Todos os homens são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros – quem tem dinheiro, frequenta restaurantes caros, conduz desportivos de 200 mil euros e dorme nos melhores hotéis, numa separação de classes encarada com naturalidade. Mas a vantagem de quem mais tem começa a notar-se num campo que, até agora, estava relativamente imune ao poder da carteira: as filas.
Nos EUA, multiplicam-se os serviços que vendem a possibilidade de se passar à frente dos outros. A Six Flags, uma das maiores cadeias mundiais de parque de diversões, começou por testar “passes dourados”, no seu complexo de Atlanta, na Geórgia, que custam o dobro do preço e permitem aos afortunados visitantes esperarem metade do tempo pela sua vez. A empresa ficou tão satisfeita com os resultados que decidiu implantar o sistema em todos os seus parques espalhados pelo país.
Da mesma cidade americana chega um caso bem mais perverso. Numa das estradas de acesso a Atlanta, o Governo estadual trocou a faixa “ambiental”, para carros com dois ou mais passageiros (prática comum para incentivar a partilha de transporte), por uma via exclusiva para quem paga um passe próprio. O privilégio de passar à frente dos outros, que, invariavelmente, ocupam as restantes faixas ao ritmo do para arranca, tem um custo médio de 120 dólares (93 euros) e reduz uma viagem de hora e meia a pouco mais de meia hora. Este sistema é criticado por grande parte da população, que alcunhou a medida de “via Lexus” (marca de automóveis de luxo). Os governantes, por seu lado, defendem-na, dizendo ter encontrado uma forma de financiar as estradas. O debate já levou alguns políticos a acusar soluções como estas de chocarem com a Constituição e o princípio de igualdade de tratamento dos cidadãos.
Portugal não escapa
A “desdemocratização” das filas não se limita aos EUA. Companhias low cost como a Ryanair e a Easyjet, em que não há lugares marcados, vendem entradas prioritárias no avião. Ou seja, pode-se pagar um extra para entrar primeiro e assim escolher o lugar. E há muito que, nos aeroportos de todo o mundo, os passageiros de business ou primeira classe passam à frente, no check in ou nos pontos de segurança. Em Lisboa, por exemplo, há um corredor rápido para os portadores de bilhetes mais caros, que desemboca no mesmo controlo de metais que os apinhados corredores dos passageiros a viajar em turística.
Humberto Estrela, CEO da HPG, empresa portuguesa de soluções tecnológicas, incluindo gestão de filas de clientes, diz que esta tendência deverá acentuar-se no futuro e que Portugal não foge à regra. “Há cada vez maior apetência das empresas para oferecerem regalias e privilégios a clientes que pagam uma taxa por um atendimento diferenciado”, observa. “As filas não são exceção.” Um dos casos em que tal já acontece é a cadeia de compras online Pixmania Portugal: quem tem o cartão VIPix, que custa 20 euros, passa à frente de todos os outros nas longas filas de espera para levantar as encomendas na loja.
Os ingleses preparam-se para elevar a fasquia da desigualdade de tratamento. No aeroporto de Heathrow – o mais concorrido da Europa -, as autoridades estão a ultimar um sistema para livrar os mais ricos das exasperantes filas de duas horas no controlo de passaportes para cidadãos de países que não pertencem ao espaço Schengen: por uma taxa de 1 800 libras (2 227 euros), o passageiro será transportado de limusina para uma sala VIP; aí esperará tranquilamente que o seu passaporte seja controlado, enquanto beberica um aperitivo. Entre iguais.