Qual sobre o valor da vida humana e da vida animal? São comparáveis? Podem ser equivalentes?
De um modo geral, o que um animal sofre está longe de ser tão significativo como o que a morte impõe a um ser humano. Mas isto não significa que a vida dos animais não tenha importância moral, isto é, que seja aceitável matá-los pelas razões mais triviais. A continuação da vida é do interesse de muitos animais. Os animais têm ainda um interesse muito considerável em não sofrer. É injustificável, completamente arbitrário, tratar os animais como se os seus interesses não importassem rigorosamente nada, sacrificando-os em função dos interesses mais insignificantes dos seres humanos. Mas é isso que costumamos fazer. Práticas como a criação intensiva de aves e de mamíferos baseiam-se num falta de consideração total pela vida e pelo sofrimento dos animais, pois nós não precisamos dessas práticas para nos mantermos vivos e satisfazermos as nossas necessidades.
Para uns a criança devia ser vingada – não era apenas uma questão de segurança pública – e o cão abatido. Para outros, a morte de mais um ser vivo não traria a criança de volta e seria crueldade. Como acompanhou este debate público?
Como devia ser óbvio, um cão não é um agente moral e, por isso, nunca faz o menor sentido atribuir-lhe responsabilidade moral ou julgar que ele merece ser castigado pelos males que tenha causado. Mas convém não esquecer que, neste caso, estamos a falar de um animal que era uma grande ameaça à segurança pública. Dadas as circunstâncias, abatê-lo de uma forma indolor não teria sido uma solução insensata. Julgo que toda a preocupação depois que se gerou com o destino do “Zico” foi absolutamente desproporcionada. A meu ver, revelou até bastante insensibillidade em relação à morte trágica da criança e ao sofrimento dos que lhe eram próximos. Acompanhei a discussão do assunto com toda a distância possível, até porque, enfim, nestas ocasiões as pessoas gostam é de expor agressivamente os seus dogmas morais.
Há uns anos, este tipo de discussão em torno dos direitos de um animal não seria possível. Parece-lhe que há mais portugueses preocupados com este assunto?
O interesse pelo tema dos direitos dos animais chegou tarde à sociedade portuguesa, mas veio para ficar. E ainda bem. Além de ser um objeto interessante de reflexão, que se tornou central na ética filosófica, tem uma enorme relevância prática. Há muitas questões distintas neste domínio (por exemplo, o uso de animais na alimentação, na investigação científica, no entretenimento) e, se queremos pensar bem sobre elas, não podemos reduzir o debate às posições extremadas e à meia dúzia de slogans que costumam acompanhá-las. Julgo que, em muitos aspetos, temos de alterar a maneira como nos relacionamos com os animais, sem que isso implique propriamente reconhecer-lhes direitos morais. Nunca, em toda a história da humanidade, os maltratámos tanto por tão pouco. A criação intensiva de mamíferos e de aves é a prova acabada disso. Em parte, é o reconhecimento gradual deste facto que explica o interesse das pessoas pelo assunto.
BI
Professor de Filosofia
Pedro Galvão, 40 anos, leciona na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Dá aulas de Ética e Filosofia da Morte, entre outras, e é investigador do Grupo LanCog do Centro de Filoso?a da mesma instituição.
No campo da história da filosofia, tem-se concentrado nos filósofos dos séculos XVII e XVIII e dedicado à tradução de obras de Joseph Butler, David Hume, Stanislaw Lem ou Thomas Reid. É autor de Do Ponto de Vista do Universo (Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2008, 272 pp., 15.15 €).
Reuniu duas coletâneas de ensaios: uma sobre a ética do aborto, a outra sobre direitos dos animais, temáticas sobre as quais tem também publicado artigos em livros e revistas.
Faz parte da direção da Sociedade Portuguesa de Filosofia.
Mantém o sítio da internet: http://pedrogalvao.weebly.com