”. “As casas, aqui, não estão preparadas para o inverno”, constata. Falar de Portugal com alguma distância é um exercício que lhe exige esforço, sente-se entre as duas culturas. Acostumou-se aos jantares tardios, à arte dos portugueses de contrariarem as regras (algo impensável na Estónia) e é menos reservada está quase habituada aos cumprimentos com dois beijos.
Cleelia veio fazer um mestrado em International Management, no ISCTE Business School na edição atual do curso, 44% dos alunos são estrangeiros sem planos para ficar. Ter conseguido um emprego num hostel acabou por lhe traçar o rumo. “Estava a tentar perceber o que queria fazer quando surgiu a ideia de abrir uma guest house”, explica, enquanto olha através de uma das janelas do n.º 29 da Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa, onde fica localizada a Lisbon Dreams Guest House, inaugurada em 2009.
O balcão Empresa na Hora facilitou a abertura do negócio. Cleelia destaca a evolução positiva da informatização dos serviços públicos: “Quando cheguei da Estónia onde já era possível fazer quase tudo pela internet nada aqui se fazia online. Hoje, é possível trocar e-mails com as Finanças.” A casa de hóspedes tem 18 quartos e dá emprego a dez pessoas. Cerca de 80% dos clientes são estrangeiros e a faturação média anual é de 270 mil euros. Mas a empresária não deixou os bancos da faculdade.
Atualmente está a fazer um doutoramento no ISCTE. Casada com um português, tem duas filhas de 2 anos e meio e 11 meses, luso-estonianas. Cleelia não sabe quanto tempo vai ficar em Portugal, mas o nosso país já faz parte dela, para onde quer que vá.
Cidade global
A consola de jogos junto do ecrã plasma, a mesa de pingue-pongue e os puffs espalhados no chão mostram que este não é um escritório qualquer. O holandês Olaf Veerman, 32 anos, optou por instalar a sua startup no espaço de cowork Liberdade 229.
A descontração da sala de reuniões contrasta com o luxo da avenida, considerada uma das mais luxuosas de Lisboa. Depois de frequentar o mestrado no ISCTE Business School (em 2004), e de um interregno na América-Latina, Olaf regressou a Lisboa, há dois anos, e fez da cidade a plataforma de lançamento do seu negócio. A Flipslide desenvolve ferramentas de internet, como sites e sistemas de informação. Cerca de 95% dos seus clientes são organizações com impacto social. Olaf e a sua equipa de três portugueses (um deles trabalha a partir de Barcelona) já desenvolveram um projeto em Portugal mas, atualmente, todos os seus clientes são estrangeiros. “Era muito importante encontrar pessoas que falassem bem inglês e, aqui, essa é uma tarefa fácil”, explica, num inglês pausado. Olaf lamenta que o Governo não faça mais parcerias com as Pequenas e Média Empresas, sobretudo na área a que se dedica. Alerta que, por vezes, “o Estado opta por trabalhar com grandes empresas que estão a anos-luz das tecnologias mais modernas”. A qualidade de vida, e o sol, contribuíram para o desejo de voltar a Portugal, assim como a namorada portuguesa que conheceu na Holanda mas, curiosamente, Olaf confessa que foi ele quem a convenceu a regressar.
A norte-americana Kristin Mendez, 31 anos, também ficou rendida aos encantos do País, durante o The Lisbon MBA International.
Orgulhosa, conta que foi a primeira aluna inscrita na história do curso, em 2009.
Perdeu muitos autocarros por não saber que era preciso acenar para pararem mas, aos poucos, foi-se familiarizando com os hábitos portugueses. Adora os almoços de uma hora, em vez de uma sandes. Mas não se acostumou à formalidade “Sr. Dr.” ou “Sr.Eng.”. Kristin ficou a trabalhar numa multinacional.
Hoje, é diretora de marketing da empresa de recrutamento Boyden. Acredita que o país tem muito para oferecer: “Portugal pode ser a Silicon Valley da Europa.
Não é preciso ter uma empresa de milhões para ser um game changer”. Para isso, basta “atrair empreendedores e dizer-lhes que, aqui, podem ter um escritório na praia”. Mesmo ao estilo da Califórnia.